Dois tiros de garrucha e a diferença entre fumaça branca e negra
Fixadas as fronteiras do Brasil com o Paraguai, com os términos dos serviços demarcatórios, começou a povoar-se em 1.874, vagarosamente, toda essa região do Mato Grosso do Sul. Naquele tempo, tudo estava deserto. Quem por lá se aventurava tinha de tomar cuidado com a posse da terra pois os conflitos com os donos da empresa Matte Larangeira eram inevitáveis.
A diferença entre o burro do gaúcho e o do mineiro.
Daí ter, naquele tempo, o general Pinheiro Machado, recomendado a um amigo - João de Deus Melo - que vinha do Rio Grande do Sul, com o propósito de adquirir terras na região: “Cuidado! Ali há muito embrulho nas terras… entre lá, como burro do mineiro, “apalpando”, para depois pisar firme”. “Há uma diferença, dizia ele, entre o burro do mineiro e o do gaúcho: o do mineiro só entra “apalpando” com uma das patas, e depois com a outra, para assim atravessar; mas, se cismar com o terreno, vira nas patas traseiras e volta atrás”. É cauteloso.
O sumiço do gado.
A história recorrente era de sumiço de gado. Havia muitos malfeitores paraguaios rondando as poucas fazendas por lá instaladas. Certa vez, nas terras dos Monteiro de Lima, desapareceu um lote de gado que possuíam. Procuraram por todos os recantos da fazenda e nem batida acharam. Depois de quatro dias de andanças infrutíferas, ficaram convencidos que havia sido roubado pelos índios. Resolveram subir em um morrote na esperança de localizar o gado ou os indígenas. Foi então, que avistaram, não muito distante, uma fumacinha. Acharam, inicialmente, que eram os indígenas e veio a interpelação do mais velho: “Estou desconfiado de que não são os índios… a fumaça está ficando alta demais, e essa cor escura significa que a roça é grande… é roça de gente branca”. A observação estava certa. Na roça de índio o fogo dura pouco pois a roça é pequena.
Dois tiros de garrucha.
Ficaram por ali atentos por mais de duas horas. Por fim, convenceram-se que não eram indígenas e sim um novo vizinho que vinha, cheio de esperanças. Possuído de grande alegria, um deles, soltando gritos de entusiasmo, descarregou os dois canos da garrucha de cabo florido, gastando a última munição de que dispunha. O novo morador era Francelino Ramos. O novo nome do lugar passou a ser “Bela Ideia”.
Carga preciosa.
Naquele tempo, dar dois tiros de garrucha era o equivalente a gastar uma pequena fortuna. Eram tiros preciosos. Não se utilizava por um gesto impensado. A munição, que valia ouro, chegava da vila de Concepción, no Paraguai, de ano em ano, quando muito. E, assim, uma salva de tiros para o ar tinha imenso significado emocional, de marcante e festivo regozijo. Um novo vizinho era saudado como um milagre.
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