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Capital

Sem lar e teto, desocupados ocupam ruas, praças e assustam na Capital

Aline dos Santos | 24/04/2015 14:40
Cristiano, que não quis mostrar o rosto, mora nas ruas da Capital há sete meses. “Sei lá, a vida tem cada coisa, mas não vou ficar me lamentando”.(Foto: Alcides Neto)
Cristiano, que não quis mostrar o rosto, mora nas ruas da Capital há sete meses. “Sei lá, a vida tem cada coisa, mas não vou ficar me lamentando”.(Foto: Alcides Neto)
Calçada no bairro Santo Amaro é dormitório para moradores de rua. (Foto: Alcides Neto)
Calçada no bairro Santo Amaro é dormitório para moradores de rua. (Foto: Alcides Neto)
Gilmar , que é vizinho dos moradores de rua, diz que convivência é tranquila. (Foto: Alcides Neto)
Gilmar , que é vizinho dos moradores de rua, diz que convivência é tranquila. (Foto: Alcides Neto)

A rua de Cristiano, 42 anos, tem colchão, litro de pinga a R$ 6 e nenhuma lamúria. A cama de Elis, 26 anos, é o gramado da Orla Ferroviária, onde o corpo com cicatrizes de seis tiros e quatro facadas repousa ao lado do companheiro que conheceu na boca de fumo. Nas imediações, um morador de 43 anos, que tem medo de dizer o nome, também teme ir para a rua. “Isso aqui virou um hotel de mendigo. Não posso sair para fora de casa”, diz.

Enquanto as vias de Campo Grande recebem mais e mais pessoas “em situação de rua” e o MPE (Ministério Público Estadual) aponta “inércia” do Poder Executivo, a prefeitura não tem nem estatística do tamanho do problema.

Há sete meses nas ruas de Campo Grande, o homem que pede para ser identificado apenas como Cristiano é dono de um dos cinco colchões perfilados em frente a um imóvel vazio, no cruzamento da avenida Presidente Vargas e a rua Machado de Assis, bairro Santo Amaro.

Ele conta que é natural de Porto Alegre (RS) e veio ao Estado para trabalhar em uma carvoaria de Água Clara. “Mas carvoaria esconde muito drogado, gente que foge da lei. Não deu certo”, diz sobre o trabalho.

Aqui, trabalha como “chapa” (descarregando caminhão), pintor, pedreiro. “Ganho de R$ 1.200 a R$ 1.500 por mês”, diz. Ele afirma que não gosta de pedir dinheiro na região onde mora porque “queima” e que ele e os colegas só aceitam dividir o pedaço de calçada que fizeram de casa com alcoólatras, vetando os drogados.

Numa vida sem rotina e restritas condições de higiene, a pinga é a alegria diária. Em uma noite, foram cinco litros da bebida para quatro pessoas. Cristiano fala sem saudades do passado em que tinha casa e família. “Sei lá, a vida tem cada coisa, mas não vou ficar me lamentando”, afirma.

O mecânico Gilmar Barbosa, de 48 anos, que trabalha em frente ao “dormitório” dos moradores de rua diz que eles passam o dia fora e que a vizinhança é tranquila. “Não roubam. É sossegado”, afirma.

Casal repousa no gramado da Orla Ferroviária. (Foto: Alcides Neto)
Casal repousa no gramado da Orla Ferroviária. (Foto: Alcides Neto)

A deteriorada Orla Ferroviária, onde a calçada de desfaz, escadas são destruídas, pichações tomam os muros e o fétido odor de excrementos corta o ar é o endereço preferido do casal Elis Alves Carneiro, 26 anos, e Jean Carlos de Paula Soares 31 anos.

Segundo eles, o local é tranquilo. Elis conta que tem família no Paraná e que veio a Campo Grande após se casar. A união terminou com tiros e facadas. Ela admite que precisa de tratamento para a dependência química e que há muita oferta de ajuda, principalmente das igrejas. Os religiosos levam orações, alimento e convite para tratamento. “Não é que eu prefiro a rua. É que a gente faz escolha erradas”, resume.

Formado em Educação Física e com pós-graduação, Jean Carlos diz que a vida desandou quando trocou a carreira de personal trainer, pelo comando de uma boca de fumo. Ele foi preso e hoje recebe auxílio financeiro da família.

Na mesma Orla Ferroviária, moradores reclamam que a região não conseguiu perder o aspecto marginal mesmo após revitalização. A maioria dos quioques estão fechados, um foi incendiado e são usados pelos pedintes.

No centro, furto e drogas – A região central abriga 1.260 moradores de rua. O dado é do levantamento do Conselho Comunitário de Segurança da Região Central. Segundo o presidente do conselho, Adelaido Luiz Espinosa Vila, a maioria é de pessoas que vem para trabalhar como braçal e acaba ficando.

“Carvoaria, indústria da cana e na própria construção civil. Ficam na rua. Primeiro ganham a droga para ser aliciados. Depois, tem que pagar. Aí começa uma cadeia. Cuida de carro pratica pequenos furtos”, afirma.

E o vale tudo para conseguir manter o vício preocupa os comerciantes. “O problema é muito sério. Na fissura do consumo de drogas, partem para o furto, arrombamento e começam a invadir. São duas vítimas, o morador de rua e o proprietário. É a vítima da vítima”, salienta.

Revitalizada, Orla Ferroviária foi tomada por pichações e virou hotel de mendigo. (Foto: Alcides Neto)
Revitalizada, Orla Ferroviária foi tomada por pichações e virou hotel de mendigo. (Foto: Alcides Neto)
Quiosque teve banheiro depredado. (Foto: Alcides Neto)
Quiosque teve banheiro depredado. (Foto: Alcides Neto)

Depois de participar de várias reuniões para discutir o assunto, o Conselho de Segurança vai propor parceria à SAS (Secretária Municipal de Políticas e Ações Sociais e Cidadania), Sejusp (Secretaria Estadual de Justiça e Segurança Pública) e Rotary Club. A proposta é fazer uma ação para que os moradores de rua ganhem documentos, banho, roupas e encaminhamento para a cidade do origem ou projeto social. Pela região central da cidade, circulam 350 mil pessoas por dia.

Em bairro, importunação e van de pedintes – A pouca distância do Cetremi (Centro de Triagem e Encaminhamento do Migrante), o viaduto na saída para Três Lagoa é ponto de parada de pedintes vindos de outras cidades. A importação de moradores de rua foi denunciada pelo presidente da Amape (Associação de moradores do bairro Maria Aparecida Pedrossian), Jânio Macedo.

“Volta e meia, tem vans que abrem a porta e o [pessoal] desce. Param debaixo do viaduto, na boca da noite, de manhã cedo”, relata.

Nos diálogos com os comerciantes, sempre para pedir alguma coisa, eles contam que estavam em outras cidades, mas foram orientados a vir para a Capital, local que ofereceria melhores oportunidades.

Conforme Jânio, o resultado é muita importunação, além de furtos. “Perturbam a comunidade pedindo. Abordam os clientes na pastelaria, no posto de combustível. Convivemos com isso há sete anos”, reclama.

Desde a denúncia da importação de moradores de rua, feita em março deste ano durante reunião com o MPE (Ministério Público Estadual), o presidente da Amape disse que a situação segue inalterada. “Só teve a visita da clínica do crack, do governo federal, aquela clínica de rua. Vieram assistente social, psicóloga”, conta.

Sem estatística – Questionada pela reportagem sobre o número de moradores de rua em Campo Grande, a SAS informou que está “atualizando o mapeamento do número de moradores em situação de rua”.

O atendimento é conforme o perfil. Os que têm família em Campo Grande, mas estão na rua por problemas como dependência química, desemprego, doenças mentais recebem auxílio no Centro POP (Centro de Referência Especializado para População em Situação de Rua).

Em março, promotora afirmou que MPE já fez dezenas de recomendações à prefeitura (Foto: Marcelo Calazans)
Em março, promotora afirmou que MPE já fez dezenas de recomendações à prefeitura (Foto: Marcelo Calazans)

Já os migrantes, pessoas de outras localidades, são atendidos pelo Cetremi. O centro tem serviços de
alojamento, alimentação e higiene.

Para os que querem permanecer na Capital, é feito o encaminhamento à rede de assistência social e de saúde. O poder público também fornece passagens à cidade de origem. A equipe realiza ronda nos pontos mais críticos da capital e faz a triagem dos migrantes que comparecem ao Cetremi. O local também recebe pessoas encaminhadas pelo Centro POP. Por dia, a média é de 80 atendimentos.

Apesar da rede de assistência, a secretaria avalia que a rua se torna atrativa devido a doações de roupas, alimentos e dinheiro. Ainda conforme a SAS, a administração municipal não tem autonomia para simplesmente recolher a pessoa. “A Prefeitura age no estrito cumprimento da Constituição, que garante o direito de ir e vir. O cidadão só pode ser tirado da rua se estiver infringindo a lei”, informa.

Inércia – Em março, a titular da 67ª Promotoria de Justiça De Campo Grande, Jaceguara Dantas da Silva Passos, apontou inércia do Poder Executivo em relação à implementação de politicas para a assistência aos moradores de rua.

Conforme a promotora, dezenas de recomendações foram feitas para melhorar a assistência aos moradores de rua, que no entanto, não foram “seguidas”.

O Campo Grande News entrou em contato com a assessoria da promotora para saber se houve nova recomendação ao poder público, mas, devido a compromissos, ela não pôde atender a reportagem.

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