Em maré da intolerância, Banho de São João é aula de respeito
Corumbá ensina, há décadas, que é possível unir crenças diferentes em uma mesma celebração

Com a chegada do Banho de São João, além de embarcar em mais uma viagem para celebrar uma das maiores festas juninas do país, o público tem a chance de mergulhar na história e descobrir como essa tradição, que só cresceu com o passar dos anos, virou uma verdadeira aula de respeito e fé.
Enquanto muitos ainda convivem com a intolerância religiosa, Corumbá ensina, há décadas, que é possível unir crenças diferentes em uma mesma celebração, onde santos católicos, terreiros e comunidades vivem em harmonia e mantêm viva a festa.
Há 60 anos a família de Pedro Paulo Miranda começou a fazer festas na comunidade em homenagem a um dos santos padroeiros da época, São João. Ele conta que tudo teve início no quintal de um terreiro de umbanda, mas que com passar do tempo o público ficou tão grande que tiveram que levar a festa para rua. Mas apesar do local, ele explica que, a festa é feita para celebrar o santo católico.
“Na umbanda ele é Xangô, mas a reza, a parte religiosa, fazemos para São João. A festa começou pequena, no quintal de casa. Hoje ela cresceu e a gente já faz na rua. Já não é mais só da nossa família, é uma festa da comunidade e participam muitas pessoas, moradores, crianças, jovens, adolescentes. Muitos que começaram crianças hoje já são casados e têm filhos.”
Para quem nunca ouviu falar da história do Banho de São João ou não se lembra da importância, aqui vai um resuminho simples. O evento é uma das maiores manifestações das regiões de fronteira e mistura católicos, espíritas, umbandistas, candomblecistas.
Há procissões feitas em direção ao Rio Paraguai junto ao cortejo de São João em andores. O rito é precedido de uma ladainha compassada e ritmos que lembram o frevo. As procissões são acompanhadas por uma banda de sopro. Além disso, o período também conta com festas independentes como bailes após a celebração.
A festa também celebra o cururu e o siriri com o encontro das violas de cocho dos cururueiros. Hoje, a festa é considerada patrimônio cultural imaterial de Mato Grosso do Sul.
“Pra gente é de suma importância fazer essa festa. Fazemos a parte religiosa, que é a reza, aí saímos com um andor e, nesse momento, enquanto a gente começa a reza, do lado de fora vão acendendo a fogueira. Depois da reza, pegamos o andor e vamos para a rua, damos três voltas ao redor da fogueira e vamos preparando para subir o mastro, a bandeira e a coroa de São João Batista. Como é de costume, os festeiros descem em procissão com andor para o rio Paraguai.”
A festividade acontece do dia 23 a 29 de junho não só em Corumbá, mas em Ladário também. “Vai e volta em procissão, cantando músicas unidas, músicas de quadrilha, reza um pouco, canta um pouco, canta a música de São João, aí toca um pouco de música do estilo quadrilha e caipira. Chegando lá, lava o santo e depois sobe. Cada um sobe para as suas comunidades para continuar a festa. Alguns fazem baile, outros dão um churrasco quando voltam do rio, uns dão até antes de descer.”
Além da parte que cada comunidade faz, também tem a festa oferecida pelo município, que acontece no Porto Geral. Confira aqui todas as atrações.
“Temos 100 festeiros cadastrados, segundo a Fundação de Cultura, que fazem o São João nas comunidades. É esse São João que acontece nos bairros, nas comunidades festeiras, que transforma esse São João em algo grandioso, que acaba tendo seu ápice lá no Porto”, completa Pedro.

História Pedro
Há 60 anos, Pedro viveu um milagre, e segundo a mãe, ele deve isso a um dos santos padroeiros das festas juninas, o São João. Dado como morto pela família, ele, com menos de um ano, voltou à vida assim que Carlinda do Carmo ajoelhou embaixo do andor do santo que passava durante a famosa procissão junina em Corumbá. Naquele tempo, a festa tradicional ainda não era a potência que é hoje, mas mesmo assim já atraía multidões.
Ali, ajoelhada no meio do povo, Carlinda implorou para que ele salvasse Pedro e, em gratidão, ela passaria a frequentar, durante sete anos, o famoso Banho de São João. A promessa faz ela “bater ponto” em uma das maiores manifestações culturais do país, o famoso Banho de São João.
Para felicidade da família, o pedido foi atendido, mas a tradição ficou por muito mais tempo. Pedro fez e ainda faz questão de manter isso vivo. Ele conta que, quando bebê, algo o deixou muito doente e precisou ser internado.
“Meu pai e minha mãe me trouxeram pra casa porque os médicos falaram que não tinha mais o que fazer. Em casa, eu continuei passando mal, tendo seguidas convulsões, muito desidratado, uma hora que eu apaguei e fui dado basicamente como morto. Minha mãe contava isso, que já estavam preparando o velório, já tinha tomado banho, tinha trocado minha roupa, e nesse momento passava uma procissão de São João aqui perto, e nesse momento minha mãe saiu correndo, desesperada, ajoelhou debaixo do andor e fez a promessa.”
O pedido, claro, foi para que São João intercedesse e devolvesse a vida a Pedro. Foi tudo muito rápido. Enquanto ela estava ajoelhada debaixo do andor, Pedro conta que começou a chorar.
“Veio o resto dos familiares, minha tia, meu padrinho, meu pai, puxou minha mãe, tirando ela debaixo do andor, falando que eu havia acordado, e ela não acreditava, ela achava que estava tendo uma visão. Foi quando meu pai pegou ela no colo, junto com o meu padrinho, e levou ela para a casa. Para todos nós, o significado da festa é o momento de fé em São João Batista, que é o primeiro apóstolo, um santo muito poderoso. Essa é a 59ª vez que vamos, porque em dois anos não conseguimos, um pela pandemia e outro pela morte da minha mãe.”
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