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Feminismos contra o fascismo: de que lado você está?

Por Eva Alterman Blay (*) | 14/04/2025 08:30

Por que tão poucas mulheres participam dos cargos políticos? Por que as que ousam entrar nessa arena são violentadas, agredidas moralmente, têm suas vidas ameaçadas? O que e quem impede as mulheres de exercerem a plena cidadania consagrada na Constituição de 1988?

Para analisar essas questões, fui convidada a participar da 1ª Audiência Pública Mulheres e Cidadania, organizada pela Escola Judiciária Eleitoral do Tribunal Eleitoral da Bahia, cujo corajoso objetivo era diagnosticar a violência política de gênero e ampliar a participação política das mulheres. Foi a primeira vez que se propôs uma audiência publica por iniciativa de importantes autoridades da Escola Judiciária: os desembargadores Abelardo Paulo da Matta Neto e Moacyr Pitta Lima Filho, além de uma ativa equipe de profissionais – homens e mulheres. Destaco que, pela primeira vez ao longo de minha longa participação pública, presenciei um evento cujos proponentes – homens e desembargadores – permanecerem do começo ao fim, até a leitura da Carta de Salvador, apontando os problemas e soluções propostos pela audiência.

Mas façamos algumas reflexões sobre a presença/ausência das mulheres na formação sociopolítica brasileira recente.

Desde os primeiros dias do século 21 enfrentamos crises, golpes, notícias falsas, governos de tom liberal e outros que flertam com o fascismo. Esse cenário sintetiza a herança do passado recente, as consequências de duas guerras mundiais, o esfacelamento do comunismo e a diversificação do capitalismo. Herdamos mudanças nas relações sociais de gênero, pois as guerras forçaram as mulheres a ocupar atividades econômicas antes desempenhadas pelos homens deslocados para atividades bélicas, das quais, aliás, nunca se livraram. Findos os conflitos, independentemente de quem tivesse sido o vencedor, as mulheres foram obrigadas (mesmo que à revelia) a voltar para as atividades domésticas.

O retorno não foi pacífico, provocou mudanças estruturais e econômicas, estimulando a abertura de alternativas profissionais, educacionais e econômicas para as mulheres. Ampliou-se o trabalho extradomiciliar, elevou-se o nível educacional das mulheres, reduziu-se o número de filhos. Concomitantemente, as cidades cresceram de maneira desorganizada, elevou-se parcamente a profissionalização masculina e feminina, o mercado de trabalho não acompanhou o crescimento populacional.

As novas tecnologias, como a internet e a inteligência artificial, foram ocupadas por poucos, embora a criatividade da população tenha superado a carência educacional. Romperam-se as fronteiras nacionais. Se na linguagem dos economistas passamos da polarização para a globalização, do ponto de vista sociológico e empírico os papéis sociais – as relações sociais de gênero – perderam tradicionais padrões.

Confrontando a ditadura de 1964-1985, os movimentos feministas ocuparam as ruas (antecedendo o Occupy), denunciavam o feminicídio e a carência de instrumentos para enfrentar a violência contra a mulher e a menina. Na redemocratização, propostas da população resultaram em algumas soluções adotadas pelo Estado: os Conselhos da Condição Feminina, as Delegacias da Mulher, a Casa da Mulher Brasileira e o importantíssimo SOS telefônico. Essas medidas foram aprimoradas com treinamento de professoras nas escolas, na universidade, entre os funcionários da polícia (delegados, atendentes etc.), com médicos nos postos de saúde e uma clara atuação sobre os direitos reprodutivos para evitar mortes por abortos inadequados.

Foram muitos anos para desenvolver e implantar essas políticas. Mas bastou um governo obscurantista e retrógrado, desumano, autoritário, para destruir essas políticas. Ataques a gênero, aos grupos LGBT+, retorno a um essencialismo identitário (homem veste azul, mulheres rosa), retorno de uma divisão radical dos papéis sociais, diabolização dos transgênero, estimularam contradições nos valores e comportamentos alterando as relações entre os membros das famílias.

A herança patriarcal fragilizou-se, mas não se extingue: o patriarcado enraizado na sociedade brasileira resiste, embora mais de 50% das famílias sejam hoje sustentadas por mulheres. O poder continua com homens socializados em padrões conservadores e que circulam absurdamente armados. Em São Paulo, por exemplo, diminuíram os roubos nos últimos 10 anos, mas aumentaram estupros e assassinatos de mulheres. Entramos no século 21 com o aumento dos feminicídios.

O governador de São Paulo, estado economicamente mais avançado do País, adota uma política educacional profundamente autoritária: implanta escolas militarizadas, exclui do currículo escolar matérias que estimulem o senso crítico, substituindo-as pela ordem e obediência. Jovens crescem sem nenhum conhecimento sobre sexualidade, são induzidos a um tipo de patriarcado em que prospera a antiga noção de que a mulher é propriedade do homem, com quem ele pode fazer o que quiser: bater, estuprar e matar.

Simultaneamente exalta-se a vida doméstica, a mulher dona de casa, submissa e obediente. E mesmo aquelas que se voltam para atividades políticas (houve ligeiro aumento de deputadas federais) adotam uma ideologia de direita. Justificam-se como Mães da Pátria, no Congresso. As parlamentares que entram para o campo político das propostas progressistas, para o bem coletivo, são agredidas. Exatamente como no nazismo: exaltam-se as mães da pátria, mulheres que reproduzem via maternidade mais mão de obra, caladas, submissas, defensoras de um líder supremo! Essa vertente congrega os antifeministas.

Os movimentos feministas são revolucionários. Comportam variações mas, em geral, buscam a igualdade de gênero. Igualdade entre as mulheres, igualdade entre mulheres e homens, igualdade entre todas as pessoas incluindo cor, etnia, aptidões, e demais variações. Mas sempre a igualdade. Igualdade também significa dividir o poder. Em oposição avança o antifeminismo, doutrina do autoritarismo. O antifeminismo significa retornar ao fascismo, garantir a submissão das mulheres e demais minorias a um líder brutal.

Essa história é nossa conhecida. Este é o momento de decidir de que lado estamos.

(*) Eva Alterman Blay é profesrroa da Faculdade de Filosofia e Ciências Humanas (FFLCH) da USP

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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