Cultura do heroísmo impacta saúde mental dos policiais, diz responsável em MS
De acordo com Ivan Gibin, coodernador do CABS, pressão sobre os servidores da segurança é imensa
O suicídio de um policial civil na manhã de segunda-feira (13) em Campo Grande, o servidor Eduardo Jordão, de 51 anos, encontrado morto dentro do alojamento da Derf (Delegacia Especializada de Repressão a Roubos e Furtos), traz à tona uma realidade dolorosa, mas muitas vezes negligenciada: o impacto da saúde mental nas forças de segurança pública. O caso abalou colegas de trabalho e profissionais da área de segurança.
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O suicídio de um policial civil em Mato Grosso do Sul reacendeu o debate sobre a saúde mental nas forças de segurança pública. O estado apresenta a maior taxa de suicídio entre policiais no Brasil, com números que superam mortes em confrontos. A pressão do trabalho, a exposição à violência e a cultura de que policiais não podem demonstrar fragilidade contribuem para o problema. Iniciativas como o Centro de Atenção Biopsicossocial (CABS), com a "Carreta da Saúde", buscam oferecer suporte médico, psicológico e espiritual aos servidores, mas a adesão e a mudança cultural dentro das corporações são cruciais para reduzir os índices de suicídio.
De acordo com Ivan Gibin, coordenador do Centro de Atenção Biopsicossocial (CABS) da Sejusp (Secretaria de Segurança e Justiça de Mato Grosso do Sul), a pressão sobre os servidores públicos, em especial os policiais, é imensa. "O servidor trabalha com uma pressão muito grande. Da população, da imprensa, tudo isso gera uma pressão enorme sobre ele", diz Gibin.
Mato Grosso do Sul é o estado com a maior taxa de suicídios entre policiais no Brasil, conforme o 18º Anuário Brasileiro de Segurança Pública (2024). Em 2023, o estado registrou quatro suicídios, elevando sua taxa para 0,6 por mil policiais da ativa, um número bem acima da média nacional. Essa realidade se reflete no crescente número de suicídios de policiais no Brasil, que, em 2023, ultrapassou as mortes em confrontos.
Ivan diz que, sobre esta taxa, o Estado ainda está em busca da razão. "Muitos relatos que recebemos é de que as pessoas ao redor não percebem que há algo de errado com aquele colega que se suicidou. Também acho que podemos então treinar nosso olhar. Mas quero enfatizar que nós já identificamos esta necessidade e precisamos que o servidor adira aos nossos serviços. Pode vir até a sede do CABS que será encaminhado".
Ele explica que, ao longo dos anos, a cultura dentro das instituições policiais em todo o Brasil foi moldada pela ideia de que o policial é um herói, muitas vezes forçado a lidar com essa pressão sem o devido suporte psicológico. "Na minha época, em 1981, quando entrei na Polícia Militar, se dizia 'nós temos que enfrentar', e isso ficou por muito tempo. Nós tínhamos que trabalhar e aguentar", conta.
Gibin destaca que os policiais, muitas vezes, não recebem o suporte necessário para lidar com a pressão de suas funções. "Essa pressão vem do próprio trabalho e, em muitos casos, da cultura de que o policial não pode demonstrar fragilidade", explica.
Além disso, muitos servidores temem que procurar ajuda psicológica os faça parecer fracos aos olhos de seus colegas ou superiores. "Vamos realizar um curso para orientar os superiores em relação ao tratamento com os subordinados, para que o servidor se sinta confortável em abrir o coração e buscar ajuda", afirma Gibin.
O Centro de Atenção Biopsicossocial, criado em 2020, tem sido uma das principais frentes de apoio para os servidores de segurança pública em Mato Grosso do Sul. O CABS oferece um suporte, com profissionais de saúde mental, médicos e psiquiatras, e está em expansão para atender os servidores da Polícia Militar, Corpo de Bombeiros, Polícia Civil, Polícia Científica e, em breve, a Agência Penitenciária.
"Cada instituição tem seu setor de saúde mental e estamos pegando as melhores práticas de cada uma. Por exemplo, os bombeiros usam uma viatura que já tinha sido inutilizada para atender os próprios familiares e agora estamos levando isso para o CABS e passar a atender todas as forças", explica Gibin.
Carretada da Saúde - Uma das iniciativas mais recentes do CABS é a Carreta da Saúde, que é adaptada para oferecer atendimento médico, odontológico e psicológico aos servidores da ativa e da reserva. A carreta percorre diferentes localidades para garantir que os profissionais de segurança tenham acesso ao suporte, sem precisarem sair de suas funções. "Caso seja identificado que o profissional precisa de um atendimento mais aprofundado e contantes, ele é encaminhado", explica Ivan.
A saúde espiritual também ganhou destaque dentro do CABS. Gibin ressalta que, respeitando as crenças de cada um, está em vias de ser adicionado um novo recurso, relacionado à espiritualidade, que pode contribuir para o bem-estar mental dos servidores. "Estamos trabalhando para incluir essa dimensão, pois sabemos que a fé pode ser um grande aliado na saúde mental", afirma o coordenador.
Desafios - A taxa de suicídio entre policiais é um reflexo de uma série de fatores, como a exposição constante à violência, a sobrecarga de trabalho e a falta de suporte emocional. "Os policiais atendem casos violentos, acidentes graves, e isso tudo tem impacto na saúde mental", explica Gibin. "Muitos profissionais se fecham e não buscam ajuda por medo de serem rotulados como fracos. Por isso, é crucial que a cultura dentro das corporações seja modificada, para que os servidores sintam-se mais à vontade para buscar apoio psicológico".
Os números de suicídios entre policiais em Mato Grosso do Sul, embora alarmantes, têm motivado ações de prevenção. Gibin destaca a importância de treinar o olhar das pessoas ao redor dos servidores. "Muitas vezes, ninguém percebe que algo está errado até que seja tarde demais. Precisamos treinar os colegas e superiores para identificar sinais de que alguém está sofrendo", diz.
Gibin acredita que, com o apoio da população, das instituições e com mais adesão dos servidores, a situação pode melhorar. "Estamos fazendo um trabalho árduo, mas a adesão dos servidores é fundamental para que possamos reduzir os índices de suicídio e ajudar nossos policiais a lidarem com a pressão de seus trabalhos", finaliza.
A sede do CABS está instalada na Rua Uberlândia, 409, no bairro Itanhangá
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