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Capital

“Para mim foi traumatizante”, relata ex paciente de comunidade terapêutica

Conforme a Defensoria Pública, a clínica já era monitorada devido a diversas denúncias de violação de direitos

Por Viviane Oliveira | 28/10/2024 12:26
Equipe da inspeção na clínica terapêutica na última sexta-feira (Foto: Paulo Francis)
Equipe da inspeção na clínica terapêutica na última sexta-feira (Foto: Paulo Francis)

Ex-interno, de 29 anos, da Comunidade Terapêutica Os Filhos de Maria e que foi alvo de denúncias de cárcere privado, lesão corporal e sequestro, procurou a reportagem para relatar os momentos de terror que viveu na clínica no período de três meses, de abril a julho. “Foi traumatizante”, lamentou.

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Um ex-interno da Comunidade Terapêutica Os Filhos de Maria, localizada em Campo Grande, relatou experiências traumáticas durante os três meses em que esteve internado, entre abril e julho. Ele descreveu a clínica como um local de abusos, onde pacientes eram mantidos em condições degradantes, com relatos de tortura, supermedicação e falta de tratamento adequado. O ex-paciente, que entrou voluntariamente na clínica em busca de ajuda para dependência química, afirmou que o foco da instituição era mais financeiro do que terapêutico, resultando em um ambiente caótico e prejudicial à saúde mental dos internos. Após conseguir contato com a família, ele saiu antes do tempo estipulado de tratamento e buscou ajuda psiquiátrica para lidar com os traumas vividos.

Segundo o ex-paciente, que terá a identidade preservada, teve problemas com drogas e pediu ajuda para a família. Ele, então, foi internado, de forma voluntária, na comunidade. Como era uma pessoa funcional, não precisou tomar o protocolo. “Quem chega involuntariamente [muito debilitado] toma medicação para ficar três dias dormindo. Esse é o protocolo”, explicou.

Conforme o rapaz, trabalhava das 5h às 21h cuidando de outros pacientes para conseguir algumas regalias, como por exemplo, ter mais de uma refeição por dia. “As pessoas não recebem tratamento de forma correta. “O foco deles era levar o maior número de pessoas para lá, para receberem mais dinheiro. O paciente fica ocioso, se mutilando. O que interessava para eles era quantidade e não o tratamento”.

Cada visita, segundo a vítima, era cobrado do familiar R$ 200. Tem paciente que fica na cama urinando, defecando e são os outros internos, menos debilitados, que cuidam deles. O rapaz disse ainda que não chegou a sofrer tortura, mas viu muita gente apanhando.

“Lá, havia pacientes com todo o tipo de comorbidade. Foram três meses bem complicados para mim. Eu vi cada coisa que você não imagina. O tempo que estive lá, vi um interno muito debilitado. Eles apenas medicavam o garoto para dormir três dias seguidos. Ele ainda apanhava. Resultado, o rapaz faleceu no hospital. Era uma bagunça generalizada. Ali não tem nenhuma reabilitação. Saí de lá psicologicamente abalado”, contou.

O tratamento era de no mínimo seis meses e a vítima só conseguiu sair antes depois de entrar em contato com a família, por meio de carta, que foi entregue escondido por outro paciente. Segundo o ex-interno, depois que saiu procurou um psiquiatra e fez tratamento terapêutico para superar o que foi vivido na clínica e se livrar da dependência.

Paciente mostra as queimaduras de cigarros no braço (Foto: divulgação)
Paciente mostra as queimaduras de cigarros no braço (Foto: divulgação)

Caso - Segundo a Defensoria Pública de Mato Grosso do Sul, a Comunidade Terapêutica Filhos de Maria operava de maneira irregular em Campo Grande. No local, foi constatado graves violações, incluindo cárcere privado, sequestro e lesão corporal.

A defensora pública Eni Maria Sezerino Diniz disse que a clínica já era monitorada devido a diversas denúncias de violação de direitos dos pacientes. "Há algum tempo recebemos relatos sobre práticas de tortura, maus-tratos e supermedicação dos internos. Já vínhamos atuando nesse caso, e a inspeção foi um desdobramento natural do nosso trabalho", explicou.

No total, foram encontrados 103 homens mantidos em condições degradantes, muitos dopados e sem atendimento médico adequado. Os responsáveis pela clínica, que continua funcionando, foram encaminhados para a delegacia para prestar depoimento. O caso segue sob investigação da 3ª Delegacia de Polícia Civil.

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