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Economia

Mesmo sonho, realidade diferente: os extremos de quem cria filhos

Na prática, a mensalidade escolar em área nobre é capaz até de suprir os gastos de quem mora na periferia

Por Izabela Cavalcanti | 24/09/2023 11:29


O que úne essa garotada é que maioria têm celular com internet, mas modelo e velocidade são bem diferentes. (Foto: Juliano Almeida)
O que úne essa garotada é que maioria têm celular com internet, mas modelo e velocidade são bem diferentes. (Foto: Juliano Almeida)

Criar o filho com educação, estrutura e tudo do “bom e do melhor” está entre as metas de todos os pais responsáveis, mas a gente sabe que isso não é real. A discrepância entre a vida de um adolescente, por exemplo, em bairros mais afastados do Centro de Campo Grande e os de alto padrão é claramente exposta em contas simples.

Na prática, a mensalidade escolar em área nobre é capaz até de suprir os gastos de uma família inteira quem mora na periferia. São muitos os valores serviços e produtos que tornam muito distantes a vida de um adolescente que, por exemplo, cobra como se não houvesse amanhã, um celular com internet.

Só o plano de internet individual, pós-pago, para cada membro da família varia de R$ 29,00 (10 GB) a R$ 152,00 (63 GB). Isso sem comparar os preços dos modelos mais cobiçados.

Se por um lado, em alguns bairros, as opções de lazer, educação, hobby e alimentação são restritas, com praças sem manutenção e nenhum cinema por perto. E, mesmo que tivessem a meia-entrada custa a partir de R$ 26,88, no Jardim dos Estados.

Para quem vive com mais oportunidades, as variedades são extensas. Os jovens com pais “endinheirados” têm acesso a escola particular, academia cara, roupas de marca, celulares com tecnologia avançada, guloseimas de supermercados, cursinho de idioma e uma mesada “gorda”.

Para fazer a comparação, escolhemos dois bairros de grande ocupação, e entre eles o de menor e de maior valor por metro quadrado,

A dona de casa Natalina Rondon, de 35 anos, mora na Nova Campo Grande e sustenta quatro filhos, de 16 anos, 13, 5 e 2 anos. Os mais velhos estudam em escola pública e vão a pé. Eles ajudam a cuidar dos menores quando a mãe precisa, para não ter de pagar uma vizinha cuidadora.

Academia, cursinho pago e idas ao shopping estão longe de cogitação, mas a mãe se esforça para dar um “dinheirinho”, como ela mesmo diz, para os adolescentes comprarem o que quiserem.

Comprar doce com os R$ 20 que sobram no mês é o principal gasto dos meninos. O celular Android é a diversão no contra turno da escola, com vídeos no Youtube e jogos. “Às vezes brincam com os amigos em frente de casa, andam de bicicleta”, complementa. Academia, ela diz que o de 16 anos precisa fazer, mas não tem condições de pagar.

Natalina, de bicicleta, na Avenida Nove, no bairro Nova Campo Grande (Foto: Izabela Cavalcanti).
Natalina, de bicicleta, na Avenida Nove, no bairro Nova Campo Grande (Foto: Izabela Cavalcanti).

“Lá em casa são seis pessoas. Quando sobra dou dinheiro para eles, tem vezes que é R$ 20, já dei R$ 50 uma vez. Roupa não compro sempre, quando compro é R$ 40 uma peça aqui no bairro e eles também vão passando um para o outro a roupa, então eu aproveito”, diz.

Natalina também sonha em uma boa profissão para o filho e garante que se tivesse condições também pagaria escola particular, no Centro.

A autônoma Kleiriane Vale diz com orgulho que desde nova, a filha que agora tem 23 anos já trabalhava para poder atender suas próprias necessidades e ajudar em casa. Mãe solo, ela conta que a filha sempre estudou em escola pública. O cursinho de idioma não vingou, porque deu lugar a um curso profissionalizante, desses que não pagam.

“Desde os 14 anos coloquei ela para fazer curso de menor aprendiz. Então, ela pagava as coisas dela. Mas antes disso, eu comprava o que ela pedia e quando dava. Roupa é só quando tinha aniversário ou no final do ano, mas também ela tem uma prima da idade dela e iam passando as roupas. Maquiagem, ela olhava a ‘revistinha’ da Avon e pedia algumas coisas”, lembra.

Kleiriane também tem uma filha, de 7 anos, que já precisou ficar na cuidadora durante 6 meses, que recebia R$ 350 por meio período. Na época foi uma alegria quando saiu a vaga na creche pública por não precisar mais desembolsar o valor.

Em uma pesquisa rápida nos dois bairros a diferença em criar um filho começa pelo valor da mensalidade para quem pode pagar escola particular.

No Nova Campo Grande, por exemplo, a única escola privada encontrada vai apenas até o fundamental I, com a mensalidade custando R$ 540. Já para os maiores... só escola pública.

Na região, uma loja de vestuário tem de tudo para vender. Tênis réplica da Nike custa R$ 100. Blusa masculina e feminina, R$ 30 cada e short a R$ 55.

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Outra realidade - No outro oposto dessa comparação, só a escola mais cara do Jardim dos Estados tem mensalidade também de Ensino Fundamental e integral é de R$ 3.245, quase o equivalente ao rendimento médio de um trabalhador com carteira assinada, segundo o IBGE, que hoje é de R$ 3.400 em Campo Grande.

Agente comercial, de 54 anos, tem dois filhos, de 18 e 20 anos e pede para não ser identificada. A mudança já começa por aí quando vamos ao outro extremo financeiro, o Jardim dos Estados.

Um dos filhos está concluindo o 3° ano e o outro já está cursando Direito e estudaram em escola particular a vida toda, fizeram curso de Inglês e ainda ganham mesada de R$ 500.

“Eles têm uma mesada, mas é muito simbólico, mantivemos porque o salário é baixo. Damos um cartão de limite de R$ 500, o que eles passarem, eles pagam a diferença do dinheiro deles. Tem que aprender a controlar o dinheiro. A educação a gente continua pagando, porque é o maior investimento”, explicou.

No decorrer desses anos, os pais montaram uma poupança e quando completaram 18 anos compraram um carro popular, que atualmente dividem.

O mais novo estudava no Nota 10, com mensalidade de R$ 1,3 mil, cerca de um salário mínimo, nada de muito diferente da média de escolas na região central. Depois disso, a mãe já avisou que vai colocar em um cursinho para vestibular.

Na família, os estudos sempre foram colocados como prioridade. “Sempre trouxemos os dois muito dentro da realidade. A gente fala que o estudo é o bem maior que eles têm, porque isso ninguém vai tirar deles. É muito importante que eles tenham consciência que tudo que a gente conseguiu foi com estudo”, pontuou.

Questionada sobre os momentos de lazer, a mãe diz como funciona. Antes de arrumarem emprego e quando eram mais novos, os dois costumavam ir ao shopping, Parque das Nações Indígenas e na casa de amigos para festinhas. Agora, como a mãe diz, eles frequentam a Valley e se reúnem com os amigos em casa.

Com o dinheiro que cada um tem por mês compram as próprias roupas, colocam gasolina no carro, compram lanche, saem com os amigos.

A mãe conta que agora a “vibe” é ter roupa de marca, como Tommy e Adidas, por exemplo, mas que também usam roupas simples.

“Os dois estão trabalhando, os dois estão estudando, os dois tem boas relações. Então o que plantamos, estamos colhendo. É uma luta diária, de muita orientação, muita conversa. Bens patrimoniais não são tudo na vida”, finaliza.

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