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Artes

Antes da memória de Higa se apagar, cineasta filma vida dele por 12 anos

Documentário é apresentado de maneira fragmentada e não conta apenas sobre o Alzheimer do fotojornalista

Por Natália Olliver | 26/03/2025 07:55
Antes da memória de Higa se apagar, cineasta filma vida dele por 12 anos
Cineasta Conrado Roel e fotojornalista Roberto Higa durante filmagens (Foto: Arquivo do filme)

“Aquilo que ele mais valoriza é o que ele está perdendo. O que mais capturou e explorou está se esvaindo, sendo cobrado de alguma maneira”.

A fala do cineasta Conrado Roel descreve parte da jornada de 12 anos de gravação sobre a vida de um dos maiores fotojornalistas sul-mato-grossenses, Roberto Higa. A frase é uma ironia poética dentro do nome do documentário “Olho por olho - Ensaio sobre pela memória fotográfica de Roberto Higa”. Na metáfora das duas lentes, as memórias dele ganham vida e se cruzam com as dos próprios diretores. Isso porque retrata uma Campo Grande que ficou apenas nas fotografias.

A narrativa é feita de maneira fragmentada e não conta apenas sobre o Alzheimer de Roberto. Inclusive, esse sequer era o intuito quando Conrado e Debora Bah tiveram a ideia de começar as filmagens. O objetivo é manter o legado de quem viu o Estado nascer e a Capital se transformar no que é.

“Era uma descoberta também nossa, do nosso próprio passado e memórias, preenchendo lacunas sobre o que a cidade nos influenciou. Teve esse espírito de experimentação. Depois de um tempo achamos que essa era a graça, ter passado tanto tempo acompanhando ele”.

Antes da memória de Higa se apagar, cineasta filma vida dele por 12 anos
Key Sawao, Higa, Debora e Conrado durante os bastidores das gravações (Foto: Arquivo do filme)

As gravações começaram quando Higa tinha 60, hoje, o “arquivo ambulante” está com 73 e, embora o Alzheimer esteja levando parte do que ele foi e viveu, a lucidez e as lembranças foram captadas ao longo desse tempo pela equipe. Conrado conta que começaram o projeto no que o cinema chama de "guerrilha", sem muitos recursos e com a ajuda de amigos para ter mais câmeras no set.

“A gente viu os efeitos do Alzheimer através dos anos mudar a relação dele com a própria doença e com a velhice. Vimos ele envelhecer, a doença chegar. Isso é um arco narrativo. Temos um recorte da vida de uma pessoa. O filme foi feito descobrindo caminhos e não existia uma percepção logo no início de como seria no final”.

Segundo o cineasta e jornalista, Higa encarou a condição bem até admitir para si próprio que ela estava piorando. Aos poucos, fatos e memórias ficavam confusas e ele já não lembrava em que dia estava.

Antes da memória de Higa se apagar, cineasta filma vida dele por 12 anos
Antes da memória de Higa se apagar, cineasta filma vida dele por 12 anos
Bailarina veterana Key Sawao faz parte do filme feito por Conrado e Débora (Foto: Arquivo do filme)

“Ele sempre foi muito resiliente, um cara que tem ponto de vista ligado à outra época. Traz um pouco desse pragmatismo que a gente não vive mais, de que as coisas precisam ser resolvidas. A espiritualidade dele é uma espécie de metáfora para resolver o desejo dele de que o legado permaneça”.

Depois de tanto tempo filmando, os laços entre Conrado e Higa se estreitaram e a inspiração que já existia pelo fotojornalista ficou ainda maior.

“Ele para mim é um mestre de vida por encarar a vida como encara, a relação com fotografia, a postura dele como artista e mestre no ofício. Ele se tornou um amigo, alguém que eu admiro. Marcou minha vida em relação ao trabalho, minha personalidade e a maneira como vejo o mundo”.

Conrado ressalta que acompanhar Roberto nas fases do Alzheimer foi muito delicado e que nunca teve a pretensão de fazer um filme sobre isso.

Antes da memória de Higa se apagar, cineasta filma vida dele por 12 anos
Higa é um dos maiores fotojornalistas do Mato Grosso do Sul (Foto: Arquivo do filme)

“Na primeira vez que eu o vi admitindo que estava sentindo a doença foi em 2020. Envolve muito drama em perceber a evolução disso tudo. Ele sempre tratou do assunto de uma maneira muito bem humorada, sempre falou da própria morte. Em 2020 eu começo a me sentir ainda mais responsável por contar essa história de maneira delicada e respeitosa e de uma maneira que não resuma esse cara a doença. Ele está muito debilitado em 2024 para cá porque descobriu um câncer. Isso não entra no filme”.

O filme 

O documentário  fica pronto entre agosto e dezembro. Para mostrar o material aos campo-grandenses será feita a exibição em quatro sessões, ainda sem local definido. O projeto está na parte de montagem dos takes e preparo dos últimos detalhes.

Conrado explica que o documento demorou 12 anos para ser feito, primeiro pelas rotinas diferentes, segundo pela falta de incentivo público, que só chegou em 2024, quando o projeto conseguiu o subsídio da Lei Paulo Gustavo. O trâmite era para ter acontecido antes.

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A esposa de Roberto. Sandra Higa, também faz parte do elenco do documentário (Foto: Arquivo do filme)

O cineasta sempre dividiu a vida entre São Paulo e Campo Grande, filho de pais separados, o translado era comum e durante as gravações não foi diferente.

“Comecei a fazer o filme e me mudei, consegui um emprego no Rio de Janeiro como diretor de fotografia na Rede Globo e voltava uma ou duas vezes por ano para cá para fazer o filme”.

A ideia em falar sobre o fotojornalista nasceu após o mestrado e um curso que ele ministrou, onde um dos exercícios propostos era pesquisar a vida e trabalho de Roberto Higa. “Na época ele estava com muita visibilidade, sempre teve mas estava com mais ainda. Quem sugeriu o filme foi a co-diretora, minha irmã de vida Debora Bah”.

Antes da memória de Higa se apagar, cineasta filma vida dele por 12 anos
Roberto descobriu o Alzheimer e anos depois um câncer (Foto: Arquivo do filme)

Os dois cineastas e uma equipe formada por produtores, montagem, pesquisa e tudo o que é necessário para fazer um filme, mostram na tela um Roberto ainda desconhecido para muitos.

“O cara não deixa a peteca cair. Ele é super espirituoso, tem personalidade cativante, cara inteligente, perspicaz, tem a cabeça da sua época, um certo senso de humor meio mordaz. Tem um olhar sobre o mundo pragmático. Ele é o filho de uma época e representa um personagem fácil de traduzir. Traz isso muito dentro dele, daquilo que fez e fala, se apresenta para a sociedade”.

Antes da memória de Higa se apagar, cineasta filma vida dele por 12 anos
Antes da memória de Higa se apagar, cineasta filma vida dele por 12 anos
Casa deolida em Campo Grande foi um dos sets de filmagem do documentário (Foto: Arquivo do filme)

O enredo não tem cronologia. Conrado explica que a fotografia de uma bailarina de Campo Grande foi estopim para ideia de trazer uma musa da memória interpretada pela bailarina veterana Key Sawao. A personagem tem papel importante na trama, pois ela serve de ponte para acessar a memória do Higa.

“É algo mais visual e estético. Ela começa a seguir um caminho pelas memórias até encontrar o Higa na velhice. Ela é renomada, veterana de 60 anos e trazia semelhanças com o filme. Na última etapa de filmagem a gente trouxe a Key de São Paulo Para Campo Grande para conhecer ele. Dentro da poesia que a gente transforma o documentário”.

Também estão no documentário, a esposa do fotojornalista, Sandra Higa e a filha, Akemi Higa. Na ficha técnica Daniel Escrivano, Vitor Meyer, Alexandre Gwaz, Guilherme Cruz, Helton Pérez, Franciane Gonçalves, Rodrigo Teixeira e Debora Bah.

Rodolfo Ikeda participou da ideia original do filme junto dos cineastas Conrado e Debora.

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Equipe do documentário Olho por olho - Ensaio sobre pela memória fotográfica de Roberto Higa (Foto: Arquivo do filme)

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