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Meio Ambiente

Potência do agro, MS tem “ponto cego” sobre agrotóxicos em rios

Sem dado oficial, estudos só acontecem quando ONGs conseguem financiamento

Por Aline dos Santos | 13/08/2024 10:31
Assoreado e com agrotóxico, o Rio Santo Antônio (à esquerda) é afluente do Miranda (à direita). (Foto: Paulo Francis)
Assoreado e com agrotóxico, o Rio Santo Antônio (à esquerda) é afluente do Miranda (à direita). (Foto: Paulo Francis)

Ao passo que se projeta na produção de grãos, inclusive com aumento de 8% da área tratada com defensivos agrícolas ao longo da safra 2023, Mato Grosso do Sul não tem dados oficiais sobre a presença de agrotóxicos nos rios. Portanto, um ponto cego sobre quais são os pesticidas e se estão dentro do limite aceitável.

Desta forma, em regra, a presença das substâncias em nossas águas só é divulgada quando organizações não governamentais conseguem recursos para financiar pesquisas. Em todo o Estado, o Rio Dourados acaba sendo o único corpo de água com levantamento anual e sistemático sobre a presença de herbicidas, pesticidas e fungicidas, num trabalho realizado pela Embrapa Agropecuária Oeste.

Recentemente, em nota para contestar os resultados divulgados pela Fundação Neotrópica do Brasil, o Imasul (Instituto de Meio Ambiente de Mato Grosso do Sul) admitiu que: “atualmente, não dispomos de equipamentos específicos para monitorar defensivos agrícolas”.

Equipes do instituto já rodam 10 mil quilômetros por mês para avaliar os rios, num trabalho de excelência, que reúne longas viagens e inúmeras análises para traçar a qualidade dos corpos hídricos.  Porém, sem avaliar os defensivos.

A reportagem questionou o Imasul se há previsão de verificar a presença de agrotóxico e quais rios serão avaliados, mas não recebeu resposta até a publicação da matéria.

A ampliação da área agrícola com uso de agrotóxico em MS foi identificada por pesquisa do Sindiveg (Sindicato Nacional da Indústria de Produtos para a Defesa Vegetal).

Neotrópica - Em reunião extraordinária do Comdema (Conselho Municipal de Meio Ambiente), realizada no dia 26 de julho, em Bonito, a Fundação Neotrópica do Brasil corrigiu informação sobre a presença de agrotóxico no Rio Formoso.

Ao contrário dos dados e relatórios repassados ao Campo Grande News, que citavam agrotóxico no rio, os defensivos estavam em três tributários: o Rio Mimoso e os córregos Anhumas e Bonito. Ou seja, águas que alimentam o Formoso, rio cênico azul-esverdeado que corre por Bonito.

Na Bacia Hidrográfica do Formoso, o levantamento aponta que há agrotóxico em três corpos hídricos. No Córrego Anhumas, foram detectados oito tipos de defensivos: simazina, atrazina, carbendazim, fipronil, imidacloprido, propoxur, quincloraque e tiametoxam. Contudo, por ser enquadrado como classe especial, não poderia ter nenhum.

Já os outros dois afluentes do Formoso com agrotóxicos – Mimoso e Córrego Bonito - são enquadrados como classe 2, ou seja, é permitido agrotóxico, mas com limite para as substâncias. Em ambos os casos, os defensivos estavam dentro do limite de 2 microgramas por litro.

No Córrego Anhumas, afluente do Rio Formoso, foram detectados oito tipos de defensivos. (Foto: Direto das Ruas)
No Córrego Anhumas, afluente do Rio Formoso, foram detectados oito tipos de defensivos. (Foto: Direto das Ruas)

Imasul - O Instituto de Meio Ambiente de MS analisou o relatório da Fundação Neotrópica e encontrou inconsistências, como a ausência de data e metodologia de coleta das amostras, dificultando uma análise aprofundada. Também foi destacadado que a precisão dos dados não pode ser confirmada devido à falta de informações sobre o processo de coleta. Além disso, o laboratório utilizado não é acreditado para análise de defensivos agrícolas em água, apenas em alimentos.

Segundo o órgão estadual, para um estudo mais robusto, a escolha dos pontos de coleta deveriam representar a realidade da bacia hidrográfica. Ainda de acordo com o Imasul, no estudo da Neotrópica, os pontos foram selecionados pela facilidade de acesso, geralmente em pontes ao lado das estradas.

“Foi ressaltada, durante a reunião, a responsabilidade da Fundação Neotrópica em divulgar os dados de forma responsável, e a importância de a imprensa apurar informações junto a fontes fidedignas e qualificadas para relatórios químicos”, destacou o Imasul, que, por sua vez, não produz dados oficiais sobre defensivos agrícolas nos corpos hídricos.

Tubos no laboratório do Imasul, que faz tour para coletar águas de rios de MS. (Foto: Henrique Kawaminami)
Tubos no laboratório do Imasul, que faz tour para coletar águas de rios de MS. (Foto: Henrique Kawaminami)

Afluente do Miranda – Em 22 de março, no Dia Mundial da Água, estudo divulgado pelo Instituto SOS Pantanal identificou a contaminação por agrotóxicos no Rio Santo Antônio, afluente do Rio Miranda.

Foi constatada a presença de altos níveis de nitrato e fosfato, coliformes fecais, substâncias tóxicas, além do um fungicida carbendazim, que é proibido no Brasil desde 2022. Dentre os aspectos listados pelos técnicos da Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária), estava o potencial do agrotóxico de provocar câncer, prejudicar a capacidade reprodutiva humana e afetar o desenvolvimento.

“Seria muito importante o próprio governo fazer esse monitoramento. Descreditar o que a Neotrópica fez é negar um dado científico. O Estado tem recursos muitos maiores para monitorar”, diz o biólogo e diretor de Comunicação e Engajamento do SOS Pantanal, Gustavo Figueirôa.

Coleta  em assentamento de Sidrolândia para o dossiê "Águas do Cerrado". (Foto: Bruno Santiago) 
Coleta  em assentamento de Sidrolândia para o dossiê "Águas do Cerrado". (Foto: Bruno Santiago)

Águas do Cerrado - O “Dossiê Águas do Cerrado”, divulgado em 2023, traz dados que sintetizam o melhor e o pior do agronegócio em Sidrolândia, a 71 km de Campo Grande.

O estudo mostrou a fartura que brota do chão: a soja ocupava 46% da área do município e a produção rendeu R$ 2,2 bilhões. Mas testes lembram o perigo que corre pelas águas. No Assentamento Eldorado II, criado em 2005 e com 700 famílias, a pesquisa encontrou três tipos de agrotóxicos: 2,4D, atrazina e glisofato. A atrazina não é autorizada na União Europeia por ser altamente tóxica, notadamente no que diz respeito à desregulação endócrina.

O dossiê foi realizado pela CPT (Campanha Nacional em Defesa do Cerrado e da Comissão Pastoral da Terra) em parceria com a Fiocruz (Fundação Oswaldo Cruz).

“Destaca-se que, independentemente das concentrações detectadas, os agrotóxicos podem causar danos à saúde das pessoas e ao ambiente. O discurso de que existem doses seguras de exposição não se aplica, por exemplo, a agrotóxicos que podem causar cânceres e/ou desregulações endócrinas, efeitos associados a IAs [ingredientes ativos] como glifosato, 2,4-D e atrazina”, aponta o levantamento.

Objeto do estudo nacional, o assentamento de Sidrolândia tem nascentes e afluentes da Bacia Hidrográfica do Rio Anhanduí, que se conecta com a Bacia do Rio Pardo, por sua vez, tributária do Rio Paraná.

O MPT (Ministério Público do Trabalho) foi à Justiça para cobrar que a Anvisa cancele o registro da atrazina, ingrediente ativo presente em 5% dos agrotóxicos comercializados no Brasil.

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