Envelhecer é um eterno despedir-se: um artigo sobre a arte de dizer adeus
Envelhecer não é apenas acumular anos no calendário. É, acima de tudo, uma sucessão de despedidas sutis — e, às vezes, brutais. Vamos nos despedindo das pessoas, dos lugares, das versões que fomos, dos sonhos que não vingaram, das certezas que ruíram, da vitalidade do corpo, das ilusões da juventude. Envelhecer é, paradoxalmente, o ato de permanecer enquanto tudo ao redor (e dentro) muda e se despede.
O corpo diz adeus primeiro
O corpo é o primeiro a dar sinais de que algo está se despedindo. A força já não é a mesma, o joelho reclama, a visão embaça, o fôlego encurta. A pele, que antes sustentava o rosto com firmeza, agora cede. O cabelo embranquece como se a passagem do tempo deixasse rastro visível em cada fio. Tudo parece mais lento, mais frágil — e, por isso mesmo, mais precioso.
É nesse momento que começamos a nos despedir da ideia de imortalidade que a juventude nos dá. Envelhecer é entender, de maneira prática e crua, que somos finitos. Que o tempo não se detém por ninguém. E que o corpo, por mais que tentemos preservá-lo, não é eterno.
Adeus às pessoas
Ao longo da vida, vamos perdendo pessoas. Amigos de infância que tomaram outros rumos, colegas de trabalho que seguiram por caminhos diferentes, amores que ficaram no passado. E, com o tempo, começamos a nos despedir também dos nossos pais, tios, irmãos — e eventualmente de parceiros e filhos. Envelhecer é conviver com a ausência. É visitar lugares onde antes havia vozes e hoje há silêncio.
Mas também é aprender a valorizar a presença enquanto ela existe. Cada encontro vira celebração, cada abraço é mais demorado, cada conversa ganha profundidade. Porque sabemos, com a clareza de quem já perdeu, que tudo pode ser a última vez.
Despedidas silenciosas
Nem todas as despedidas são dramáticas. Muitas são silenciosas, quase imperceptíveis. Um dia, você percebe que não dança mais como antes. Que não consegue mais virar a noite lendo ou sair de casa sem planejar a volta. Que já não entende todas as gírias, que não se encaixa mais nos lugares que amava.
É como se o mundo estivesse andando em outro ritmo — mais rápido, mais barulhento — e você escolhesse caminhar no seu tempo. Isso também é uma despedida: da sensação de pertencimento irrestrito, da ilusão de ser eterno, da pressa de provar algo a alguém.
A despedida dos sonhos
Com o tempo, também dizemos adeus a muitos sonhos. Alguns porque os realizamos e já não nos movem mais. Outros porque se mostraram inviáveis. E há aqueles que simplesmente deixamos de desejar.
Mas isso não significa fracasso. Significa maturidade. Significa olhar com honestidade para si mesmo e entender o que realmente importa. A juventude quer tudo. A maturidade quer o que é essencial.
A beleza da despedida
Pode parecer triste pensar que envelhecer é despedir-se, mas há uma beleza profunda nisso. Porque cada adeus também é um convite ao agora. Quando sabemos que algo é passageiro, passamos a vivê-lo com mais presença. Envelhecer nos ensina a apreciar o instante, a celebrar as pequenas vitórias, a cultivar o que permanece — e, sobretudo, a aceitar o que se vai.
A vida é feita de ciclos. E, à medida que envelhecemos, deixamos de lutar contra o fim dos ciclos e começamos a acolhê-los com mais serenidade. Sabemos que a perda faz parte do caminho. Que nada é para sempre. E que, ainda assim, há muito o que viver, mesmo — ou especialmente — depois de tantas despedidas.
O que fica
No fim, quando tudo parece ir embora, o que permanece é o que realmente conta. As memórias, os afetos verdadeiros, a sabedoria que o tempo trouxe, a paz de ter tentado ser o melhor que se podia, com o que se tinha.
Envelhecer é um eterno despedir-se, sim. Mas também é um eterno recomeçar — com mais calma, mais verdade e mais consciência. Porque a cada adeus, um novo espaço se abre. E, mesmo que os passos sejam mais lentos, a alma já sabe o caminho.
(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica.
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