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Motivos para apoio à Lei Harfouche

Por Sérgio Harfouche (*) | 09/07/2016 10:56

1) Porque ela promove uma mudança de paradigmas no ambiente escolar, através da retomada da autoridade da Direção e dos professores, em substituição ao autoritarismo.

A partir dos modelos de justiça restaurativa, em que se busca a reconstrução das relações no ambiente escolar, a Lei Harfouche visa fortalecer o papel dos gestores, educadores, estudantes e seus responsáveis legais, no controle preventivo à evasão e violência escolar. Assim, não se trata de um instrumento de repressão, mas sim uma forma da escola manter o vínculo com seus alunos, o que fica prejudicado quando ela transfere a solução dos conflitos para a esfera policial e judicial, cujo efeito imediato e certo será o afastamento deste jovem, aumentando as estatísticas de evasão escolar.

2) Porque ela incentiva a solução de conflitos no ambiente escolar, sem encaminhamento à polícia, evitando a judicialização.

As PAEs – Práticas de Ação Educacional, se prestam como alternativa à judicionalização de conflitos, contando com a anuência do responsável legal. Que pai ou mãe deseja deixar o filho na escola e ter que busca-lo em uma delegacia de polícia? A maioria dos incidentes de indisciplina constituem atos infracionais leves.

Os principais atos infracionais praticados pelos alunos na rede de ensino – ameaças, desacato, lesão corporal, vias de fato, injúrias – são, na sua origem, atos de indisciplina, e devem ser tratados como tais. Partindo deste pressuposto, nada melhor e mais adequado do ponto de vista pedagógico, que sejam resolvidos pela Escola. Nesta perspectiva, o que a Lei Harfouche busca é ampliar os instrumentos que o gestor e o educador dispõem para efetivar o processo de ensino-aprendizagem, em consonância com o princípio da proteção integral (art. 1o. Do ECA), interpretado a luz do art. 6o. Do ECA, Na interpretação desta Lei levar-se-ão em conta os fins sociais a que ela se” dirige, as exigências do bem comum, os direitos e deveres individuais e coletivos, e a condição peculiar da criança e do adolescente como pessoas em desenvolvimento’.

3) Porque ao atribuir funções para cada um dos atores envolvidos – PAIS, DIREÇÃO, PROFESSORES – ela reforça a noção do papel comunitário da escola.

Uma vez apurada a prática do ato de indisciplina por parte do estudante, registada em documento formal, e tendo a Direção da escola concluído que, dentre as medidas disciplinares cabíveis, a que melhor se coaduna com os propósitos pedagógicos do caso específico é a PAE – prática de ação educativa – ela somente poderá ser aplicada com a anuência dos responsáveis legais pelo jovem, com o uso do pátrio poder que lhe é conferido pela lei (CC, art. 1634, I e VII). Em havendo recusa dos mesmos, a PAE não poderá ser aplicada, e a Direção, então, poderá tomar as medida legais cabíveis, como o registro de ocorrência policial, se assim entender.

Assim, a comunidade escolar, com participação de cada um dos seus atores, com papéis definidos, atuará na solução dos problemas no ambiente escolar, restaurando-o e restabelecendo as relações.

4) Porque ela reforça a importância dos pais na educação dos filhos e na participação e acompanhamento no aproveitamento escolar dos mesmos.

Muitas vezes os pais só sabem das consequências do mau comportamento dos filhos quando estes já estão foram conduzidos a uma delegacia de polícia. E isto ocorre não porque a Direção da escola não tente estabelecer um canal de comunicação com os mesmos, mas sim porque, muitas vezes absorvidos pelas demandas diárias, os responsáveis legais se colocam tão aparte do ambiente escolar que acabam se esquecendo que a função da escola é ENSINAR, e que a eles cabe EDUCAR, e se o papel destes não for cumprido, o primeiro ficará prejudicado.

5) Porque ela não estabelece penalidades, mas sim instrumentos pedagógicos para que o jovem aprenda a partir da reparação dos danos.

A PAE não é medida socioeducativa. As medidas socioeducativas só podem ser aplicadas no bojo de uma ação socioeducativa, onde o adolescente está na condição de representado, ou de um procedimento para apuração de ato infracional, onde o mesmo está na condição de indiciado pela prática de ato desta natureza. Em ambos os casos, a posição do jovem não é favorável, já que ficará estigmatizado no sistema de justiça juvenil. Esta é a realidade. Os que sustentam esse argumento visam tumultuar intencionalmente a aplicação do ProCEVE – Programa de Conciliação para Prevenir a Evasão e a Violência Escolar. Basta lembrar que a “advertência” sempre esteve nos regimentos escolares, apesar de ser uma das medidas socioeducativas, não se confunde com medida socioeducativa . Assim também a reparação de danos inserida no regimento escolar mantém sua natureza jurídica diversa da reparação contida no ECA.

Noutra perspectiva, a PAE, aplicada pela Direção da Escola, em havendo a anuência dos responsáveis legais do jovem, tem como objetivo que este compreenda que ele não é apenas sujeito de direitos, mas também de deveres, e se sujou, deve limpar; se quebrou, deve consertar; se ofendeu, deve se retratar, e assim por diante.

Para resolver esta questão, basta que nos perguntemos se, como pais, preferimos ver nossos filhos representados em uma ação socioeducativa, sujeitos a aplicação de uma medida socioeducativa, ou que recebam, com nossa anuência, uma PAE, em reunião realizada com a Direção da Escola, após ter sido apurada sua conduta?

Neste ponto, poderia surgir a seguinte dúvida: e se for atribuída ao meu filho uma conduta que ele negue ter cometido? Muito simples: bastará que nós, como pais, não concordemos com a aplicação da PAE, que desse modo não poderá ser formalizada. E a Direção caberá o registro da ocorrência policial, se assim entender, e seguir-se-á o sistema tradicional de solução de conflitos.

Antes mesmo da aprovação da lei em comento, a reparação deverá ser aplicada, pois a legalidade e constitucionalidade da aplicação de reparação de danos vem firmada em legislação federal, recebeu parecer favorável do Dr. Munir Cury, relator do ECA, do CNMP - Conselho Nacional do MP, da COPEDUC - Comissão Permanente de Educação junto ao GNDH - Grupo Nacional de Direitos Humanos, pedagogicamente recomendado pela Dra. Angela Costa, da UFMS e já está em vigor no regimento escolar estadual publicado no D.O.E.

Campo Grande-MS, Costa Rica-MS, Chapadão do Sul-MS, Rio Brilhante-MS, Brasilândia-MS, Patrocínio-MG dentre outras cidades tiveram suas leis aprovadas. E para o conforto de pais/responsáveis, alunos e profissionais do ensino, qualquer que se apresentar como autoridade para processar quem cumprir os regimentos escolares poderá responder por constrangimento ilegal (art. 146, do Código Penal).

(*) Sérgio Harfouche é promotor da Infância, Adolescência e Juventude do MPE-MS (Ministério Público Estadual de Mato Grosso do Sul)

(**) Artigo publicado em resposta ao texto 12 motivos para pais pensarem sobre a lei que penaliza alunos na escola, de Ana Maria Assis.

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