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Planejamento e consumo de energia no enfretamento de eventos climáticos extremos

Andrea Lobato Cordero (*) | 20/10/2022 08:30

Desde tempos remotos, um lugar que proporcione segurança e proteção a seus habitantes contra eventos climáticos externos é uma necessidade básica. Ao longo do tempo, os espaços habitados foram se diversificando em função das atividades realizadas no seu interior. Variáveis como o número de pessoas e o tamanho do espaço de convivência interferem nas horas de permanência em um local. Assim, espaços interiores percebidos como desconfortáveis podem ser habitados por menos tempo em comparação a outros considerados adequados ou agradáveis. No caso de atividades comerciais ou locais de trabalho, os limites de permanência toleráveis em espaços desconfortáveis podem ser estendidos tendo em vista que o usuário estaria disposto a sacrificar seu bem-estar para receber sua remuneração.

No contexto residencial, como espaço habitado ao longo do ano, estima-se que a permanência de pessoas que combinem atividades dentro e fora da residência varie entre 8 e 12 horas por dia, sendo superior a 12 horas para pessoas que, por deficiências de saúde, permaneçam nas residências. Nesse caso, a relação do tempo de permanência com os ideais de segurança, proteção e atividades a serem realizadas deve favorecer a convivência no interior, apesar das limitações dos ocupantes. Assim, a avaliação das condições arquitetônicas e dos serviços básicos que respondem às nossas necessidades é uma prioridade. Infelizmente, em muitos casos, esses quesitos não são priorizados, pois dependem da disponibilidade econômica, da atividade laboral ou formativa, dos aspectos culturais e do número de habitantes. Essa situação não atende aos requisitos mínimos de habitabilidade planejados ou recomendados, com o risco de reduzir a qualidade do ar e afetar a saúde de seus ocupantes.

Com a pandemia da COVID-19, o tempo de permanência dentro das residências foi estendido. Segundo dados do Informe Especial COVID-19 publicado pela Comissão Econômica para a América Latina e o Caribe (CEPAL), o tempo de permanência nas residências aumentou 324% entre o primeiro e o segundo trimestres de 2020, pela necessidade de realizar as atividades laborais remotamente, nas residências dos trabalhadores. Esse fato ocasionou a improvisação dos espaços domésticos para realizar atividades profissionais utilizando os equipamentos ou eletrodomésticos disponíveis em espaços destinados a outras atividades.

Inicialmente, estimou-se uma permanência curta, mas as ações de prevenção assumidas foram resultado da abordagem com que cada país conseguiu lidar com os efeitos do vírus SARS-CoV-2. Assim, a permanência nas residências variou de acordo com a gravidade de cada contexto, chegando a alcançar tempos de permanência de até 24 horas contínuas. Apesar do desconforto reportado, essa permanência foi favorável, pois contribuiu para evitar a proximidade física entre as pessoas e reduzir os riscos de contaminação nos espaços de trabalho, de acordo com as recomendações da Organização Mundial da Saúde, já que um dos meios de transmissão do vírus é o ar.

Com o retorno gradual das atividades laborais presenciais, a tendência é que o número de horas que os usuários permaneçam no interior de suas residências seja reduzido. No entanto, aspectos como redução dos tempos de deslocamento casa-trabalho, custos de transporte, aluguel de espaço físico, entre outros, faz com que empregadores e empregados, tendo a possibilidade, optem por priorizar o trabalho remoto em detrimento do trabalho presencial no período pós-pandemia. O planejamento das residências terá que considerar tal dinâmica, uma vez que se espera que as atividades de trabalho também ocorrerão nesses espaços.

Por outro lado, o aumento da temperatura global é outro evento que afeta as condições ambientais no interior das residências; portanto, o comportamento dos usuários. Assim, a qualidade do ar nas casas também está diretamente relacionada com a variação das temperaturas, sendo agravada pelas mudanças climáticas. Devido ao seu clima, o Brasil atinge altas temperaturas na maior parte do seu território durante o ano, com baixas temperaturas no sul do país. Segundo o Atlas da Eficiência Energética Brasil 2021, publicado pela Empresa de Pesquisa Energética (EPE), a climatização de ambientes como um dos usos finais da energia elétrica vem crescendo. O número de ventiladores é de pelo menos um por residência, sendo o segundo eletrodoméstico mais adquirido no setor residencial. O aumento do uso de ventiladores e de equipamentos de ar-condicionado é um indicativo da necessidade de reduzir a temperatura e melhorar a qualidade do ar no interior das residências.

Nesse cenário, o planeamento urbano-residencial, ambiental e energético, exigirá modificações em diferentes escalas. De acordo com o “Modelo de Queijo Suíço para Defesa Contra Vírus Respiratórios Pandêmicos”, de Mackay (2020), apresentado na Figura 1, reconhece-se que nenhuma intervenção é perfeita e que várias intervenções interativas devem ser consideradas. Da mesma forma, a sua eficácia está associada às responsabilidades pessoais e compartilhadas dos seus usuários. Ao nível residencial, aumentar a ventilação natural para melhorar a qualidade do ar interior seria uma intervenção necessária, com impacto em diferentes setores econômicos.

Melhorar a qualidade do ar no interior de uma edificação envolve levantar informações sobre o estado atual das residências e, a partir delas, construir um plano de adaptação de acordo com as diferentes realidades locais. Atualmente, ter normas que regulam as características de construção das edificações e a eficiência dos equipamentos seria um primeiro grande passo. Ele deve ser acompanhado da projeção de cenários que considerem que atividades domésticas e de trabalho possam ocorrer nas residências, sem comprometer a qualidade de vida das pessoas.

Neste ponto, a disponibilidade econômica do usuário é importante, pois o consumo de energia pode não refletir um benefício que inclua seu bem-estar e saúde. Para esclarecer o benefício, consideraremos como exemplo um usuário com disponibilidade econômica, para o qual as melhorias representariam apenas uma despesa acessível a mais. Em larga escala, isso representaria um aumento na demanda da energia do setor residencial. No contrário, se a disponibilidade econômica do usuário for limitada, essas melhorias estarão fora do alcance. Embora o desconforto seja percebido pelo usuário, ele não faz nenhuma melhoria que acrescente o consumo da energia; portanto, não seria reconhecido como demanda energética no planejamento energético.

Encontrar um equilíbrio entre as necessidades energéticas, ambientais e socioculturais é um desafio, mas promover esse equilíbrio representará um grande benefício no futuro. A vulnerabilidade humana, as mudanças climáticas, epidemias, pandemias e a disponibilidade energética não permitem priorizar o atendimento entre um ou outro, ao contrário, essa questão exige uma abordagem sistêmica que responda às particularidades do contexto local. Portanto, faz-se necessário avaliar se as economias geradas por um setor, por meio de planos eficientes, estão sendo utilizadas para melhorias com impacto nacional ou se simplesmente estão cobrindo erros ou defeitos em outros setores.

(*) Andrea Lobato Cordero é arquiteta, doutoranda em Planejamento de Sistemas Energéticos na Faculdade de Engenharia Mecânica (FEM) da Unicamp.

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