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Rir é o melhor remédio?

Por Cecília de Almeida Borges (*) | 23/06/2024 08:30

Se considerarmos a explicação sobre o riso do precursor da psicanálise, Sigmund Freud (1856-1939), como descarga de energia excedente e sublimação de pulsões humanas agressivas e/ou violentas, parece positivo. Entretanto é preciso saber, rir de que ou por quê? Antes de tudo é preciso aprender a rir de si mesmo, das próprias falibilidades, afinal errar é humano, mesmo que muitas vezes o erro seja temido como algo vergonhoso e sem conserto.

Esse idealismo que atravessa nosso pensamento e nossa atitude diante do mundo tem suas reverberações também em processos de ensino-aprendizagem, quando a possibilidade de errar gera pavor em muitos estudantes. No contexto da comicidade, o erro pode se desdobrar em um novo começo, como em um desenho de Picasso ou Miró, como nos primeiros passos de todos nós, quando caímos e levantamos inúmeras vezes, prontos para novas ações.

Assumir o erro ou disfarçá-lo? No circo, assim como na comicidade em geral, especialmente na arte de palhaços, é preciso dar um jeito de continuar o jogo, ao invés de paralisar diante do erro. O filósofo francês Henri Bergson (1859-1941) indica caminhos que dariam acesso à comicidade, na obra “O riso: ensaio sobre a significação do cômico”. Vejamos algumas das bases e diretrizes da comicidade apresentadas por Bergson: o riso é produto da cultura humana, sendo incomum a outras espécies de vida; é algo que depende do contexto cultural, pois, rimos daquilo que possuímos referências formadas por hábitos e ideias assimilados na sociedade onde vivemos, algo que pode ser comprovado quando observamos que aquilo que pode ser engraçado em uma cultura, pode não ser em outra.

 Apesar de o caráter por vezes determinista da análise de Bergson, sem dúvida, ao investigar o que pode provocar o riso ele circunscreve o problema enumerando exemplos que indicam elementos passíveis de serem encontrados em variadas circunstâncias cômicas. Dentre eles, há o desajeitamento como aquele que acontece em um tombo sem maiores consequências, seja por falta de habilidade, por desvio ou obstinação do corpo, efeito de rigidez ou de velocidade adquiridas – os músculos continuaram realizando o mesmo movimento, quando as circunstâncias exigiam coisa diferente.
É o caso da rigidez mecânica e de ritmo regular decorrente de um hábito adquirido por meio de ações repetidas muitas vezes, como na célebre cena de Charles Chaplin no filme Tempos Modernos (1936), apertando os botões do casaco de uma senhora, ao sair da fábrica onde trabalhava como operário com a função repetitiva e contínua de apertar parafusos.

Para Bergson, o hábito imprime um ritmo ao qual o indivíduo não consegue escapar desencadeando o erro, o equívoco que desperta o riso. A situação se torna cômica por causa de uma fixidez dos sentidos e da inteligência que não se adapta ao momento vivido, fazendo com que a pessoa aja de acordo com uma circunstância vivida anteriormente, portanto, com um certo atraso ou descompasso no tempo da ação presente. Neste ponto, o filósofo francês indica o desvio e o erro como elementos que provocam o riso.

Erro e desvio encontram-se na comicidade, podendo ampliar as possibilidades criativas e pedagógicas nas artes cênicas e por que não, na vida. Minha experiência como atriz e palhaça no Circo Teatro Udi Grudi entre os anos de 1987 e 1990, ensinou a lidar com o erro, fosse imprevisto ou falha própria, de forma diversa do que é habitual de acontecer no teatro e em outras circunstâncias da vida, buscando soluções e desdobramentos possíveis para seguir adiante.

* Este artigo é baseado em sua tese de doutorado em Artes Cênicas na UFBA (Universidade Federal da Bahia), Quatro ensaios sobre uma tese: entre o circo e o butô, erro e errância em processos de criação e ensino-aprendizagem nas artes da cena (2022).

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