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Cidades

Análise do TCE confirma que licitação da Lotesul restringia a competitividade

Auditoria indica direcionamento no edital, falhas em critérios técnicos e risco de monopólio por até 35 anos

Por Jhefferson Gamarra e Aline dos Santos | 18/08/2025 17:45
Análise do TCE confirma que licitação da Lotesul restringia a competitividade
Bolas com números utilizadas para sorteio de jogos de azar enfileiradas (Foto: Antônio Cruz / Agência Brasil)

O TCE-MS (Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul), por meio da sua Divisão de Fiscalização de Contratações Públicas, confirmou, em parecer técnico, que o edital da licitação para contratação da plataforma eletrônica da Lotesul continha cláusulas restritivas que comprometeram a competitividade e poderiam favorecer um grupo específico de empresas.

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O Tribunal de Contas do Estado de Mato Grosso do Sul (TCE-MS) confirmou que o edital da licitação da Lotesul continha cláusulas restritivas, limitando a competitividade e potencialmente favorecendo empresas específicas. As exigências, como comprovação de milhões de transações em 12 meses e atuação em mercado regulado, foram consideradas desproporcionais e indícios de direcionamento. A duração do contrato, de até 35 anos, também foi criticada por risco de monopólio. A análise do TCE respaldou denúncias apresentadas por Jamil Name Filho e pela empresa Criativa Technology Ltda, ligada ao ex-deputado Roberto Razuk. O contrato suspenso tem potencial de gerar R$ 51,4 milhões anuais, com repasse mínimo de 16,17% ao Estado. A retomada da Lotesul, prevista para 2021, enfrenta atrasos devido a disputas jurídicas e administrativas. O caso expõe conflitos políticos entre grupos tradicionais de Mato Grosso do Sul.

A análise corrobora os questionamentos apresentados em denúncias feitas por Jamil Name Filho e pela empresa Criativa Technology Ltda, ligada ao ex-deputado estadual Roberto Razuk, e serviu de base para a decisão do conselheiro Márcio Monteiro, que determinou a suspensão do certame.

De acordo com o relatório, o edital impôs condições incomuns e sem justificativa robusta, criando barreiras artificiais à participação de potenciais concorrentes. Entre os pontos considerados críticos estão a exigência de comprovação de 15 milhões de transações financeiras eletrônicas em apenas 12 meses, a experiência prévia no processamento de mais de 40 transações por segundo, a atuação em mercado regulado por pelo menos seis meses e a necessidade de que a interessada fosse instituição de pagamento ou financeira autorizada pelo Banco Central.

Para os técnicos, essas exigências não apresentaram proporcionalidade com a finalidade do contrato e configuraram indícios de direcionamento, prejudicando a isonomia entre os participantes.

A auditoria também chamou atenção para a duração contratual prevista, que variava de 10 a 35 anos, considerada excessiva e capaz de criar um monopólio privado de longo prazo sem respaldo em estudos econômicos sólidos. Outro fator apontado foi a previsão de cobrança de 1% sobre cada operação de “cash out”, ou seja, o encerramento de aposta. Atualmente esse serviço é oferecido sem custo por bancos nacionais via Pix, e, segundo as denúncias, a medida asseguraria ganhos desproporcionais à operadora vencedora, onerando o consumidor e inviabilizando a entrada de soluções mais competitivas no mercado lotérico.

O processo da licitação foi questionado por dois polos distintos. De um lado, Jamil Name Filho, preso na Penitenciária Federal de Mossoró pela Operação Omertà, que apresentou representação por meio do advogado André Borges. De outro, a Criativa Technology Ltda, de Dourados, que ingressou com ação no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul. Embora o proprietário formal da empresa seja Sérgio Donizete Balthazar, documentos mostraram que as custas judiciais foram pagas pelo deputado estadual Roberto Razuk (Neno Razuk, PL), revelando a participação indireta da família.

O caso acabou expondo uma disputa entre grupos políticos tradicionais do Estado, já que os Name têm base em Campo Grande e os Razuk concentram força em Dourados, a segunda maior cidade sul-mato-grossense.

Além do impacto político, a questão envolve cifras milionárias. O contrato suspenso tem estimativa de receita média anual de R$ 51,4 milhões apenas com a plataforma eletrônica, sendo vencedora a empresa que oferecesse maior repasse percentual ao Estado. O edital fixava como mínimo 16,17% da receita bruta. Na sessão de abertura, realizada em março, foram apresentadas três propostas: 21,57%, 17,20% e 16,17%, mas os nomes das concorrentes não foram divulgados.

A retomada da Lotesul faz parte de uma política iniciada em 2021, quando foi sancionada lei permitindo novamente a exploração de loteria após 15 anos de paralisação. À época, o governo projetava faturamento de R$ 9,8 bilhões em 10 anos de operação, mas desde então sucessivos embates jurídicos e administrativos têm atrasado sua implementação.

Ao suspender o certame, em abril deste ano, o conselheiro Márcio Monteiro destacou que a duração do contrato e as exigências técnicas justificavam cautela diante dos riscos ao interesse público. “Cumpre salientar que é mister avaliar com cautela se as exigências técnicas não direcionam o certame e estão alinhadas com a necessidade de contratação de solução tecnológica que assegure a segurança e a eficiência da gestão das atividades lotéricas”, afirmou.

A decisão determinou ainda que os autos fossem encaminhados à Divisão de Fiscalização de Contratações Públicas para aprofundamento da análise, ressaltando que a prevenção de possíveis prejuízos deve nortear o julgamento da Corte de Contas.

A licitação permanece suspensa até manifestação definitiva do TCE sobre a legalidade do procedimento. O governo do Estado foi procurado pela reportagem para prestar esclarecimentos sobre as conclusões da auditoria, mas ainda não houve retorno. O espaço segue aberto.