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Cidades

Covid faz sumir remédio de farmácias e grávidas contam com sorte e solidariedade

Para evitar o risco de trombose, gestantes apelam para a compra de "sobras" de quem ainda tem medicamento

Paula Maciulevicius Brasil | 06/06/2021 07:24
Medicação não é encontrada em farmácia e drogaria da cidade e quem consegue é na base da solidariedade. (Foto: Arquivo/Henrique Kawaminami)
Medicação não é encontrada em farmácia e drogaria da cidade e quem consegue é na base da solidariedade. (Foto: Arquivo/Henrique Kawaminami)

O desespero por um medicamento que não se encontra nas farmácias de Campo Grande tem tomado as redes sociais e grupos de WhatsApp. Mulheres gestantes que precisam tomar enoxaparina, medicação conhecida comercialmente como clexane, para evitar o risco de trombose, estão apelando para comprar "sobras" de quem eventualmente tenha em casa, mas não esteja mais utilizando.

A enoxaparina é parte do protocolo de tratamento hospitalar da covid, mas também tem tido procura de pacientes que não chegam a internar. O resultado é o desabastecimento da medicação nas farmácias.

Ligamos para cinco farmácias da Capital. Duas da mesma rede, com localização no Centro e na Avenida Eduardo Elias Zahran, e em ambas a resposta foi a mesma: "está em falta, não tem nem previsão de chegada".

Nos bairros, a mesma resposta: "estamos em falta no Brasil inteiro", diz o atendente de uma farmácia no Nova Bahia. Outra farmácia de plano de saúde explica que não adianta nem ligar em todas da cidade, porque a substância ativa que é importada da China não está chegando às fábricas no Brasil. "Por enquanto não tem nem previsão, falta matéria-prima", enfatiza o atendente.

Clexane está em falta nas farmácias e alerta de desabastecimento vem desde o ano passado. (Foto: Arquivo Pessoal)
Clexane está em falta nas farmácias e alerta de desabastecimento vem desde o ano passado. (Foto: Arquivo Pessoal)

No Jardim dos Estados, uma outra rede de farmácias explica que a falta é geral e que não adianta pedir para distribuidora, porque ninguém tem "nada, nada, nada", e emenda que até o similar, chamado Versa, também está em falta e o recomendável é que as gestantes voltem aos obstetras para buscarem uma alternativa.

A medicação não é nada barata e quem precisa entra com o pedido na Casa da Saúde para conseguir a medicação no SUS. Agora nem pagando é possível de conseguir.

Quando a pedagoga Paola Policeno, de 30 anos, descobriu a gravidez, no dia seguinte passou a ligar em todas as farmácias da Capital atrás do medicamento. "Foi no fim de maio, e parece que já fazia duas semanas que não tinha nas farmácias", conta.

No dia seguinte, passou a ligar em São Paulo. "Minha prima encontrou pra mim na capital, outro amigo em Presidente Prudente, e um conhecido em Nova Andradina", relata. A compra foi feita em diferentes locais para conseguir o número suficiente de medicação para toda a gravidez.

"Meu coração ficou mais calmo, mas saber que pessoas podem precisar e não tem me deixa preocupada. Entretanto, há outro medicamento que pode ser substituído", comenta.

A falta não se restringe só a Campo Grande e já é motivo de alerta desde 2020. Farmacêutico e diretor técnico do CRF/MS (Conselho Regional de Farmácia de Mato Grosso do Sul), Adam Macedo Adami fala que a oscilação no mercado acontece desde maio do ano passado.

"Inclusive já havia um alerta ano passado da Sociedade Brasileira de Nefrologia sobre o risco de desabastecimento e também de prática de preços abusivos dos medicamentos contendo heparina e enoxaparina no território nacional", relembra.

Injeções de clexane têm de ser aplicadas diariamente em paciente grávida. (Foto: Arquivo Pessoal)
Injeções de clexane têm de ser aplicadas diariamente em paciente grávida. (Foto: Arquivo Pessoal)

No entanto, a situação se tornou ainda mais preocupante em 2021, com o agravamento da pandemia. "A verdade é que o medicamento está em falta e vivemos o desabastecimento da enoxaparina desde o primeiro trimestre e agora estamos com um quadro ainda mais grave de maio para cá", avalia o diretor.

A medicação é usada principalmente para gestantes de alto risco para evitar eventos de trombose e embolia, mas também em pacientes covid moderados e graves. "O medicamento faz parte dos protocolos de covid, mas em pacientes moderados a graves, que estão internados em leito clínico ou na UTI. Não tem indicação nenhuma para tratamento precoce ou de casos leves", esclarece o farmacêutico.

Uma das médicas mais procuradas pelas gestantes, a ginecologista e obstetra, Maria Auxiliadora Budib usou a própria rede social para fazer o pedido em nome das grávidas que acompanha.

"Por favor , pedimos ajuda: se você tem Enoxeparina (Clexane / Versa) e pode fazer doação entre em contato conosco. Muitas gestantes de alto risco estão precisando e NÃO há nas farmácias".

Dorinha, como carinhosamente a médica é chamada pelas pacientes, explica que o mercado não está dando conta da produção do medicamento que é muito utilizado em ambiente hospitalar. "Existe a compra central das medicações da parte hospitalar e o grupo especial das gestantes de alto risco com trombofilia que compram direto nas farmácias por convênio com laboratórios", descreve.

Para as gestantes com risco de trombofilia, o clexane é passado para tomar durante 280 dias da gestação e 45 dias após o parto e assim evitar quadros trombóticos. "Este desabastecimento não é de Campo Grande nem só do Estado, é em todo Brasil", ressalta a médica.

Enquanto ainda não se tem previsão de normalizar, Dorinha fez o pedido nas suas redes sociais, por ter muitos pacientes que já pararam de tomar. "Recorremos a essa ajuda solidária para não precisar mudar a medicação, a enoxaparina tem menos efeitos de sangramento, porque o principal medo de usar anticoagulante e sangrar o nariz, por exemplo, com a enoxaparina as pacientes têm segurança quanto aos efeitos adversos", exemplifica.

Medicamento é tomado por gestantes de alto risco para evitar trombofilia. (Foto: TV Brasil)
Medicamento é tomado por gestantes de alto risco para evitar trombofilia. (Foto: TV Brasil)

Depois que as pacientes passaram a relatar no consultório da médica que não estavam encontrando o medicamento nas farmácias, a própria Dorinha diz ter feito uma "batida" para ver, diante da confirmação, a médica apelou para a solidariedade.

"E foi uma grata surpresa, porque muitas puérperas deixaram de usar e muitos pacientes que usam cronicamente e tinham também doaram. Recebi ligações de colegas do interior. Nossa finalidade é que a paciente consiga nessa ajuda solidária até que o abastecimento se normalize", espera a médica.

As gestantes que não conseguirem a medicação, devem voltar ao médico obstetra que fará adaptações. "Tem que voltar ao médico e ver porque alguns anticoagulantes não podem ser usados em gestantes por falta de segurança em relação ao feto. É o seu obstetra, hematologista ou reumatologista que vai fazer a prescrição da receita e te dizer qual usar", alerta.

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