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Cidades

MS é 2º em terras indígenas sem regularização e registra 154 conflitos

Relatório mostra avanço de invasões, ataques armados e omissão em territórios

Por Clara Farias | 29/07/2025 17:43
MS é 2º em terras indígenas sem regularização e registra 154 conflitos
Área de conflito na retomada Panambi (Foto: Gabriel Schlickmann)

Mato Grosso do Sul possui 148 terras indígenas com alguma pendência administrativa, conforme relatório divulgado nesta segunda-feira (28) pelo Cimi (Conselho Indigenista Missionário). O dossiê mostra que o Estado é o segundo do país com maior número de pendências, atrás apenas do Amazonas, que soma 222.

RESUMO

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Mato Grosso do Sul enfrenta grave crise em terras indígenas, com 148 áreas sem regularização, segundo relatório do Cimi. O estado é o segundo com mais pendências no país, perdendo apenas para o Amazonas. Conflitos territoriais, violência e desassistência marcam a realidade dos povos originários. Em 2024, foram registrados 154 conflitos em 114 terras indígenas no estado, com ataques armados e assassinatos. A TI Panambi, palco de ataques violentos, ainda aguarda demarcação. Além disso, 159 terras sofreram invasões, exploração ilegal de recursos e incêndios criminosos. A falta de assistência do poder público agrava a situação, com comunidades indígenas sofrendo com falta de água, saúde e educação precárias. O relatório também aponta para o alto número de mortes infantis e suicídios, reflexo da violência e do descaso.

Segundo o documento, 112 terras ainda não receberam qualquer providência, 17 estão a ser identificadas, quatro já foram identificadas, oito estão declaradas e uma está sob portaria de restrição. As terras homologadas ficam nos municípios de Paranhos, com os povos Guarani-Kaiowá e Guarani-Nhandeva, além de Juti e Antônio João, também com presença Guarani-Kaiowá.

Os 17 territórios ainda sem identificação localizam-se em Rochedo, Dourados, Amambai, Ponta Porã, Aral Moreira, Laguna Carapã, Antônio João, Bela Vista, Rio Brilhante, Naviraí, Coronel Sapucaia, Jardim, Iguatemi, Tacuru, Japorã, Paranhos, Miranda, Aquidauana, Eldorado, Mundo Novo e Juti.

O dossiê também aponta que, em 2024, houve 154 conflitos territoriais registrados em 114 terras indígenas. O primeiro ano de vigência da Lei do Marco Temporal foi marcado por ataques armados contra comunidades indígenas, principalmente contra os povos Guarani e Kaiowá em Mato Grosso do Sul.

Um dos casos citados é o do jovem Neri Ramos da Silva, assassinado durante uma ação policial no território Ñande Ru Marangatu, homologado em 2005 e com o processo demarcatório judicializado desde então. Apesar do reconhecimento oficial, a área ficou fora da posse da comunidade por quase duas décadas.

O documento também relata episódios ocorridos em julho e agosto de 2024, em Douradina, onde os Guarani e Kaiowá da TI Panambi foram alvo de ataques armados por fazendeiros e jagunços, próximos às áreas de retomada. No dia 3 de agosto, um ataque à comunidade Pyky Xyin deixou dez feridos, três deles baleados. Uma das vítimas ficou com um projétil alojado na cabeça.

A TI Panambi, alvo desses ataques, foi delimitada pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas) em 2011, mas o processo demarcatório está paralisado. A morosidade leva as comunidades a iniciarem retomadas para garantir subsistência em suas próprias terras.

MS é 2º em terras indígenas sem regularização e registra 154 conflitos
Indígena com bala alojada na cabeça, após conflito com fazendeiros (Foto: Gabriel Schlickmann)
MS é 2º em terras indígenas sem regularização e registra 154 conflitos
Fazendeiros atearam fogo em território para intimidar os Guarani e Kaiowá, em Panambi (Foto: Gabriel Schlickmann)

O levantamento também indica que 159 terras indígenas sofreram invasões possessórias, exploração ilegal de recursos naturais e outros danos, totalizando 230 ocorrências. Entre elas, 48 foram afetadas por incêndios ou queimadas; 35 por criação de gado, monocultivos ou arrendamento; 32 registraram danos ambientais diversos e 31, desmatamento.

Em Mato Grosso do Sul, a TI Cachoeirinha, do povo Terena, foi atingida por queimadas de grandes proporções originadas em fazendas do entorno. Os focos de incêndio avançaram pelo trecho ainda não regularizado, usado para criação de gado. O Campo Grande News noticiou, em agosto do ano passado, que o fogo consumiu ao menos 15 hectares do território. Em relação à exploração ilegal e invasões, o dossiê aponta 14 casos em terras indígenas do Estado.

Violência por omissão do poder público

O relatório detalha também situações de omissão do poder público. Em 2024, foram quatro registros de desassistência geral em Mato Grosso do Sul. Em Dourados, indígenas das aldeias Bororó e Jaguapiru enfrentaram escassez de água potável. Em Aral Moreira, os Guarani-Kaiowá do tekoha Gaiviry viveram uma grave crise de insegurança alimentar. Crianças da comunidade percorrem 40 minutos a pé até a escola e dependem da única refeição fornecida pela instituição. A situação foi registrada como desassistência na área da educação.

Também em Dourados, um estudo da Defensoria Pública apontou graves violações de direitos no Presídio Estadual, envolvendo indígenas das etnias Guarani, Kaiowá e Terena. Segundo o levantamento, muitos não compreendem o motivo da prisão por não entenderem a linguagem utilizada no processo. Um dos casos mais graves é o de um indígena condenado a 131 anos de prisão que não demonstrou reação por não compreender a magnitude da pena.

MS é 2º em terras indígenas sem regularização e registra 154 conflitos
Indígena paraplégico, condenado a 131 anos de pena, demostrou não entender a quantidade de pena que ficaria preso em português (Foto: Divulgação/Defensoria Pública de MS)

Em Miranda, indígenas da etnia Kinikinau vivem sob violência estrutural e econômica, com superlotação, moradias precárias e falta de acesso à água potável.

Na área da educação, foram dois registros de desassistência. O primeiro em Aral Moreira e o segundo em Porto Murtinho, onde, em reunião do MPF (Ministério Público Federal), foram discutidas ações para viabilizar o Ensino Médio e solucionar a falta de água e energia elétrica na Aldeia Córrego do Ouro.

Três ocorrências de desassistência na saúde foram registradas no Estado: falta de água potável na terra indígena Arati Kuti, na Aldeia Jaguapiru (Dourados) e na Aldeia Córrego do Ouro (Porto Murtinho).

Sobre a disseminação de bebidas alcoólicas e drogas, o maior número de casos foi registrado em Mato Grosso do Sul, com seis ocorrências. O relatório aponta que, embora o número oficial pareça pequeno, os indícios indicam subnotificação. Os casos relatam tráfico de drogas dentro dos territórios.

Mortes e suicídios

O dossiê mostra que, em 2024, 72 crianças indígenas de 0 a 4 anos morreram em Mato Grosso do Sul, sendo 42 do sexo feminino. Os dados foram obtidos por meio da Lei de Acesso à Informação e do SIM (Sistema de Informação sobre Mortalidade). Quatro dessas mortes foram causadas por falta de assistência em saúde.

Assim como em anos anteriores, o Estado figura entre os que têm maior número de suicídios entre indígenas. Especialistas apontam como causas a falta de demarcação de terras, os conflitos constantes e a ausência de políticas públicas estruturais, o que afeta principalmente a juventude indígena.

A maioria dos casos de suicídio foi registrada entre homens (73%). A faixa etária mais atingida é de 20 a 29 anos (37,5%), seguida por jovens de até 19 anos (32,2%).

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