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Capital

Censo inédito vai ajudar a saber tamanho e perfil da população de rua na Capital

Pandemia de covid-19 fez aumentar o número de pessoas nessa situação e levou famílias inteiras às calçadas

Por Cassia Modena | 29/02/2024 12:18
De Osasco, jovem transexual está nas ruas de Campo Grande desde a pandemia. Ela até colocou um vestido novo para falar com a reportagem (Foto: Marcos Maluf)
De Osasco, jovem transexual está nas ruas de Campo Grande desde a pandemia. Ela até colocou um vestido novo para falar com a reportagem (Foto: Marcos Maluf)

"Querem que a gente não exista". É o resumo do que já aprendeu vivendo nas ruas uma mulher transexual que há três anos saiu de Osasco (SP) para vir atrás de alguém que conheceu em Campo Grande.

A expectativa era outra durante os contatos nas redes sociais, mas virou um relacionamento violento. "A gente brigava e se agredia. Daí eu saí da casa dele e fui fazer programa", conta. Naquele momento, a pandemia de covid-19 contribuía para ofuscar qualquer outra perspectiva.

Ela tem 23 anos e é uma das novas "moradoras" que as calçadas de Campo Grande receberam desde que as medidas contra a doença impactaram a economia das cidades e a saúde mental de muita gente. Também aprendeu nesse período que ajudar e aceitar ajuda é a melhor estratégia para sobreviver "à falta de tudo".

Censo - O crescimento dessa população nos últimos anos é notável, mas não existem dados para atestá-lo. Nunca houve um censo para mostrar qual o seu tamanho e nem qual o perfil em Campo Grande.

A prefeitura deve começar um levantamento inédito ainda este ano. A informação é confirmada por quem vai participar desse trabalho e está em contato direto com as pessoas em situação de rua no Centro Pop, um local que oferece refeições e banhos, e no programa Consultório na Rua, que cuida da saúde.

Profissionais fazem atendimento de saúde a céu aberto, na esquina da Rua 26 de Agosto com a Rua Calógeras (Foto: Marcos Maluf)
Profissionais fazem atendimento de saúde a céu aberto, na esquina da Rua 26 de Agosto com a Rua Calógeras (Foto: Marcos Maluf)

Famílias inteiras despejadas nas ruas é uma das novidades que a pandemia acabou trazendo, conta a gerente do Centro Pop, Maysa Reis, e a psicóloga Sabrina Martins, que também trabalha lá. "Já encontramos pai, mãe, filhos, tia, sogro... todos juntos na calçada", relatam.

A imigração de venezuelanos também tem seus reflexos em Campo Grande. Dia desses, Maysa afirma que o Centro Pop acolheu 14 estrangeiros da mesma família.

Mayza Reis, gerente do Centro Pop, acompanha crescimento da população de rua em Campo Grande (Foto: Marcos Maluf)
Mayza Reis, gerente do Centro Pop, acompanha crescimento da população de rua em Campo Grande (Foto: Marcos Maluf)

Estimativa - Dados de atendimento do Consultório na Rua lançados no sistema do SUS, que são os mais seguros para estimar o tamanho da população de rua de Campo Grande neste momento, apontam que o número é próximo de 1,4 mil.

Segundo Chrystianne, essa quantidade é o dobro do que o de cadastrados em programas sociais. Ela oscila bastante. "Eles têm esse perfil nômade, estão aqui hoje, mas podem ir para outra cidade amanhã", explica.

O que parece não ter mudado no perfil geral ao longo dos anos, ainda segundo a coordenadora, é que 90% das pessoas em situação de rua na Capital são homens e têm de 20 a 35 anos de idade. Além disso, inclui Maysa, a maioria faz uso de drogas e álcool e enfrentou alguma questão familiar antes de ficar sem teto.

A quantidade de acolhimentos temporários realizados no antigo Cetremi e atual UAIFA (Unidade de Acolhimento Institucional para Adultos e Famílias) também dá sinal que a população de rua cresceu. Em 2021 foram 1.804 pessoas atendidas lá, em 2022 foram 1.579, em 2023 foram 5.691, e de janeiro até fevereiro deste ano já passaram na unidade cerca de 600 pessoas. A Secretaria Municipal de Assistência Social, que administra os atendimentos, diz não ter dados de anos anteriores.

Retomada - Tem mais ou menos dois anos que comprou uma passagem de Mundo Novo para Campo Grande um homem de 54 anos, que já foi preso no passado por levar no caminhão um carregamento de droga.

Depois de ficar livre, começou a trabalhar e foi morar com uma mulher. Ele perdeu o emprego durante a pandemia. "Ela não quis mais saber e me expulsou de casa", afirma.

O homem quer encontrar um novo trabalho na Capital e poder pagar o aluguel de uma casa para morar. A reportagem conversou um pouco com ele.

- Do que o senhor gostaria de trabalhar?
- Eu gostaria de coisa simples, varrer rua ou qualquer coisa assim.
- Qualquer coisa mesmo?
- Eu não tenho escolha.

Dentro da carteira de trabalho, homem carrega outros documentos básicos e a vontade de voltar a ter um emprego (Foto: Marcos Maluf)
Dentro da carteira de trabalho, homem carrega outros documentos básicos e a vontade de voltar a ter um emprego (Foto: Marcos Maluf)

Ajuda para voltar ao mercado de trabalho, programas para conseguir habitação e vagas de internação para quem tem algum vício e precisa de desintoxicação são oferecidos pelos órgãos municipais e entidades filantrópicas, mas não vão garantir a reintegração de todas as pessoas à sociedade.

Quando a rua é escolhida como um lugar para viver por essas pessoas, Chrystianne diz que o ideal seria que não tivessem que enfrentar hostilidade por terem feito essa opção e até violência, que vem também dos próprios agentes de segurança pública. "Respeito e vínculo com eles são possíveis", conclui.

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