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Capital

Em 1ª entrevista após um ano preso, Giroto diz que é o cozinheiro da cela

Antes de audiência na tarde desta terça-feira, o ex-secretário teve uma longa conversa com o Campo Grande News

Mayara Bueno, Silvia Frias e Geisy Garnes | 28/05/2019 17:06
Ex-deputado e ex-secretário de Obras, Edson Giroto, durante entrevista na Justiça Federal. (Foto: Paulo Francis).
Ex-deputado e ex-secretário de Obras, Edson Giroto, durante entrevista na Justiça Federal. (Foto: Paulo Francis).

Preso há 384 dias, o ex-deputado federal e ex-secretário de Obras de Mato Grosso do Sul, Edson Giroto, falou hoje pela primeira vez sobre os mais de 12 meses em regime fechado. Ao Campo Grande News, ele lembrou do passado na política, do histórico de denúncias que o levaram à prisão e revelou detalhes da vida na cadeia. Contou, inclusive, que é o cozinheiro da cela no Centro de Triagem, em Campo Grande.

O ex-secretário enfrenta nesta terça-feira (dia 28) mais uma audiência na 3ª Vara da Justiça Federal sobre ação da Operação Lama Asfáltica, que aponta lavagem de dinheiro e ocultação de bens. No banco a espera para ser ouvido, Giroto afirmou que paga um “preço alto demais, imposto pelo sistema político... Caro para alguém que fez tanto pelo Estado”.

Além dele, o empresário João Amorim, dono da Proteco Construções, e Wilson Roberto Mariano, ex-servidor da Agesul (Agência de Gestão de Empreendimentos), foram presos durante as investigações.

“Fiz tanto” – Quem visse de longe a cena, imaginaria que alguém apenas conversava sobre a vida. Sem ressalvas, Giroto rememorou episódios da vida política, como os sábados em que ele e o ex-governador André Puccinelli (MDB), na época prefeito de Campo Grande, andavam pela cidade e, no dia seguinte, se reuniam para discutir os problemas da Capital.

"Trabalhava sem parar e dormia três horas por dia, esforço que não valeu a pena", reclama o ex-secretário ao contar que também conhece todo o Estado, já que percorreu de carro 100% das regiões.

Como uma linha do tempo, Edson Giroto chega à eleição para prefeito, em 2012, quando foi derrotado pelo ex-chefe do Executivo municipal, Alcides Bernal (PP), fato considerado “uma das maiores frustrações”.

Giroto demonstrou tranquilidade, apesar dos desabafos. (Foto: Paulo Francis).
Giroto demonstrou tranquilidade, apesar dos desabafos. (Foto: Paulo Francis).

Aos poucos, o ex-secretário se defende de denúncias que envolvem seu nome e de sua família. Começa pela MS-430, que integra a lista de denúncias na Lama Asfáltica, com indícios de irregularidades na licitação, Giroto disse que ocorreu apenas uma alteração da execução do projeto original.

“Tivemos de mudar a estaca e o Miglioli [Marcelo Miglioli, que assumiu a secretaria em 2015] mandou o projeto original para a Polícia Federal”, que foi induzida ao erro, acusa o ex-secretário, afirmando que foi seu sucessor na pasta quem enviou relatórios sobre "falsas" irregularidades.

Sobre a mansão no Residencial Damha, o ex-secretário afirmou que comprou dois terrenos no local, mas vendeu um deles para construir a casa em uma das áreas. O outro terreno teria sido vendido em 12 vezes, com parcelas de R$ 100 mil, para uma pessoa cujo apelido é “Lito”. Todo dinheiro que entrava era aplicado na construção, afirma. Ele chegou a pedir à Caixa Econômica empréstimo de R$ 1,05 milhão para investir na residência.

Outro valor recebido seria de um apartamento no Rio de Janeiro, de R$ 1,7 milhão, vendido na época da Copa do Mundo, em 2014, quando os imóveis foram valorizados. Os pagamentos foram depositados na conta de sua esposa.

“Se somar”, afirma, o valor é o apontado como propina. A mansão foi alvo da operação em 2015, quando a PF fez buscas. A moradia de luxo foi estimada em R$ 7 milhões, mais do que o triplo do patrimônio declarado por ele em 2012.

“Eu não sou mentiroso, eu vou falar qual foi meu erro, meu erro foi não ter declarado à Receita Federal”. O receio foi ter de pagar um valor alto à título de imposto. Apesar disso, o ex-secretário afirma que tem todas as notas fiscais de construção e documentos, reunidos porque pensava em disputar a eleição de 2012.

Durante todo tempo, Giroto lamentou o destino e deixou claro se sentir injustiçado. Quando questionado se pensa em fazer delação premiada, apenas balançou a cabeça como quem analisa uma situação, mas respondeu que “está muito duro, estou pagando um preço muito alto”.

Giroto no dia em que foi preso, em maio do ano passado, ao lado do advogado. (Foto: Arquivo)
Giroto no dia em que foi preso, em maio do ano passado, ao lado do advogado. (Foto: Arquivo)

Na prisão - Na cela 17, Giroto é um dos comandantes, repassando as regras estabelecidas pelos presos mais antigos, como ele. Além dessa liderança, exerce ainda função de cozinheiro, responsável pelo café forte e amargo e o reforço à mistura servida no Centro de Triagem. “A vida na cela é muito difícil, é um ambiente insalubre”, explicou o ex-deputado federal.

Enquanto saía para prestar depoimento na Justiça Federal, outros presos chegavam à cela 17, entre eles, o guarda municipal Marcelo Rios, flagrado com arsenal de guerra no dia 19 de maio.

O lugar tem 24 camas e, eventualmente, o número de presos é maior. Quando isso acontece, Giroto diz que o detento “fica na praia”, ou seja, dorme no chão. Nesta terceira prisão, ocorrida em maio de 2018, chegou a usufruir da praia por dois dias.

“A situação é insuportável, não tem ventilação, não tem janelas”, descreveu o ex-deputado, sempre com a anuência de ex-companheiro de cela, que também está na 3ª Vara da Justiça Federal, o ex-fiscal de obras da Agesul, Beto Mariano.

Para tentar amenizar a situação, Giroto disse que algumas mudanças foram estabelecidas. Na cela, não são aceitos usuários de drogas. Se entrar, os demais detentos tentam demovê-lo do uso, o que acaba resultando na saída voluntária. Também está vetada a entrada de pedófilos.

Os presos fizeram vaquinha e azulejaram o banheiro da cela. Antes, havia apenas uma ducha, mas outra foi instalada recentemente. Todo dia de manhã, o local é limpo com água sanitária. “No começo tinha preso com sarna, furúnculo, escorpião embaixo da cama, agora, acabou”.

Para evitar o acúmulo de papel higiênico, há regra que não pode ser desrespeitada: depois do “número 2” é obrigatório o banho. Giroto cita ainda que sempre chama a atenção para que os panos usados na limpeza estejam torcidos e limpos.

O ex-deputado também assumiu a função de cozinheiro. De manhã, prepara o café forte e sem açúcar, como gosta. “Forte e amargo” ressaltou Beto Mariano. Para esquentar usa um arremedo de “rabo quente” – aquecedor de água portátil, feito de maneira artesanal, com pedaço de madeira e fio de cobre.

Munido de fogareiro elétrico, prepara reforço para mistura, “que é muito ruim”, disse Giroto. Nas visitas, é pedido que as famílias levem carne assada ou frita. O ex-deputado corta a carne e mergulha em óleo, como uma conserva. Durante a semana, é usada na mistura.

Giroto preenche o tempo com leitura. Agora, está na trilogia “Uma Breve História da Humanidade – Sapiens” e recomendou à reportagem “Médico de Homens e de Almas”, que trata da história de São Lucas.

Sobre o sistema carcerário, o ex-deputado diz que não existe reabilitação. “É mentira, quem fala isso, não sabe o que diz”.

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