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Capital

Em área pública ou particular, saiba caminho para regularizar imóveis urbanos

No limite entre a roça e a cidade, a Alphavela, com seus 70 barracos, sonha em desaparecer

Aline dos Santos | 15/02/2022 09:15
Alphavela tem 70 barracos e está na lista da prefeitura para regularização fundiária. (Foto: Marcos Maluf)
Alphavela tem 70 barracos e está na lista da prefeitura para regularização fundiária. (Foto: Marcos Maluf)

Seja área pública ou particular, lei e dispositivos da administração municipal  podem ser usados para regularização de imóveis urbanos. No caso de área privada, entra em cena a usucapião, que pode ser feita por meio da Justiça e também em cartório.

Nesta situação, é preciso se atentar para prazos (tempo na posse do imóvel), forma de ingresso na área (precisa ser mansa e pacífica) e até metragem. Outro ponto fundamental é que a área não tenha entrado em disputa antes do cumprimento dos prazos para requerer a posse, que são previstos em lei.

“A usucapião nada mais é do que o direito do possuidor, que tem aquela posse e dá uma função social para ela, de se tornar proprietário. Os principais tipos são ordinária, extraordinária e especial. O que diferencia uma da outra é o período que você está na propriedade, o tamanho da área e se tem justo titulo ou não”, afirma o advogado Carlos Magno Bagordakis Rocha.

A ação de usucapião especial pode ser apresentada por pessoa que reside há cinco anos em propriedade de até 250 metros e que não tenha nenhum imóvel em seu nome.

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“A Constituição determinou que todo mundo tem direito à propriedade. Mas esse direito não é absoluto e ele pode ser mitigado. É aquela pessoa que não tem imóvel nenhum, mas está na posse de uma propriedade urbana de 250 metros. A lei determina que ela pode ter o direito de usucapir esse imóvel com apenas cinco anos. É uma forma de trazer certa Justiça para as pessoas que estão na posse daquele imóvel e querem dar destinação social”, diz o advogado.

Na modalidade extraordinária, o solicitante não precisa demonstrar muitos requisitos, somente o decurso de tempo. “Se você tiver 15 anos na posse de um imóvel, sem nenhum tipo de agressão. Você tem direito a usucapião, independente de ter outro imóvel ou não. A lei possibilita diminuir para dez anos caso você construa moradia ou dê destinação social. Um terreno que você coloque uma horta, tenha plantação de mandioca”.

O advogado Carlos Rocha explica as modalidades das ações de usucapião. (Foto: Marcos Maluf)
O advogado Carlos Rocha explica as modalidades das ações de usucapião. (Foto: Marcos Maluf)

Outra vertente é usucapião familiar, que tem como pano de fundo a separação de casal, com a exigência de prazo de dois anos. “Vamos supor que o casal tenha um único imóvel de 250 metros e acontece a separação. A lei determina que quem está na posse do imóvel por dois anos e não tenha havido esse tramite legal de divisão de bens pode adquirir a outra metade como usucapião”, afirma Carlos Rocha.

A usucapião pode ser feita também em cartório, mas será necessária a concordância do dono da área. A regularização fundiária, seja no cartório ou na Justiça, começa com o levantamento da matrícula da área. O documento permite identificar o proprietário e os donos dos imóveis vizinhos, chamados de confinantes ou confrontantes, que também precisam ser ouvidos.

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Caso o dono da área pretendida não seja localizado, a Justiça faz citação por edital. Se, ainda assim, ele não se manifestar, o magistrado nomeia um defensor público, medida para assegurar o direito à defesa.

“Precisamos da matrícula para ingressar com a ação. Além de contas [luz, água] em nome da pessoa, documentos que comprovem decurso de tempo no imóvel, provas de que não houve nenhuma forma de violência para entrar no imóvel. A partir da citação de todo mundo é que o processo vai andar. Dependendo da situação, a duração pode variar de cinco a 10 anos”, detalha o advogado.

Prefeitura analisa 200 áreas, mas prioriza urgências

Menino em calçada na entrada da Favela do Mandela, em Campo Grande. (Foto: Paulo Francis)
Menino em calçada na entrada da Favela do Mandela, em Campo Grande. (Foto: Paulo Francis)

Com perímetro urbano capaz de absorver até três milhões de habitantes, Campo Grande tem 200 áreas em processo de regularização fundiária. Para seleção dos locais que serão regularizadas, são dois caminhos: a pessoa pode procurar a prefeitura ou o processo se dá por meio de requerimento interno da própria Amhasf (Agência Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários).

Segundo a agência de habitação, a demanda de áreas a regularizar é grande. “Diante disso, não dispomos de mapeamento completo do que ainda temos a regularizar, mas estamos trabalhando em áreas com ocupações antigas que aguardavam há muito tempo a regularização (atualmente 200 áreas em tramitação)”, informa. A meta é concluir a regularização de três mil lotes urbanos.

O trabalho começa pelo levantamento de ocupações irregulares mais precárias, que necessitam de atenção e solução mais urgentes. Nesta lista do poder público, estão a Favela do Mandela (prolongamento da Avenida Norte-Sul), Alphavela (Portal Caiobá), Comunidade Esperança, Água Funda e Estrela da Manhã (Jardim Noroeste).

Prefeitura prioriza regularização nas ocupações que tem famílias em situação mais precária. (Foto: Marcos Maluf)
Prefeitura prioriza regularização nas ocupações que tem famílias em situação mais precária. (Foto: Marcos Maluf)

Conforme a prefeitura, qualquer cidadão pode comparecer à agência, munido de documentos pessoais e informações sobre área a qual pretender que seja regularizada. O próximo passo é abertura de processo administrativo.

“Cabe esclarecer que a abertura do processo de requerimento não é garantia da regularização do imóvel. Somente após a análise da equipe técnica, se poderá dar resposta sobre realização do projeto de regularização ou não”.

Todas as áreas propostas para regularização passam por avaliação da Coarf (Comissão de Acompanhamento de Projetos de Regularização Fundiária), formada por membros da Semadur (Secretaria de Meio Ambiente e Desenvolvimento Urbano), Planurb (Agência Municipal de Meio Ambiente e Planejamento Urbano), PGM (Procuradoria-Geral do Município), Sisep (Secretaria de Infraestrutura e Serviços Públicos), Agetran (Agência Municipal de Transporte e Trânsito) e Amhasf. Após a análise do processo, a comissão delibera sobre a regularização fundiária.

A Agência Municipal de Habitação e Assuntos Fundiários fica localizada na Rua Íria Loureiro Viana, 415, Vila Oriente. O telefone é (67) 3314-3900.

Na Rua Poética, Alphavela sonha em desaparecer

Verônica (ao centro) mora na Alphavela e tem barraco quase grudado em torre de alta tensão. (Foto: Marcos Maluf)
Verônica (ao centro) mora na Alphavela e tem barraco quase grudado em torre de alta tensão. (Foto: Marcos Maluf)

Limite entre a roça e a cidade, a Rua Poética, no Portal Caiobá, é o endereço da Alphavela, ocupação irregular que sonha em desaparecer. Com o nome que traz uma travessura, unindo Alphaville (condomínio de luxo) e favela, o local tem 70 barracos. Lá, as famílias aguardam pela remoção para um novo terreno, a ser indicado pela prefeitura.

Há três anos, Verônica Iara da Silva, 45 anos, mora num barraco quase grudado a uma torre de alta tensão. Na gigante estrutura metálica, passam cabos que podem variar de 69 mil a 230 mil volts de tensão. Apesar do perigo, Verônica vê na torre uma “boa vizinha”.

 Afinal, a estrutura de concreto, na base da torre, é quem livra o seu lar da violência da enxurrada. Com essa barreira, as águas são direcionadas para a Rua Poética, a via intransitável e tomada por erosão em frente aos barracos.

Verônica morava na zona rural e construiu a casa com o que encontrou descartado pelas ruas. “Cheguei sem eira nem beira. Aqui era puro mato. Limpei e recolhi forro, portão de ferro, tábua de guarda-roupa e telha para fazer o barraco. É 100% material de reciclagem”, conta.

Ela recolhe matérias recicláveis e vende para a reciclagem, com renda de R$ 400 por mês. Na frente do barraco, na manhã de segunda-feira (dia 14), um cachorrinho passava o tempo roendo um osso. Já a água, luz e televisão ficam na cota do “gato”, as ligações irregulares.

Paula Correia da Silva, 29 anos, que lidera a Alphavela na busca por uma moradia digna, afirma que a expectativa é trocar de endereço em março. “São famílias pobres, que precisam”.

 A esperança vem de áudio, em que funcionário da prefeitura repassa várias instruções. Como não construir casa de alvenaria, porque o material será perdido, e que não adianta novas famílias chegarem ao local, pois os barracos já foram cadastrados. Os moradores vão receber lotes. Até a remoção, a vida segue escassa de poesia na Rua Poética.

Sem poesia e sem carros: Na Rua Poética, enxurrada deixa a via intransitável. (Foto: Marcos Maluf)
Sem poesia e sem carros: Na Rua Poética, enxurrada deixa a via intransitável. (Foto: Marcos Maluf)


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