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Capital

Existe vida após um acidente, mas ela muda, e muito, mostra Éder Túlio

Paula Maciulevicius | 22/07/2012 13:35
Para Eder Túlio, as novidades de uma rotina entre trabalhos e fisioterapia, deixam o trauma do acidente de trânsito no passado. (Foto: Rodrigo Pazinato)
Para Eder Túlio, as novidades de uma rotina entre trabalhos e fisioterapia, deixam o trauma do acidente de trânsito no passado. (Foto: Rodrigo Pazinato)

“Estou muito bem. A prótese chegou, estamos fazendo testes. Há dois meses nado, vou começar canoagem, passei no vestibular e começo Publicidade e Propaganda em agosto”. É tanta novidade que o personagem chega a perder o fôlego ao contar da rotina. Coisas boas para quem viveu momentos de angústia ao perder uma perna num acidente de trânsito.

Estamos falando de Eder Túlio Pereira Bezerra, 22 anos. Um jovem bem humorado, bonito, comprometido há cinco meses. Conheceu a namorada já na cadeira de rodas, em fevereiro deste ano, três meses depois do acidente.

A madrugada que mudou a vida foi a do dia 10 de novembro, quando ele seguia com uma Honda Twister pela avenida Afonso Pena no sentido Centro/bairro e, logo após passar pelo cruzamento com a avenida Ernesto Geisel, foi atingido por uma caminhonete.

Neste domingo ele recebeu a equipe do Campo Grande News na casa dos sogros. Enquanto fala dos rumos que a vida tomou pós-acidente, quem escuta acredita que ele deixou de lado e considera passado o fato de ser vítima do trânsito.

Com o dinheiro do Dpvat (Seguro de Danos Pessoais Causados por Veículos Automotores de Via Terrestre) somado a um empréstimo, ele comprou um carro automático, tirou a nova Carteira de Habilitação e busca o benefício de ter 60% de desconto no IPVA por ter deficiência física. Mas ainda está enrolado na burocracia para ter direito a estacionar em vaga para cadeirante.

No meio da entrevista interrompe para dizer que além de ter todas aquelas novidades já ditas acima, comprou uma câmera profissional e faz bicos de vez em quando. “Não fico parado, não consigo, quero nadar, quero fazer faculdade, estou no comitê trabalhando em política à tarde”.

A reportagem pergunta a que horas ele dorme, se dentro de tudo isso ainda faz fisioterapia todos os dias. A resposta são só risadas.

Entre as novidades na vida de Eder Túlio, é a prótese que ele conseguiu no CER (Centro Especializado de Reabilitação). A perna que lhe dará sustentação melhor para os passos que o jovem vai dar na vida chegou há duas semanas.

“É muito estranho, um corpo estranho, incomoda um pouco. Mas é só esperar calejar, aí funciona bem”, comenta, sobre a perna ferida.

A lição que levou do trânsito é passada espontaneamente adiante, principalmente às crianças que chegam sem pudor algum e perguntar de cara ‘o que acontece com a sua perna’, ao jovem.

“Eu só respondo não anda de moto. É meio engraçado. Porque às vezes eu ouço baixinho as crianças perguntando para o pai: porque ele não tem perna?”, conta.

O menino que hoje sorri, oito meses após o acidente, retomou a vida por completo e não nega que passou por maus bocados. “Na Santa Casa foi um período difícil, eu pensava que a minha vida tinha acabado. Aí quando eu saí comecei a pesquisar na internet e descobri gente que corre e faz até Muay Thai com a prótese. Eu não posso escalar o Everest, mas o resto, eu posso tudo”.

Eder durante a fisioterapia. Em janeiro deste ano, jovem iniciava tratamento, alguns quilos mais magro e ainda com limitações. (Foto: Arquivo/João Garrigó)
Eder durante a fisioterapia. Em janeiro deste ano, jovem iniciava tratamento, alguns quilos mais magro e ainda com limitações. (Foto: Arquivo/João Garrigó)

A escolha pela natação foi por já se considerar um dos peixes da família. A mãe é professora no esporte que acabou por ajudar na fisioterapia, principalmente com o braço esquerdo, que ainda não estica totalmente, mas deu bem mais força.

A última conversa que Eder teve com o Campo Grande News foi em janeiro, quando começava o tratamento de fisioterapia. Na época, pesava 58 kg, hoje está com 71 kg. É porque além de nadar, ele não só malha como levou a namorada para a academia.

A rotina com a prótese é treinada em casa e no Centro. “No primeiro dia, encaixei e consegui ficar em pé, mas não andei. Foi muito bom, uma sensação muito boa. Vou reaprender e depois andar por tudo que é lado”, diz. Por enquanto os passos são com auxílio de muletas.

Pelo destino, foi o trânsito que pôs Eder nesta situação. E é com ele que hoje o jovem tem maior preocupação. No dia do acidente, Eder não tinha ainda a habilitação para motocicleta. Só para dirigir carro. As duas rodas que o levaram para a colisão ainda despertam paixão no rapaz.

“Eu gosto de moto, tenho aquela fissura, mas aquele trauma ainda permanece. Quando eu vejo alguém acelerando, ou fazendo uma curva onde estou eu penso, não essa não, acerta nessa curva pelo amor de Deus”. Reflexo do que ficou até hoje desde aquela madrugada.

Ele já chegou a sonhar que estava andando de moto e trocava a marcha com a prótese. Ter uma motocicleta não saiu dos planos do condutor, apesar do acidente. “É questão de adaptação. Se eu puder, eu vou ter. Mas não para andar neste trânsito, só para viajar”, comenta.

Hoje na postura de quem já sofreu as dores e carrega as consequências de uma fatalidade ou inconsequência, enxerga o ir e vir de veículos de outro modo. Com outros olhos.

“Em Campo Grande, seta é luxo, nenhum veículo dá. Enquanto um está dirigindo, o olho está no celular ou no tablet. E chega até a postar no facebook, ‘trânsito infernal’. Mas é claro que vai estar assim, a pessoa tenta fazer seis coisas ao mesmo tempo. Há qualquer momento pode acontecer alguma coisa”.

Eder admite que havia ingerido bebida alcoólica naquela noite. O motorista envolvido no acidente também, afirma. Vendo a situação de fora e de longe, ele agora reforça que o álcool influencia sim no reflexo e que se a combinação não tivesse sido a soma de álcool mais velocidade... “Talvez se eu tivesse devagar... Mas se eu freasse ali, seria pior, teria entrado debaixo do carro. Ali podia ter sido um cachorro, uma pessoa. Você tem que cuidar o tempo todo”.

Hoje o que ele guarda consigo é o reflexo de ouvir uma batida e ver ao lado se não foi com ele e a experiência de sobreviver ao trânsito.

“Já que aconteceu vamos ser otimistas e tirar o máximo de proveito. Se era para acontecer, aconteceu. Agora é erguer a cabeça e seguir caminhando, nem que seja de prótese”, finaliza.

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