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Capital

Fome: indígenas da Capital estão há 3 meses sem receber cestas básicas

Desde dezembro, as comunidades urbanas estão passando necessidade e deixando de comer o básico para sobreviver

Gabriela Couto | 01/03/2023 06:28
Indígena carrega cesta básica entregue pelo Estado. (Foto: Arquivo/Monique Alves)
Indígena carrega cesta básica entregue pelo Estado. (Foto: Arquivo/Monique Alves)

Os indígenas de Campo Grande estão passando fome. O segundo Estado do País com maior número de povos originários tem na sua Capital milhares de famílias de diversas etnias passando necessidade. Desde dezembro do ano passado as cestas básicas que eram repassadas pela Funai (Fundação Nacional dos Povos Indígenas), em parceria com a Conab (Companhia Nacional de Abastecimento), deixaram de chegar para as aldeias urbanas.

No último censo, em 2010, dos 77.025 indígenas em Mato Grosso do Sul, 5.687 moravam em Campo Grande. O número deve ser maior com a divulgação do Censo 2022, concluído pelo IBGE (Instituto Brasileiro de Geografia e Estatísticas) nesta terça-feira (28).

As comunidades são lideradas por 12 caciques reconhecidos pela Funai e que estão espalhados pela cidade. O cacique Ribeiro Balbino, 73 anos, que representa os terenas das aldeias de Miranda que moram no Jardim Inápolis, em Campo Grande, resume a dificuldade.

Geladeira de uma família da aldeia urbana Marçal de Souza, em Campo Grande. (Foto: Direto das Ruas)
Geladeira de uma família da aldeia urbana Marçal de Souza, em Campo Grande. (Foto: Direto das Ruas)

“Estamos na espera, enquanto isso estamos nos virando. Fazemos ‘diárias’ e tocamos a vida. Falta de tudo. O sacolão que sempre vinha ajudava bem. Agora temos que comprar só as misturas básicas. Aqui na cidade não temos terreno para plantar alguma coisa”, explica. No local moram 80 terenas que dividiam 68 cestas básicas que pararam de chegar para as famílias.

Na aldeia urbana Marçal de Souza, no Bairro Tiradentes, a indígena identificada apenas como Gisele afirma que as cestas estão fazendo muita falta. “A maioria de nós indígenas do contexto urbano vivemos de aluguel. Temos nossas obrigações como a água, a luz, entre outros compromissos. Essa cesta nos ajuda bastante no orçamento familiar e tem feito muita falta em meio a crise que estamos passando, com aumento dos valores dos alimentos e o desemprego. Muitas famílias têm apenas o básico na sua alimentação, deixando de comprar frutas, verduras, entre outras coisas, que são tão importantes na alimentação, principalmente das crianças”, lamenta.

Todos os caciques de Campo Grande emitiram uma nota conjunta sobre a situação. “Há três meses sem receber as cestas básicas de alimentos a que tem direito, comunidades indígenas do contexto urbano de Campo Grande tem vivido uma triste realidade, pois a resposta dos órgãos responsáveis é ‘estamos sem ter o que fazer e aguardando’”. O documento ainda traz um breve histórico da luta das lideranças em busca dos direitos a segurança alimentar.

Desde agosto do ano passado iniciaram as tratativas via MPF (Ministério Público Federal). Somente em setembro, Conab e Sedhast (Secretaria de Estado de Direitos Humanos, Assistência Social e Trabalho) se reuniram com os caciques. “Verificou-se que, para além dos atrasos, a quantidade de cestas entregues é menor do que a quantidade de famílias residentes nas comunidades. Há comunidades, como a aldeia Água Bonita, que receberam os alimentos somente durante o auge da pandemia de covid-19 e que há meses não têm mais acesso às cestas. De acordo com a Conab, a entrega das cestas está atrelada à atuação da Funai, tanto no que se refere à relação das famílias que receberão o benefício quanto à logística de entrega propriamente dita, que dependeria da presença de servidor(es) da Fundação para ser realizada. A Funai foi convidada a participar da reunião, mas não compareceu”, especifica o documento.

Fiscal da Funai coordenando entregas de cestas básicas quando Conab repassava alimentos. (Foto: Arquivo/Funai)
Fiscal da Funai coordenando entregas de cestas básicas quando Conab repassava alimentos. (Foto: Arquivo/Funai)

Entenda – Em agosto de 2018 houve decisão liminar na referida ação civil pública, por parte do TRF3, determinando que o governo de Mato Grosso do Sul efetuasse o cadastramento de todas as famílias indígenas residentes no Estado, tanto em áreas “regularizadas” quanto em áreas “não regularizadas”, para garantir a entrega das cestas. Em novembro de 2022 foram entregues as cestas em atraso e desde então não receberam mais nada.

“Com o cadastro atualizado em mãos, a União deveria promover a entrega mensal a famílias estabelecidas em áreas de retomada. Como foi possível perceber pelos relatos das comunidades, tal decisão vem sendo reiteradamente descumprida”.

Sem resposta - Desde segunda-feira (27) a Funai foi procurada para dar explicação pela inércia de respostas. Os indígenas estão sem condições dignas de alimentação há três meses e seguem sem previsão de uma resposta. Além disso, com a transição do governo federal, não foi estabelecido um novo comando nas coordenadorias da fundação.

Extraoficialmente, uma funcionária da Funai de Campo Grande explicou que as cestas não são compradas pela fundação, mas sim disponibilizadas pela Conab, que compra os alimentos e monta as cestas.

“A Funai só indica as famílias indígenas que vão receber e acompanhar as entregas para depois prestar contas. Ocorre que os recursos para a Conab ainda não foram repassados pelo Ministério do Desenvolvimento Social. É uma ação descentralizada, regida por TED (Termo de Exceção Descentralizada) e que depende da liberação de recursos públicos. Assim todo começo de ano temos atrasos, infelizmente. Isso ocorre todo ano”, justificou com naturalidade.

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