Franciele caminhava horas para poder estudar e hoje ensina profissão
Com uma filha pequena e a conta bancária zerada, ela atravessava a cidade a pé para não perder aulas
Aos 38 anos, Franciele Mendes já andou por horas a pé para costurar o próprio destino. Literalmente. Quando ainda morava no Interior de São Paulo, com uma filha pequena nos braços e a conta bancária zerada, ela atravessava a cidade a pé para não perder as aulas do curso de costura. Eram duas horas de caminhada por dia, todos os dias, com um sonho na mochila e marmita na mão.
“Eu saía de casa às seis da manhã, o curso começava às sete. Voltava só depois da uma da tarde. E à noite, virava madrugada com minha mãe costurando. A gente trabalhava até duas da manhã”, relembra. “Passei muita dificuldade, teve dia que fiquei sem comer, sem gás em casa, mas eu sabia que aquilo ia mudar minha vida”, conta.
E mudou!
Hoje, Franciele é dona do próprio ateliê e tem uma marca registrada em Bataguassu, a Chica Modas, nome que carrega uma homenagem ao pai, Francisco. Além disso, de aluna esforçada, virou professora e ensina costura para outras mulheres na cidade.
Desde o início do ano, ela é professora do Projeto Costura Sustentável, que reaproveita resíduos florestais para transformar o que seria lixo em bolsas e acessórios cheios de estilo, gerando renda e promovendo sustentabilidade.
“É incrível ver as meninas se descobrindo, assim como eu me descobri lá atrás. A costura mudou minha vida. E agora estou ajudando outras a mudarem a delas”, afirma.
A virada de chave começou com o nascimento da filha Ana Clara, hoje com 14 anos. Franciele havia acabado de ganhar uma bolsa para cursar Administração, mas desistiu da faculdade para cuidar da filha. Com a ajuda da mãe, que já era costureira, ela enxergou o ofício da mãe como uma outra oportunidade de vida.
“Nessa época eu ainda morava em Presidente Prudente e queria algo que me deixasse perto da minha filha. Minha mãe me incentivou a fazer o curso e disse que ajudaria com a bebê. No primeiro dia de aula, a professora já falou que eu tinha muita habilidade. Foi aí que descobri meu dom”, revela.
No entanto, a rotina era dura. Sem dinheiro para transporte, Franciele caminhava até a escola de costura. Estudava de manhã, cuidava da filha à tarde e costurava à noite. E mesmo com todas as adversidades, ela concluiu os cursos de corte e costura, modelagem e malharia. “Fiz um ano inteiro de formação. Foi exaustivo, mas não me arrependo de um dia”, avalia.
Com o diploma na mão e alguma experiência, ela começou a trabalhar para fábricas da cidade. Em três anos, já tinha seu próprio equipamento. Foi aí que veio para o Mato Grosso do Sul.
De volta a MS com máquinas, coragem e um sonho
Quando desembarcou em Bataguassu, a trabalhadora trouxe na bagagem todas as máquinas e tecidos que conseguiu reunir. Enquanto conquistava a clientela local, o passo seguinte foi a formalização. Franciele se tornou microempreendedora individual (MEI) com a ajuda do padrasto. “Ter o MEI me deu segurança. Posso emitir nota, tenho acesso a benefícios, e é muito mais fácil abrir portas como empreendedora”, pontua.
A formalização mudou o patamar do negócio. “Antes eu trabalhava em uma padaria e hoje minha renda mais que triplicou. A costura me deu minha vida. Me trouxe segurança, liberdade e identidade. Além disso é uma profissão que se reinventa, a gente se adapta. Na época da covid mesmo, comecei a fazer máscaras. Sempre tem um jeito”, acrescenta.
Segundo ela, peças feitas por ela em Bataguassu já chegaram longe, até no Rio de Janeiro. “É meu sonho conhecer o Rio. Ainda não fui, mas minha peça já chegou lá. Uma cliente levou para a filha e me mandou uma foto. Isso é gratificante”, diz
Hoje, além da Ana Clara, Franciele tem João Felipe, de 8 anos. Ambos foram criados com o dinheiro da costura. “Nunca mais trabalhei fora, só um ano numa fábrica de fantasias que abriu na cidade, mas foi rápido. De lá para cá, só com meu ateliê mesmo. Empreender é um desafio, mas é maravilhoso quando você empreende no que ama. Eu achava que ia fazer Administração só para pagar as contas, mas Deus usou a minha filha para mudar meu destino. E hoje eu sou feliz com o que faço”, destaca.
Projeto sustentável com impacto social
Além do ateliê e da marca própria, Franciele se tornou professora. Atualmente, dá aulas em um projeto que ensina mulheres a costurar bolsas e acessórios com resíduos florestais. A iniciativa, desenvolvida pela MS Florestal em parceria com a Bracell Social e o Sebrae-MS, reaproveita resíduos que seriam descartados e transforma tudo em matéria-prima.
O projeto oferece capacitação gratuita, insumos e apoio técnico para as mulheres produzirem peças com valor agregado. Franciele é uma das responsáveis por transmitir os conhecimentos técnicos, modelagem e acabamento. “Tem mulher que nunca pegou numa agulha e hoje está vendendo bolsa na cidade. É lindo de ver”, conta.
O projeto gera renda extra para 25 mulheres da comunidade, com a reutilização de resíduos da silvicultura. Na prática, o que poderia ser descartado em aterros, como bags de fertilizantes e uniformes usados, vira matéria-prima para bolsas, acessórios e até novos uniformes.
Além de reduzir o impacto ambiental, o projeto feito exclusivamente por mulheres também estimula o empreendedorismo feminino.
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