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Capital

No Setembro Amarelo, mulher tenta suicídio, mas sequer vê psiquiatra

"O suicídio é o último ato, contra o bem maior. E sai de lá sem amparo, sem medicação, sem remédio"

Aline dos Santos | 19/09/2017 10:05
Situação aconteceu no CRS do bairro Tiradentes. (Foto: Arquivo)
Situação aconteceu no CRS do bairro Tiradentes. (Foto: Arquivo)

Uma mulher amarrada, faminta, agressiva e que há poucas horas tinha buscado a morte numa overdose de remédios. A tristeza do quadro presenciado no CRS (Centro Regional de Saúde) Tiradentes comoveu a universitária Alessandra Gomes, 35 anos.

Solidária, comprou chipas para a paciente e acompanhante. Mas, viu, indignada a mulher deixar o local sem ter passado por um médico psiquiatra. A cena foi nesta semana, um dia de setembro, mês marcado pela campanha maciça de alerta sobre suicídio.

“Fico chateada e muito indignada. Coloca lá bonitinho 'Setembro Amarelo', mas não existe atendimento. O suicídio é o último ato, contra o bem maior. E sai de lá sem amparo, sem medicação, sem remédio”, diz.

Alessandra era acompanhante do irmão, que precisava de medicação indicada por psiquiatra. Segundo ela, o profissional só apareceu depois que seu pai foi à Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) e fez reclamação na Ouvidoria

A acompanhante da mulher, cuja situação tanto comoveu a universitária, conta que é vizinha e, ao saber que a amiga tinha ingerido medicamentos, chamou os bombeiros. Ela foi levada para o posto do bairro Tiradentes na noite de terça-feira (dia 12). Saiu de lá na quarta à tarde.

“Chegou lá, fez lavagem e ate então foi bem atendida”, relata a amiga, que terá o nome preservado para não identificar a paciente. A dificuldade é que a unidade não tem psiquiatra e não havia certeza de que horas o médico iria passar. “É tanta campanha, mas na hora que a pessoa precisa”, diz.

Ela relata que a amiga faz tratamento para depressão e, sem medicamento, teve surto e tentou suicídio. “Foi a primeira vez que ela fez isso. Agora, vou levar para continuar o tratamento, cuidar dela ”, diz.

De acordo com o médico psiquiatra Marcos Estevão Moura, Campo Grande não tem uma emergência psiquiátrica para a rede pública. Soma-se ao problema a falta de profissionais e a luta antimanicomial, que preconiza ser mais humano o tratamento do paciente em casa, longe do ambiente hospitalar.

“Mas temos que aumentar os leitos hospitalares. O ideal é que pudesse fazer um tratamento. Tem um psiquiatra itinerante passando pelas unidades pronto atendimento. O que acontece? Termina o horário ele vai embora”, afirma.

Ainda de acordo com o médico, são 70 psiquiatras em Campo Grande, mas maioria evita o SUS. (Sistema Único de Saúde). “Não há motivação para o médico especialista em psiquiatria entrar na rede pública. Os salários são aviltantes e tem exigência de atender 16 pacientes em quatro horas, mínimo preconizado pela Organização Mundial de Saúde. Atendimento muito rápido para a psiquiatria”, salienta Marcos Estevão.

Na cidade, conforme o especialista, a rede pública tem cerca de 50 leitos para atendimento psiquiátrico, divididos entre Santa Casa, Nosso Lar, Hospital Regional Rosa Pedrossian e Caps (Centro de Atenção Psicossocial) Aero Rancho. No HR, as vagas são para desintoxicação de drogas. No Caps, o prazo de permanência termina em 72 horas.

“É um comportamento criminoso o fechamento de leitos, permitindo que fique em unidade de pronto-atendimento sem nenhuma infraestrutura para isso”, afirma o especialista. A Santa Casa pretende transferir os leitos da psiquiatria para o hospital Nosso Lar.

Rede – A Sesau (Secretaria Municipal de Saúde) informa que tem convênio com a Santa Casa (10 leitos), Nosso Lar (30 leitos ) e Hospital Regional (12 leitos) para tratamento psiquiátrico.

Fora a rede hospitalar, o atendimento para Saúde Mental inclui oito unidades: seis Caps, uma unidade de acolhimento adulto e uma residência terapêutica. São 36 médicos, com 15 psiquiatras e 21 clínicos.

Ainda de acordo com a secretaria, dos seis Caps, quatro realizam atendimento 24 horas. Em média, os centros atendem 2.400 pessoas.

No ano passado, a Sesau registrou 891 notificações de tentativas de suicídios. Em 2017, foram 512 casos no primeiro semestre. O principal meio utilizado nas tentativas de suicídio são a ingestão de medicamentos e substâncias tóxicas.

A secretaria ainda informa que o programa de prevenção de suicídio faz a busca ativa de todas as notificações de suicídio e oferta consulta médica e psicológica imediatamente para esses pacientes. Questionada sobre a reclamação relatada nesta reportagem, a resposta foi genérica.

“A equipe reguladora de fluxo visita as unidades conforme classificação de risco de todos os pacientes de todos os CRSs e UPAs levando em consideração a questão da data de entrada. Mas os pacientes já estão sendo imediatamente inseridos na regulação, independente da equipe da psiquiatria ter passado e visitado o paciente em uma unidade”.

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