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Todo dia uma mãe morre de covid e, independente da idade, a dor é sempre imensa

Na semana em que mães ganhariam flores pela data de hoje, filhos deixaram coroas em túmulo

Paula Maciulevicius Brasil | 09/05/2021 07:12
Na semana em que mães ganhariam buquês pelo dia de hoje, filhos deixaram flores em túmulos. (Foto: Henrique Kawaminami)
Na semana em que mães ganhariam buquês pelo dia de hoje, filhos deixaram flores em túmulos. (Foto: Henrique Kawaminami)

Todo dia uma mãe morre de covid-19 em Campo Grande, no Estado, neste País. E não tem idade ou comorbidade que justifique ou console a partida de uma mãe. Para quem fica, a saudade sempre vai ser imensa, assim como a dor. Na semana em que elas ganhariam flores pela data de hoje, filhos deixaram coroas nos túmulos de Valdete, Célia e Sônia.

Aos 58 anos, o sonho da vida de Valdete Benabenuti Rodrigues era o de ser avó. Amor que ela pode vivenciar por apenas um mês. Mãe de Ellen e de Evelyse, e avó de Gustavo, Valdete sempre valorizou as coisas simples da vida e queria só fazer o bem. Cuidou da família até o final e tinha muito medo de transmitir o vírus para alguém, em especial o marido.

Valdete entre as flores que ela tanto amava. Mãe de Ellen e de Evelyse partiu há sete dias, vítima da covid-19. (Foto: Arquivo Pessoal)
Valdete entre as flores que ela tanto amava. Mãe de Ellen e de Evelyse partiu há sete dias, vítima da covid-19. (Foto: Arquivo Pessoal)

Juntos há 40 anos, Valdete conheceu Aurelino nas quermesses da Igreja São Sebastião, em Campo Grande, em 1981. O casamento aconteceu quatro anos depois. "Desde que começou a pandemia, eles se isolaram. Minha mãe tinha muito medo de pegar, usava duas ou três máscaras, se preocupava com todos, principalmente com meu pai que é cardiopata". Quem conta a história da mãe é a caçula Evelyse Rodrigues de Freitas Patinho, publicitária, de 29 anos.

Ao lado do esposo Aurelino, Valdete em uma das últimas fotos de toda a família, com a filha Evelyse, o genro Edson, a filha Ellen e o genro Everton. (Foto: Arquivo Pessoal)
Ao lado do esposo Aurelino, Valdete em uma das últimas fotos de toda a família, com a filha Evelyse, o genro Edson, a filha Ellen e o genro Everton. (Foto: Arquivo Pessoal)

Sem nenhuma comorbidade, Valdete se isolou junto do marido. As visitas das filhas e genros eram feitas na varanda de casa. Nem ao mercado eles iam. Tudo era entregue em casa.

As viagens que o casal costumava fazer quase todos os meses depois da aposentadoria de Aurelino ficaram só nas fotos e nas lembranças. Quando a filha Ellen disse que seria mãe, Valdete ficou radiante e comprou todo o enxoval para o primeiro neto pela internet.

"O neto nasceu e ela foi para a casa da minha irmã. Foi quando saiu de casa, para cuidar do tão sonhado neto. Gustavo nasceu dia 23 de março, ela foi para a casa da minha irmã dia 24, e os sintomas começaram dia 2".

Valdete não tinha se vacinado ainda, porque o calendário parou nos 59 anos. De imediato, ela suspeitou da covid-19, passou a usar máscara e veio embora para a casa. Ficou isolada em outro quarto, tamanho o medo de passar para o marido. A família acredita que Valdete tenha pego da filha e do genro que contraíram na maternidade. O casal não chegou a ter sintomas mais fortes e descobriram somente depois que a Valdete manifestou o mal estar, quando fizeram o teste.

Valdete conhecendo o neto Gustavo, em casa, um dia após o nascimento. (Foto: Arquivo Pessoal)
Valdete conhecendo o neto Gustavo, em casa, um dia após o nascimento. (Foto: Arquivo Pessoal)

Internada no dia 9 de abril, cinco dias depois Valdete foi para a UTI, acabou sendo intubada e faleceu no dia 2 de maio. "Foi devastador. Nós éramos muito próximas, falávamos várias vezes ao dia. Ela me ligava de manhã por vídeo chamada, está sendo muito difícil", descreve Evelyse.

Como já havia passado o tempo de transmissão, o corpo da mãe foi velado, e para a despedida, as filhas encomendaram uma coroa de flores toda em rosas vermelhas, as preferidas da mãe, que seriam dadas em um buquê de presente neste domingo.

"Eu vejo as propagandas na TV, nas redes sociais, e ficamos sem acreditar. Por que nossa mãe se foi? Não consigo acreditar, a qualquer momento parece que ela vai abrir a porta entrar e dizer que está tudo bem", espera a filha.

Célia com o inseparável tereré e um dos gatos, bicho que tanto amava. (Foto: Arquivo Pessoal)
Célia com o inseparável tereré e um dos gatos, bicho que tanto amava. (Foto: Arquivo Pessoal)

Na semana em que os filhos de Célia Ceballos, de 49 anos, comprariam carne e cerveja para o churrasco deste domingo, tiveram a missa de 7º dia da mãe na última sexta-feira (7). Ativa, alegre, apaixonada por gatos, e sempre presente na vida dos quatro filhos e netos, não tinha comorbidades e nada que pudesse indicar sua partida tão repentina.

"Ela gostava muito de tereré e reunião familiar. Tomava uma cervejinha de vez em quando, mas o que nunca faltava era o tereré", conta a filha Orquídea Zelia Ceballos de Oliveira, de 34 anos, depiladora.

Até agora a família também não compreende como foi possível Célia entrar falando e andando no hospital e sair num caixão. Os sintomas começaram no dia 20 de março e a cada ida ao posto de saúde, ela era liberada. Até que no dia 27 passou mal, voltou à unidade e lá ficou esperando vaga.

Orquídea, Vítor Henrique, Célia, Hortência e Júlio César. Mãe e os quatro filhos que hoje dariam tudo para comemorar o dia com um churrasco. (Foto: Arquivo Pessoal)
Orquídea, Vítor Henrique, Célia, Hortência e Júlio César. Mãe e os quatro filhos que hoje dariam tudo para comemorar o dia com um churrasco. (Foto: Arquivo Pessoal)

Célia deu entrada no hospital no dia 31 e desde então, os filhos não viram seu sorriso mais. "Intubaram ela na mesma noite. Ela ficou intubada 25 dias, teve melhora, extubaram, mas ela não aguentou e intubaram de novo. Com isso deu problema nos rins, e ela pegou uma infecção hospitalar", recorda a filha. No dia 31 de março, Célia morreu.

"Perdemos o chão. Nunca imaginávamos isso, porque ela teve melhora e de repente piorou. Estamos todos sem acreditar ainda".

Célia tem um irmão, deficiente mental, de quem cuidava que segue internado e intubado em estado grave, também por covid. "Muito triste, sempre no Dia das Mães nos reuníamos, todos os irmãos, para um churrasco. Ela gostava muito. Agora nem sabemos como vai ser, meus irmãos querem ir ao cemitério levar flores".

A foto no Morro do Careca onde Sônia Salomão Borges, de 63 anos, exibe alegria e está de braços abertos foi feita dois anos atrás, durante uma viagem da família a Santa Catarina. Ali serão jogadas as cinzas dela, depois que a covid-19 a levou na semana passada.

Quando visitou o Morro do Careca, em Santa Catarina, Sônia falou do desejo de morar ali. Cinzas dela serão jogadas no local onde ela abriu os braços e sorriu dois anos atrás. (Foto: Arquivo Pessoal)
Quando visitou o Morro do Careca, em Santa Catarina, Sônia falou do desejo de morar ali. Cinzas dela serão jogadas no local onde ela abriu os braços e sorriu dois anos atrás. (Foto: Arquivo Pessoal)

"Era o lugar onde ela mais amava. Nessa foto ela falou que ainda queria morar ali. Ela é muito amada, ninguém acredita ainda. Foi muito rápido", diz uma das filhas, Deise Cristina Borges de Moraes, de 41 anos.

Cheia de vida e mãezona para todas as horas, Sônia tinha muita fé a ponto de colocar o nome dos três filhos de Dênis, Deise e Damir. "Todos com a letra D por causa de Deus", explica Deise.

Dona Sônia só pensava em ver a família reunida, nada era para si, tudo era para os filhos e o marido. Muito simples, não gostava de maquiagem nem nada sofisticado, mas, nas palavras da filha, ficava bonita de qualquer jeito. "Ela era iluminada naturalmente, sabe?" apresenta a mãe.

Deise morava com os pais junto da filha de 11 anos e estaria planejando para hoje uma cesta café da manhã acompanhava de uma rasteirinha, porque o que importava para Sônia era estar confortável.

"Eu nunca imaginei que existisse uma dor como essa. São dias terríveis, tenho fé em Deus que um dia sentirei só saudades, sem dor", espera a filha.

Engraçada, dona Sônia dava gargalhadas inesquecíveis e, de cabelos brancos, era daquelas mães que falava palavrão quando precisava e sabia se divertir e divertir quem estivesse ao seu redor.

Valdete, Célia e Sônia deixaram saudades.
Valdete, Célia e Sônia deixaram saudades.


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