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Capital

Um mês após assassinato, na voz da mãe a lembrança de Carla é amor

Evanir, que se despediu da filha da forma mais triste, preserva o quarto da jovem sem mexer e espera Justiça para o criminoso

Marta Ferreira | 29/07/2020 17:57
No álbum de fotos, Carla faz pose e a mãe relembra: adorava se maquiar e fazer foto. (Foto: Silas Lima)
No álbum de fotos, Carla faz pose e a mãe relembra: adorava se maquiar e fazer foto. (Foto: Silas Lima)

Esta quinta-feira (30 de julho) marca o primeiro mês de uma tristeza que agora ocupa o cotidiano de Evanir Santana Magalhães, de 58 anos. Há 30 dias, por volta das 19h50, ela ouviu pela última vez  a voz da filha caçula, Carla Santana Magalhães, de 25 anos. Eram gritos de desespero, de socorro.

Desde então, a moradora do Bairro Tiradentes convive, muro a muro, com a lembrança de que, na casa ao lado, Marcos Vilalba de Carvalho, de 21 anos, assassinou Carla brutalmente e dormiu dois dias corpo de baixo da cama. Ao mesmo tempo, fortalece-se a lembrança de uma filha que ela resume em uma palavra: "amor".

“É muito triste”, diz Evanir várias vezes na conversa de pouco menos de uma hora com o Campo Grande News sobre a morte violenta de Carla. “O que ele fez com minha filha. Ele foi muito cruel”, balbucia.

Mas Evanir resiste e diz não arredar o pé dali, ao ser indagada se sentiu vontade de se mudar. "Vou me reerguer sozinha", define, citando que a moradia foi construída em terreno dado pela mãe, com esforço de anos da família.

“É ruindade”, sentencia sobre o assassino. Ela diz nunca ter tido contato com ele, morador no lugar há 9 meses, vindo de Bela Vista, onde nasceu. “Nunca nem cumprimentei”.

Naquele dia, Evanir correu para o portão da Rua Nova Tiradentes quando ouviu Carla gritar, depois de sair para comprar um pacote de café no mercado mais próximo. Na frente da casa não viu mais nada, nem sinal da “menina carinhosa”, companheira de mate todos os dias  pela manhã.

“Achei que iam roubar o celular dela, não era um celular baratinho”, observa.

O reencontro veio três dias depois, da forma como nenhuma família imagina. Carla foi “devolvida” morta, nua, com sinais de violência absurda, inclusive sexual, na varanda de bar a meia quadra da casa onde a família vive há 17 anos.

Lembrança dolorida - O pedido de ajuda à mãe, como é de se imaginar, não sai da cabeça da moradora do Bairro Tiradentes. “Eu fico ouvindo: mãe, tão me roubando”, conta ao Campo Grande News, no quarto preservado como foi deixado pela dona naquela noite do último dia de junho.

“Eu não vou mexer em nada, por enquanto vai ficar assim”, explica a mãe.  No armário, todas as roupas do jeito como ficaram, os sapatos nas caixas. Entre eles, o tênis branco recém comprado. "Ela usou uma vez".

Logo ao entrar no aposento, a dona de casa mostra as bonecas e bichos de pelúcia guardados desde a infância.

“Faz dois meses que ela pagou 50 reais para reformar essa boneca”, diz com o olhar fixo no brinquedo, as mãos numa espécie de carinho. Carla ganhou a boneca aos 4 anos.

Nas mãos da mãe, boneca que a jovem assassinada havia mandado reformar há dois meses. (Foto: Silas Lima)
Nas mãos da mãe, boneca que a jovem assassinada havia mandado reformar há dois meses. (Foto: Silas Lima)

Na parede de madeira, fotos com as sobrinhas, e o nome de cada escrito na parede: Vivi, Manu e Jennifer. “Ela era muito apegada às crianças”, cita Evanir.

Para evidenciar a afirmação, mostra o álbum de fotos da caçula com os sobrinhos. Há imagens posadas, de estúdio, e fotos espontâneas, de comemorações familiares.

A jovem adorava fazer fotografias. E gostava de estar maquiada. "Ela logo botava uma roupa, maquiagem era o que ela amava", fala, mostrando a necessárie com os produtos.

Evanir conta que Carla saia pouco, e dizia que, mesmo “se casasse”, não sairia da casa dos pais. Era, define a mãe, a companheira dela. “Era eu e ela e a minha neta de 10 anos”, diz.

Dos outros três filhos, um rapaz mora com ela, em outro imóvel terreno, e os dois vivem em moradias diferentes.  O marido trabalha fora, em Porto Murtinho, no Pantanal.

“Era uma menina carinhosa, ajudava quem pedisse. Eu, a minha irmã, a tia dela. Não tinha ninguém que falasse algo dela”.

Evanir mostra as roupas da filha vítima de violência brutal. Ela não mexeu em nada, nem pretende por ora (Foto: Silas Lima)
Evanir mostra as roupas da filha vítima de violência brutal. Ela não mexeu em nada, nem pretende por ora (Foto: Silas Lima)

Sobre os sonhos da filha, afirma que voltar a estudar estava entre eles. A jovem havia feito dois anos de Arquitetura, relembra, e ainda um curso na área de Administração.

A moça tinha preocupação com a qualidade de vida da família. Estava recebendo auxílio do governo federal durante a pandemia e planejava, observa a mãe, usar o próximo valor para “ajeitar” o quintal da residência.

“Ela só recebeu uma parcela, na segunda, aí ele fez isso com ela”, afirma, se referindo a Marcos André, matador confesso.

O jeito no terreno foi dado por amigos e parentes da família, depois da morte, em espécie de homenagem à vítima de violência.

No diálogo com a reportagem, Evanir só aumenta um pouco o tom de voz quando é perguntada sobre o criminoso e a informação da defesa de alegação de insanidade mental à Justiça.

“É mentira. Se ele fosse doido, ele não pagava aluguel direitinho, ele não ia trabalhar todo dia. Ele sabia muito bem o que estava fazendo”, diz.

No coração da mãe, o sentimento é de que o assassino precisa, no mínimo, passar a vida preso para pagar pelo que fez na justiça dos homens. “O jeito que ele matou a minha filha, o tanto que ele foi cruel. Estuprou, largou sem nada”, assinala.

O tênis comprado há pouco tempo, usado apenas uma vez. (Foto: Silas Lima)
O tênis comprado há pouco tempo, usado apenas uma vez. (Foto: Silas Lima)

Andamento – Preso preventivamente desde o dia 14 de julho, Marcos André Vilalba de Carvalho foi indiciado pela DEH (Delegacia Especializada de Repressão aos Crimes de Homicídios) por homicídio duplamente qualificado, por recurso que impossibilitou a defesa da vítima e feminicídio, em razão de menosprezo à condição de mulher. Também responde por vilipêndio e ocultação de cadáver. Juntas, as tipificações têm pena máxima de 38 anos.

A peça investigatória, relatada na semana passada pelo delegado Carlos Delano, titular da DEH, está agora esperando a análise do promotor Douglas Oldegardo dos Santos, responsável pela acusação formal. Depois disso, vai para a apreciação do juiz da 2ª Vara do Tribunal do Júri, Aluízio Pereira dos Santos, a quem cabe conduzir a ação penal.

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