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Interior

Agroecologia auxilia no combate ao alcoolismo em aldeias de Dourados

Projeto multidisciplinar inclui ações para prevenção do alcoolismo nas aldeias Jaguapiru e Bororó

Mylena Fraiha | 17/06/2023 13:48
Professora e moradores da aldeia: cultivo de horta e envolvimento da comunidade é uma ação para tentar afastar o alcoolismo (Foto: Acervo pessoal)
Professora e moradores da aldeia: cultivo de horta e envolvimento da comunidade é uma ação para tentar afastar o alcoolismo (Foto: Acervo pessoal)

Há um ano atuando no combate e prevenção do alcoolismo nas aldeias Jaguapiru e Bororó, em Dourados, a 233 km da Capital, o Projeto Cuidar já realizou quatro mutirões, com atendimento médico preventivo, palestras educativas, além de incentivar geração de renda da população indígenas com o cultivo de hortas.

Coordenado pela professora da UFGD (Universidade Federal da Grande Dourados) Gicelma Chacarosqui, o projeto de extensão não atende apenas as escolas e lideranças indígenas, mas também famílias em situação de alta vulnerabilidade, que são encaminhadas pelo Cras (Centro de Referência de Assistência Social) Indígena.

De acordo com Gicelma, o diferencial do projeto é a ação preventiva, voltada a conscientizar os jovens indígenas sobre os riscos que o alcoolismo traz à saúde. “A prevenção não se resume apenas a palestras e alertas sobre os danos do álcool e das drogas. Esses problemas estão enraizados não apenas no aspecto físico, mas também na abordagem que oferecemos em termos de saúde preventiva”.

A coordenadora do projeto também explicou que durante o segundo semestre do ano passado, a equipe buscou ouvir a comunidade indígena e entender suas necessidades. “Fizemos várias reuniões com professores, diretores, coordenadores das escolas indígenas de Dourados e com as lideranças, para ouvir a comunidade e entender de que forma a gente vai fazer a prevenção”, explica Gicelma.

Transversalidade - Posteriormente, o projeto foi estruturado em quatro eixos principais, que atuam de forma transversal e colaborativa. O eixo "Saúde e Interculturalidade", coordenado por um aluno de medicina da UFGD, é realizado em parceria com as ligas acadêmicas, que acabam por envolver outros cursos da universidade e do IFMS (Instituto Federal de Mato Grosso do Sul) de Dourados.

“Uma vez por mês é feito o atendimento sócio-preventivo nas duas aldeias, Jaguapiru e Bororó, só que de forma alternada. Na última ação atendemos cerca de 200 pessoas, com alunos de nutrição, medicina e enfermagem”.

Várias frentes de atenção: estudantes de medicina e enfermagem levam ações de saúde em escola indígena (Foto: Acervo pessoal)
Várias frentes de atenção: estudantes de medicina e enfermagem levam ações de saúde em escola indígena (Foto: Acervo pessoal)

Já o eixo de empreendedorismo, envolve ações de agroecologia e capacitação manual. A ação agroecológica, intitulada "Saúde que Vem da Terra", promove capacitação de famílias em situação de alta vulnerabilidade, que aprendem a criar hortas para cultivo de alimentos, como batata doce e mandioca. “Por exemplo, montamos uma uma horta com seu Júlio. Ele trouxe para o projeto mais três vizinhos e mais três parentes. Então assim, as coisas vão acontecendo de uma forma sócioeducativa”, comenta Gicelma.

De acordo com ela, o desafio atual é pensar na comercialização dos produtos excedentes. “Hoje a gente tem em torno de 12 famílias no processo de construção de hortas, que servem para subsistência. Agora a gente vai pensar coletivamente como fazer para a venda dos excedentes”.

Dentro do eixo de empreendedorismo também são realizadas oficinas de trabalhos manuais, com objetivo de garantir uma renda extra para famílias das aldeias. "Todas as sextas-feiras oferecemos oficinas de costura criativa, bordado, bordado em chinelo e de criação de produtos de limpeza e sabonete”.

Estamos buscando incentivar a autoestima e a geração de renda. Queremos que essas pessoas saibam que têm perspectivas e que são seres humanos que possuem e precisam exercer sua cidadania, e que podemos auxiliá-las de alguma forma nessa geração de renda e inserção no mercado de trabalho”, explica Gicelma.

Já o eixo "Multimeios e Inclusão Digital", oferece capacitação técnica de alunos da Escola Estadual Indígena Intercultural Guateka e incentiva a valorização da cultura indígena. “A gente ofereceu duas grandes capacitações nessa área e depois foram produzidos vários filmes em com os alunos. E aí eles concorreram dentro do edital e a gente premiou, inclusive os premiados agora vão fazer uma visita ao Bioparque Pantanal”.

Alunos de escola indígena participaram de festival audiovisual, ação para fortalecer a identidade cultural (Foto: Acervo pessoal)
Alunos de escola indígena participaram de festival audiovisual, ação para fortalecer a identidade cultural (Foto: Acervo pessoal)

O quarto eixo é o "Linguagens, Memória e Direito", que tem o objetivo de preservar a oralidade, a memória e os direitos fundamentais das comunidades indígenas, mas ainda será desmembrado em outros sub-eixos para um trabalho mais aprofundado nessas áreas.

Problema social - Após anos estudando as comunidades indígenas de Dourados, a professora Gicelma explica que além das violências ocorridas em conflitos agrários, a população indígena da região também sofre com a estigmatização trazida pelo alcoolismo.

“Nós temos quase 20 mil indígenas em uma localidade de 370 mil hectares, que é abraçada pela urbanidade de Dourados e pela ruralidade de Itaporã, porque as fazendas chegam até o limite da reserva. É uma localidade com uma característica de favela rural, com pessoas que têm necessidades e urgências prementes”.

O envolvimento da comunidade no cultivo de hortas é aliado para combater o alcoolismo (Foto: Acervo pessoal)
O envolvimento da comunidade no cultivo de hortas é aliado para combater o alcoolismo (Foto: Acervo pessoal)

A professora ressalta ainda que, nesse contexto de vulnerabilidade social, é comum o surgimento de vícios em drogas lícitas e ilícitas, especialmente entre os jovens. “Um jovem que vive lá e passa por uma crise identitária, que não tem perspectiva de presente e de futuro, é muito mais fácil se agarrar em um corotinho ou na cachaça para esquecer a existência. Então acho que a explicação é social, por tudo o que eu vivi durante esses anos trabalhando e pesquisando sobre os povos tradicionais”, pontua Gicelma.

Para a professora, uma das formas de mudar essa realidade é garantir os direitos básicos da população, como saúde, educação, alimentação, lazer e segurança, entretanto, respeitando as diferenças culturais de cada etnia. “Nós estamos lidando com sociedades distintas e com culturas distintas. São os guaranis-nhandeva, os guarani-kaiowá e os terenas. Então a gente precisa estabelecer entre nós, os não-índios, e os indígenas, um processo de confiança”.

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