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Em Porto Murtinho, trajetória é de tragédias e de reconstrução

Priscilla Peres, enviada especial a Porto Murtinho | 28/09/2014 11:32
Cemitério em grande enchente de 1979 em Porto Murtinho. (Foto: Roberto Higa)
Cemitério em grande enchente de 1979 em Porto Murtinho. (Foto: Roberto Higa)

O naufrágio de um barco-hotel na semana passada fez reviver as lembranças de várias tragédias que marcaram a história de Porto Murtinho, município de 16 mil habitantes, a 431 quilômetros de Campo Grande, à beira do Rio Paraguai e na fronteira com o país vizinho. Desde a fundação do município em 1912, uma sequencia de enchentes de grandes proporções mudou a vida da população e ao revirar os baús, descobrimos que o registro de um tornado e de mortos em naufrágios não é inédito, apesar da memória oficial ser falha.

De acordo com o historiador Braz Antonio Leon, em 1959 um tornado parecido com o do dia 24 de setembro de 2014 atingiu Porto Murtinho. Na época, o fenômeno natural destruiu parte da cidade, incluindo a sede da fábrica Florestal Brasileira, que extraía a matéria-prima tanino, da madeira quebracho, e exportava a substância. Apesar dos estragos, não há registros de mortos. “Eu lembro disso, era muito menino, mas lembro que foi muito parecido com o tornado de agora e destruiu várias casas”, relembra o atual prefeito do município, Heitor Miranda (PT).

Na década de 60, um barco rebocador afundou no mesmo local do naufrágio da semana passada.(Foto: Marcelo Calazans)
Na década de 60, um barco rebocador afundou no mesmo local do naufrágio da semana passada.(Foto: Marcelo Calazans)

Pouco tempo depois, na década de 1960, o rebocador Taquari, que transportava funcionários da Florestal Brasileira e madeira afundou, deixando 28 mortos. Segundo o professor Braz, a embarcação estava muito pesada e o acidente foi técnico, devido a um cabo que se rompeu em uma curva do rio Paraguai, entre a ilha Margarida e a colônia Carmello Peralta. A curiosidade é que o acidente de mais de 50 anos atrás ocorreu no mesmo local do naufrágio da semana passada. “O barco e a madeira nunca foram tirados de dentro do rio”, comenta Braz.

"Cidade de Lona"-Entre 1970 a 1990, a cidade enfrentou quatro enchentes, sendo a maior delas em 1982 quando a população se mudou para o quilômetro 6 e foi formada a Cidade de Lona. No mesmo ano foi construído o dique de contenção ao redor da cidade, o que evitou outra inundação na cheia do rio Paraguai em 1988, uma das mais graves já registradas.

A construção do dique, inaugurado em 1985, colocou Porto Murtinho como uma das únicas cidades no mundo a ter uma estrutura do tipo circundando toda a cidade, mas não apenas isso. A obra foi repleta de denúncias de irregularidades, incluindo desvio de verbas.

Em 2008, o dique recebeu uma nova obra de recuperação, que também teve seu episódio trágico. Parte do concreto ruiu e foi parar no rio. Em outro deslizamento, na mesma época, um operário de 45 anos morreu. Foi aberta uma investigação, que acabou concluída sem apontar responsabilidades.  Prevista para 2011, a reforma do dique foi entregue no ano passado, ao custo de R$ 7,6 milhões, segundo divulgado, com recursos da União e do Governo do Estado.

Dona Eugênia relembra como foi enfrentar as enchentes na cidade. (Foto: Marcelo Calazans)
Dona Eugênia relembra como foi enfrentar as enchentes na cidade. (Foto: Marcelo Calazans)
Em 2009, dique recebeu obras e teve desabamento e morte de operário (Foto: Divulgação/Governo Federal)
Em 2009, dique recebeu obras e teve desabamento e morte de operário (Foto: Divulgação/Governo Federal)

Lembranças – Paraguaia de nascença, mas murtinhense de coração, Eugênia Fleitas dos Santos de 71 anos, conta que presenciou todas as cheias do Rio Paraguai e que o naufrágio da última quarta-feira faz relembrar as tragédias vividas. “Na hora você lembra de tudo que a gente passou. Mas agora parece pior, por ter matado tanta gente “, diz dona Eugênia.

As buscas pelas vítimas do naufrágio provocaram comoção e reuniram muitos curiosos à beira do rio. Dona Eugênia preferiu não ver de perto. “Eu já perdi um filho e sei como isso é triste. Não gosto de ver esse sofrimento, prefiro ficar aqui rezando por eles”.

Para a senhora, a pior situação pela qual já passou em Porto Murtinho foi na enchente de 82 quando se mudou com toda a família para a Cidade de Lona. “O rio sobe devagar e deu tempo de mudar a cidade inteira pra lá. Deixei a minha casa e fui para o acampamento com meu marido e os filhos pequenos, onde ficamos por uns cinco meses até a água baixar”, relembra dona Eugênia.

Para o historiador Braz Leon, as tragédias fazem parte da história do município. “A cidade nasceu de um período pós-guerra e de lá pra cá foram vários episódios. Toda a dificuldade fortaleceu o povo que aprendeu a se recuperar e reconstruir suas vidas”, afirma.

Em meio às notícias ruins, um povo alegre- Apesar de tantas tragédias em sua trajetória, Porto Murtinho tem, também, uma cultura de festa. É a única cidade do estado a fazer o "Touro Candil", festa com a disputa das torcidas dos touros Encantado e Bandido, uma evidência da mistura da cultura brasileira e dos vizinhos paraguaios.

Porto Murtinho é, também, destino turístico frequente de pescadores, atraídos pelos peixes e pelas belezas do Pantanal. Quem vai à cidade é recebido com um por-do-sol como o da imagem abaixo.

Apesar das tragédias, a cidade é contemplada todas as tardes pelo belíssimo pôr do sol. (Foto: Marcelo Calazans)
Apesar das tragédias, a cidade é contemplada todas as tardes pelo belíssimo pôr do sol. (Foto: Marcelo Calazans)
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