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Loterias

Empresário revela bastidores da lotérica e o desafio frente às apostas virtuais

Do volante ao Pix: como as lotéricas enfrentam um novo tempo de apostas

Conteúdo de Marca - Lotérica Campo Grande | 14/07/2025 06:30

O mais recente episódio do podcast Virada de Chave traz um universo que habita o imaginário de milhões de brasileiros: o das loterias. Quem guia essa conversa é Ricardo Amado Costa, 62 anos, empresário e dono de uma das mais tradicionais casas lotéricas de Campo Grande, a Lotérica Campo Grande. São mais de quatro décadas de convivência com os sonhos dos outros, e com os limites entre sorte, risco e responsabilidade.

O tom do papo traz à tona temas sérios. E logo de cara, a pergunta que paira em todo boteco do país: dá pra ganhar na Mega Sena? Ricardo responde com franqueza: “Dá. Mas sem sorte, é quase impossível. A probabilidade é de uma em 51 milhões.”

Por trás dos volantes e bolões está um sistema robusto. Ele explica que, das apostas feitas nas loterias da Caixa, apenas 30% viram prêmios. O restante se divide entre manutenção do sistema e, principalmente, destinação social. A Caixa, segundo ele, é uma das operadoras mais rigorosas do mundo nesse quesito.

A virada aos 21 anos

Ricardo tinha apenas 21 anos quando trocou o terno do banco pela adrenalina da loteria. Em 1984, escolheu entre um açougue e uma casa lotérica. Com a ajuda da mãe, fechou o negócio e nunca mais saiu da cena. “Lidar com sonhos é uma responsabilidade enorme. As pessoas chegam acreditando que ali pode estar a solução da vida delas”, conta.

Com o tempo, as mudanças foram se impondo. Veio o plano Collor, a inclusão de serviços bancários nas lotéricas, a popularização do Pix e, mais recentemente, a onda dos sites de apostas. Ricardo foi testemunha, e protagonista, de cada uma dessas fases.

Ameaça virtual, insegurança real

O que hoje movimenta a internet com promessas fáceis de dinheiro, como os famosos “tigrinhos” e “aviõezinhos”, também coloca em xeque o futuro das lotéricas físicas. Segundo Ricardo, o setor de apostas online movimenta cifras gigantescas: cerca de R$ 30 bilhões por mês, mais do que toda a arrecadação anual das loterias da Caixa em 2023, por exemplo.

E é aí que entra o ponto de interrogação. “Ou nos tornamos canais de comercialização desses novos jogos, ou vamos desaparecer”, afirma. Ele, que preside a Federação Brasileira das Empresas Lotéricas (Febralot), defende uma regulamentação rígida para o setor de jogos, alertando sobre os riscos da ludopatia, o vício em apostas.

Entre os dados e as estratégias, surgem histórias inusitadas. Tem o apostador que sempre faz quatro jogos iguais, um para cada filho, para evitar brigas caso ganhe. Ou os bolões corporativos, movidos mais pelo medo de ficar de fora do que pela fé na vitória.

Ricardo lembra de quando sua lotérica vendeu prêmios da Lotofácil, e de como a fama “energiza” o negócio por um tempo. “As pessoas acham que se já saiu uma vez, pode sair de novo. E voltam.”

Mais do que pontos de apostas, lotéricas ainda funcionam como redutos comunitários. “Tem cliente que vem só conversar. Fala da novela, do time. Criamos vínculos reais”, diz. O dado que confirma: um cliente pode voltar até 12 vezes por mês à mesma lotérica, para pagar contas, jogar ou simplesmente manter o hábito.

Reinvenção como regra

A história de Ricardo é também uma história de reinvenção. Chegou a vender sua lotérica e abrir uma agência de viagens. Voltou. “Descobri que todo negócio tem sua dificuldade. E vi que a lotérica ainda era meu lugar”, relata.

Hoje, com duas casas lotéricas e 20 funcionários, ele aposta em produtos diferenciados e atendimento de confiança, inclusive com clientes de fora do Estado. “O que nos salva é o relacionamento”, diz.

No entanto, esbarra em uma legislação rígida que proíbe atividades paralelas no espaço, não se pode, por exemplo, vender café ou imprimir segunda via de contas. “A estrutura está envelhecida. Precisamos de mudanças para sobreviver.”

Jogar, sim. Mas com responsabilidade. Quando questionado sobre o que diria a quem quer apostar, Ricardo não hesita: “Aposte com esperança, ganhe com alegria e gaste com responsabilidade. O dinheiro não aguenta desaforo.”

Em tempos de estímulos incessantes às apostas fáceis, o episódio se propõe a algo mais raro: refletir com honestidade sobre riscos e limites, sem glamourizar o jogo. Afinal, como lembra Ricardo, nem sempre a vida melhora com um prêmio. “Tem gente que ganha e perde tudo. Trabalhar, continuar vivendo com os pés no chão, isso sim é sorte.”

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