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Artes

Zacarias Mourão, o compositor que atraiu holofotes para MS com "Pé de Cedro"

Elverson Cardozo | 11/10/2012 07:49
Zacarias foi diretor da gravadora Philips. (Foto: Arquivo/Ligia Mourão)
Zacarias foi diretor da gravadora Philips. (Foto: Arquivo/Ligia Mourão)

Levando em conta músicas como "Ai seu te pego", "Eu quero tchu, eu quero tcha", “Eu vou pegar você e tãe", “Lê, lê, lê” e “Bara Bará Bere Berê”, quem hoje, diante do mercado e da explosão cada vez mais constante de novos estilos, deixaria de lado os "chicletes" e se atreveria a fazer uma canção falando de uma árvore?

Difícil acreditar que a idéia daria certo em uma época onde grande parte das composições - de rima fácil e conteúdo duvidoso -, conquistam, com facilidade incrível, o topo das paradas de sucesso. Ainda bem que foi há meio século.

Com 53 anos de história, "Pé de Cedro", música escrita pelo coxinense Zacarias Mourão, colocou Mato Grosso no mapa musical do País, antes mesmo da criação do Estado. A inspiração, como o nome sugere, veio de uma árvore, mas isso não foi motivo para que a canção ficasse na gaveta, pelo contrário. O sucesso veio rápido e se espalhou Brasil afora.

Hoje, a música é uma das mais importantes e representativas de Mato Grosso do Sul, não apenas pela árvore que se tornou a grande paixão do menino Tió, como o compositor era chamado na infância, mas pelo valor histórico-cultural que representa.

A canção de Zacarias é simples, mas foi pela simplicidade que ele, um homem interiorano, conseguiu levar, pela primeira vez, o nome do Estado para fora, no final da década de 50. Os holofotes se voltaram para o antigo Mato Grosso.

Compositor morou no Rio de Janeiro e em São Paulo. (Foto: Reprodução/Internet)
Compositor morou no Rio de Janeiro e em São Paulo. (Foto: Reprodução/Internet)

Naquela época, Tió já estava morando em São Paulo, onde havia iniciado carreira no DER (Departamento de Rodagem), como operador de máquina. Paralelamente à atividade, mexia com produção artística.

Em 1959, durante uma visita a Coxim e ao pé de cedro que plantara aos 11 anos, Zacarias escreveu a canção que viria a ser reconhecida como seu principal trabalho. Na capital paulista, ele pediu a Goiá, um amigo compositor, que musicasse a letra.

A canção do arbusto que ramificou e virou árvore estourou com a dupla Tibagi e Miltinho, na década de 60. A partir daí, Zacarias passou a ser visto com outros olhos.

Esperto como era, aproveitou para divulgar o Estado e a cidade de onde viera: Coxim, aquele "pedaço do céu", como costumava dizer. Com o talento e a lábia, acabou incentivando e lançando ao Brasil novos cantores sul-mato-grossenses, como a dupla Amambay e Amambai e Dino Rocha. Com isso, tornou-se símbolo da expansão cultural do município.

Em 1975, 16 anos depois de ser musicada, a canção voltou ao topo com Sérgio Reis. Em entrevista concedida para o documentário "Um pedaço do Céu", produzido pelos jornalistas Douglas Queiroz, Hugo Crippa e Karla Lyara, em 2010, o cantor falou sobre a gravação que entrou para o primeiro LP de músicas sertanejas de sua carreira.

"Eu peguei uma música de cada Estado, de cada região, e o Pé de Cedro foi para Mato Grosso, Chalana foi para fronteira, Chico Mineiro para Minas Gerais e assim foi feito. O Zacarias era um amigo, um irmão que eu tive. Sou amigo da família, eu vi as crianças dele crescerem. Falar dele bate muita saudade", diz.

O poeta Geraldo Mochi, que conheceu o compositor, lembra no documentário que Zacarias divulgava a cidade e conseguia levar artistas para conhecer o município.

“O sonho dele era levar a música da fronteira, a polca paraguaia, o chamamé, o rasqueado. Ele queria introduzir essa música nossa, da região, lá em São Paulo. Conversando com o Zacarias eu falei: Como que é esse Mato Grosso, essa Coxim, sua cidade? Ele falou: Olha, moço, Coxim é um pedaço do céu na terra”, lembra.

Zacarias Mourão e o pé de cedro. (Foto: Arquivo/Ligia Mourão)
Zacarias Mourão e o pé de cedro. (Foto: Arquivo/Ligia Mourão)

História - No livro “Os Pioneiros – A origem da música sertaneja em Mato Grosso do Sul”, do jornalista Rodrigo Teixeira, Ligia Mourão, filha do compositor, relembra a história que teve início há 73 anos, em 1939.

Com 11 anos, Tió, acompanhado de Padre Chico - com quem se tornou coroinha, encontrou um arbusto de pé de cedro na beira do rio Coxim, durante uma das várias caçadas que realizava na companhia do sacerdote.

O menino resolveu que iria contribuir para arborização da cidade e acabou plantando a árvore. Anos mais tarde, a atitude ecológica teve uma justificativa mais filosófica, como ele mesmo explicou à filha.

"Teve um sentido porque ele havia conversado sobre Deus, sobre natureza... Ele queria arborizar do jeito que era o lugar mesmo. [...] Uma vez perguntei: Porque o senhor plantou um pé de cedro? Ele respondeu que queria saber sobre a vida e que plantou o amor".

Zacarias queria ver a árvore vingar. Seria o resultado do amor que plantara. E o pé de cedro, como era esperado, cresceu. "Antes de conhecer Goiá papai voltou a Coxim para matar a saudade. Ele queria ver o pé de cedro. Quando chegou, abraçou o tronco e chorou. Foi quando escreveu a letra", disse Ligia Mourão.

Mate a saudade da música:

O coxinense que levou o nome do estado para fora nasceu em 1928. (Foto: Arquivo/Ligia Mourão)
O coxinense que levou o nome do estado para fora nasceu em 1928. (Foto: Arquivo/Ligia Mourão)

Breve Biografia - Zacarias dos Santos Mourão, o Zacarias Mourão, nasceu em 1928, em Coxim, município distante 260 quilômetros de Campo Grande. Passou a infância na igreja, onde se tornou coroinha ao lado de Padre Chico, que o apelidou de Tió, nome de um pássaro danado.

Aos 15 anos, o menino decidiu ser padre e mudou-se para Campo Grande, onde fez dois anos de seminário, mas percebeu que não tinha vocação para o sacerdócio e resolveu deixar de lado a batina.

Na Capital, Zacarias entrou para a Aeronáutica e depois, aos 21 anos, foi estudar em Petrópolis (RJ), mas a vida por lá não agradou. O rapaz passava a maior parte do tempo trancado em um quarto, escrevendo sobre Coxim.

Resolveu morar em São Paulo, onde entrou para o DER (Departamento de Rodagem) – responsável pela construção, manutenção de vigilância das estradas - como operador de máquina. Fez carreira até sair como Policial Rodoviário Federal.

Em 1959, aos 31 anos, Zacarias retorna à cidade sul-mato-grossense, visita o pé de cedro que havia plantado quando criança, conversa com Padre Chico e volta à Capital paulista com a letra da música - sobre a árvore - já escrita. Foi quando pediu a Goiá, outro compositor, que musicasse a canção que viria a marcar sua carreira.

No período em que trabalhou no Departamento de Rodagem, o compositor continuou mexendo com produções artísticas e cursou jornalismo pela Cásper Líbero.

O Zacarias radialista, produtor, empresário, diretor de gravadora e compositor começa a surgir nesta época, no rádio, quando ele venceu um concurso de poesia na Rádio Bandeirantes e ganhou um programa para fazer.

Busto do compositor, no centro de Coxim. (Foto: Maikon Leal/Coxim Agora)
Busto do compositor, no centro de Coxim. (Foto: Maikon Leal/Coxim Agora)

"Papai saia da polícia rodoviária e ia fazer os programas de rádio. Ele fazia de tudo. Também foi diretor da gravadora Phillips e PolyGram e companheiro do Miguel, dono da gravadora CID", contou a filha, em entrevista concedida a Rodrigo Teixeira.

A rotina do coxinense era agitada. Além de comandar o programa de rádio, ele era colaborador de revistas em São Paulo. Em uma delas, na “Moda e Viola”, assinava a coluna “Venenos do Zacarias”, onde retratava, com humor, o mundo artístico da época.

Morte - A vida de Zacarias Mourão foi interrompida na madrugada de uma terça-feira, em 23 de maio de 1989, há 23 anos. O compositor, na época com 61 anos, foi encontrado morto dentro da casa que residia, localizada no Jardim TV Morena, em Campo Grande.

Ele recebeu uma facada na altura do coração, chegou a ser socorrido, mas não resistiu aos ferimentos e morreu durante uma cirurgia de emergência. O assassinato, até hoje, não foi esclarecido.

Pé de cedro – Em novembro de 2006, um tronco do pé de cedro plantado por Zacarias caiu por causa de uma tempestade. Os galhos foram recolhidos pela Prefeitura e encaminhado o parque temático da cidade, localizado na Avenida Mário Lima Nantes. A retirada fez parte da programação do aniversário de Coxim.

Tempestade derrubou metade do pé de cedro em 2006. Galhos foram encaminhados para um museu. (Foto: Keila Flores)
Tempestade derrubou metade do pé de cedro em 2006. Galhos foram encaminhados para um museu. (Foto: Keila Flores)
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