Ciência Aberta no Brasil: colaboração e desafios
A adoção da ciência aberta no Brasil abre oportunidades significativas para expandir a colaboração entre pesquisadores, instituições e a sociedade. Ao promover maior transparência e acessibilidade aos dados científicos, a ciência aberta facilita a disseminação de descobertas e acelera o avanço em várias áreas do conhecimento. Esse movimento global promete transformar a produção científica, tornando-a mais rápida e acessível, beneficiando tanto a comunidade acadêmica quanto a sociedade em geral. O país, no entanto, ainda enfrenta desafios estruturais e culturais que precisam ser superados para a implementação efetiva dessa prática.
A pandemia de covid-19 evidenciou a importância do compartilhamento de dados e da colaboração científica em larga escala para enfrentar crises globais. Durante esse período, a ciência aberta provou ser um recurso indispensável, permitindo que informações científicas fossem rapidamente compartilhadas e aplicadas para combater a crise. Esse cenário sublinha a necessidade de uma infraestrutura sólida de ciência aberta no Brasil, capaz de sustentar colaborações científicas tanto em tempos de crise quanto em períodos normais, integrando o país a uma rede de inovação global.
Iniciativas como repositórios digitais têm desempenhado um papel central nesse processo. No caso da UFRGS, o Lume, seu repositório digital, é um exemplo de como o acesso aberto aos dados e ao conhecimento produzido pode promover uma cultura de compartilhamento e inclusão. O Lume possibilita que a produção acadêmica da Universidade esteja ao alcance de todos, alinhada aos princípios da ciência aberta e valorizando a transparência como um pilar da pesquisa científica. Esse movimento é parte de um esforço maior para tornar o conhecimento acadêmico acessível, conectando a comunidade de pesquisadores com a sociedade e ampliando o impacto da pesquisa.
Para que a ciência aberta se torne uma prática comum, é necessária uma transformação cultural que valorize a troca de conhecimento e a cocriação entre diferentes setores. Esse processo envolve a colaboração não apenas de pesquisadores e universidades, mas também de financiadores, governos e sociedade civil, criando uma cultura científica mais inclusiva e participativa. No Brasil, a governança da ciência começa a incorporar esses princípios, com políticas públicas que incentivam a transparência e a participação social, embora ainda haja muito a ser feito para alcançar uma implementação plena.
A atuação das agências de financiamento tem sido fundamental para consolidar o movimento de ciência aberta tanto no Brasil quanto no exterior. Essas agências, como o Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), as Fundações de Amparo à Pesquisa (FAPs) e a Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior (CAPES), alinhadas com o movimento internacional, têm buscado promover práticas que incentivem o compartilhamento de dados e a responsabilidade com o uso dos recursos públicos.
Cada vez mais, essas entidades exigem que os projetos submetidos incluam Planos de Gestão de Dados (PGDs), documentos que descrevem como os dados serão coletados, organizados, armazenados e compartilhados. Esse tipo de plano é essencial para assegurar que os dados produzidos estejam acessíveis e reprodutíveis, atendendo aos princípios da ciência aberta. Essa prática, que já é comum em diversos países, fomenta a transparência e permite que os dados, frequentemente frutos de pesquisas públicas, retornem à sociedade como conhecimento acessível.
Além das agências brasileiras, organizações internacionais como a União Europeia têm se posicionado firmemente em favor da ciência aberta, estabelecendo diretrizes e financiando projetos que contribuam para essa prática. Na Europa, o programa Horizon Europe exige que os beneficiários dos financiamentos incluam PGDs, reforçando a ideia de que os dados científicos devem ser geridos e disponibilizados de maneira transparente. O Brasil, ao adotar práticas semelhantes, está em sintonia com as melhores práticas globais, o que fortalece sua inserção em uma rede de colaboração científica internacional.
O apoio à ciência aberta por parte das agências de fomento também incentiva práticas colaborativas entre pesquisadores de diferentes áreas e nacionalidades. Programas internacionais, como o Belmont Forum, promovem a cooperação entre países para enfrentar desafios globais, como mudanças climáticas, de forma integrada e compartilhada.
Esse tipo de colaboração entre agências de financiamento permite que os pesquisadores brasileiros não apenas compartilhem seus dados, mas também tenham acesso a dados internacionais, o que enriquece suas pesquisas e amplia o impacto dos resultados obtidos.
A comunidade internacional também se mobiliza para fortalecer a ciência aberta. Recentemente, o evento Open Research Community Accelerator (ORCA), promovido por organizações como NASA e CERN, destacou a importância de uma colaboração global mais coordenada. O ORCA reuniu pesquisadores de diferentes países para discutir soluções voltadas ao avanço da ciência aberta em escala global. Questões como infraestrutura, políticas públicas, incentivos e mecanismos de avaliação de impacto foram discutidas, apontando para um futuro em que a ciência aberta será a norma. Esse tipo de colaboração intersetorial é essencial para superar os desafios e promover um ambiente de pesquisa mais acessível e inclusivo.
Outro aspecto fundamental é a inclusão de pesquisadores de áreas menos tradicionais e a ampliação da interdisciplinaridade. Políticas públicas que incentivem a adoção da ciência aberta podem facilitar o engajamento de um número maior de profissionais, ampliando o impacto e a relevância das pesquisas. Essa inclusão permite que a sociedade como um todo se beneficie de uma ciência mais diversificada e acessível, que atende a necessidades e desafios contemporâneos.
Além disso, a ciência cidadã, movimento que promove a participação ativa do público em atividades de pesquisa, tem ganhado força como uma vertente da ciência aberta. Projetos de ciência cidadã incentivam a colaboração entre cientistas e cidadãos, possibilitando que pessoas comuns contribuam para a coleta e análise de dados. Esse tipo de engajamento não só enriquece as pesquisas, mas também cria uma conexão mais profunda entre a ciência e a sociedade. No Brasil, iniciativas de ciência cidadã têm sido integradas em estudos ambientais, saúde pública e monitoramento de biodiversidade, o que reforça o papel da sociedade na construção do conhecimento.
Em última análise, a ciência aberta no Brasil envolve mais do que o acesso livre aos dados; representa uma transformação cultural ampla que altera a maneira como a pesquisa é conduzida, avaliada e disseminada. Ao promover a colaboração interdisciplinar, a ciência aberta não só possibilita a produção de conhecimentos mais robustos como também torna a pesquisa mais responsiva às demandas da sociedade. Para a comunidade acadêmica, adotar esses princípios é uma oportunidade estratégica para o fortalecimento e democratização do conhecimento científico no país. Ao avançar em direção a um modelo mais aberto e inclusivo, o Brasil se posiciona como parte integrante de um movimento global que visa tornar a ciência mais acessível, ética e orientada para o bem comum.
(*) Fabiano Couto Corrêa da Silva é professor Faculdade de Biblioteconomia e Comunicação – FABICO, Departamento de Ciência da Informação, Programa de Pós-graduação em Ciência da Informação.
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