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Educação Científica: pilar para o desenvolvimento e soberania

Por Isaac Roitman (*) | 27/06/2024 09:00

No Brasil, a partir de 2018, há uma menor procura por programas de mestrado, doutorado e pós-doutorado. A Capes, através da Plataforma Sucupira, apontou uma ociosidade de 21% nas vagas de mestrado e 25% no doutorado em 2020. Nos anos seguintes, entre 2021 e 2022, registrou-se uma diminuição de mais 11% na quantidade de ingressantes. Essa realidade e a ameaça de fuga de cérebros merecem uma reflexão na dimensão prospectiva de um país que sonhamos, sem desigualdades sociais, com oportunidades para todos e democracia plena.

O interesse de um jovem pelas atividades científicas, na maioria das vezes, ocorre durante o ensino fundamental, médio e universitário. As crianças e jovens imaginam diferentes cenários para seu futuro. Quando tomam consciência de que, após um longo tempo de formação até concluir um doutorado, não encontrarão trabalho para exercer a carreira que escolheram, o entusiasmo declina.

Atualmente, poucos doutores conseguem exercer suas atividades em universidades, institutos de pesquisa ou empresas privadas. Eles mudam de profissão ou procuram oportunidades no exterior. É sempre bom lembrar que vivemos na era do conhecimento. Um país que não produz conhecimento está destinado a ser “colonizado”. É fundamental que políticas públicas de médio e longo prazo sejam implantadas para reverter esse perverso retrocesso.

Uma pergunta emerge: o que fazer para estimular os jovens a decidirem por uma carreira de pesquisa? Tudo começa com um investimento pesado na formação básica (infantil, fundamental e ensino médio). Esse investimento passa necessariamente pela formação de um “novo professor”, cuja função não é apenas transmitir conhecimentos, mas também ser competente em identificar os estudantes com alguma deficiência ou habilidade e traçar uma rota de aprendizagem para eles.

Esse professor deve estar apto a identificar e ajudar na solução de conflitos. Ele terá como missão estimular a criatividade e a imaginação das crianças e jovens. O exercício do pensamento crítico deve ser incentivado por esse “novo professor”. Pela importância do papel social do professor do ensino básico, seus salários deveriam estar no topo da carreira pública.

A importância da Educação Científica é reconhecida há muito tempo. Na década de 60 do século passado, sob a liderança de Isaias Raw, foi implantada a Fundação Brasileira para o Desenvolvimento de Ensino da Ciência (Funbec). Ela produzia laboratórios portáteis de física, química e biologia e lançou a coleção Cientistas, que consistia em 50 kits contendo a biografia de cientistas, um manual de instruções e material para a realização de experimentos. A Funbec foi extinta na década de 70.

Há duas décadas, a Fundação Oswaldo Cruz implantou com grande sucesso o Programa de Vocações Científicas. Outro marco importante foi a introdução em 2004, pelo Conselho Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (CNPq), do Programa de Iniciação Científica Júnior, que permite que estudantes do ensino fundamental e médio frequentem um ambiente de pesquisa, desenvolvendo um projeto sob a orientação de um pesquisador. Esse programa foi inspirado pelo Programa de Iniciação Científica para universitários, criado no início da década de 50 pelo CNPq.

É pertinente citar outras iniciativas na consolidação da educação científica:

1. ABC na Educação Científica: Mão na Massa, conduzido por várias instituições por iniciativa da Academia Brasileira de Ciências;
2. Ciência, Arte e Magia, conduzido na Universidade Federal da Bahia, que estimula as crianças a partir dos seis anos;
3. Centros de Educação Científica (Natal, Macaíba/RN e Serrinha/BA);
4. Revista Ciência Hoje;
5. Revista Ciência para Crianças;
6. Olimpíadas;
7. Semana Nacional de Ciência e Tecnologia;
8. Feiras de Ciência; e
9. Museus de Ciência.

O aprimoramento da educação científica certamente reverterá o atual quadro, atraindo mais estudantes para o ensino de pós-graduação. Temos um sistema de pós-graduação robusto, e é importante que esse sistema não seja expandido pela oferta, mas sim pela demanda. Essa demanda implica termos projetos de desenvolvimento social e econômico de médio e longo prazo para o país, onde os egressos tenham a oportunidade de protagonizar a solução de grandes desafios, como a fome, a desigualdade social, a violência, a ausência de procedimentos éticos e a educação de qualidade, entre outros.

É pertinente lembrar o pensamento de Sigmund Freud: “A ciência não é uma ilusão, mas seria uma ilusão acreditar que poderemos encontrar noutro lugar o que ela não nos pode dar.”

(*) Isaac Roitman é doutor em Microbiologia, professor emérito da Universidade de Brasília e membro titular de Academia Brasileira de Ciências.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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