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O “poder dos trópicos” simbolizado pelo sol nordestino

Reflexões sobre a transição energética

Por Elaine Santos (*) | 24/06/2024 08:30

Na primeira semana de junho, ocorreu a Conferência Internacional de Tecnologias das Energias Renováveis (Citer) no Centro de Convenções de Teresina, Piauí. O evento destacou o potencial do hidrogênio verde e culminou na assinatura da Carta do Piauí, enfatizando a importância das energias renováveis no combate às mudanças climáticas, com a intenção de posicionar o estado como líder nesse segmento.

Como palestrante na mesa “Minerais Estratégicos para a Indústria das Energias Renováveis”, tema que exploro aqui na seção de articulistas, pude acompanhar a amplitude e interdisciplinaridade do evento, que envolveu palestrantes com diferentes posições e abordagens – algo que considero importante, dado que o tema da energia é, por natureza, interdisciplinar.

Um dos fatos que me chamou atenção foi a participação diversificada das mesas, incluindo membros do governo, da sociedade civil e de movimentos sociais. No campo da energia, o contraditório e a crítica são sempre bem-vindos por duas razões centrais: a energia é fundamental para a soberania nacional e está intrinsecamente ligada ao nosso modelo de desenvolvimento e consumo. Assim, quanto mais pessoas se apropriarem desse tema, melhor será para o país.

Focando na vocação solar e eólica do nordeste, simbolizando o “poder dos trópicos” representado por Teresina, a Citer teve diversos momentos marcantes que nos despertou para o potencial brasileiro e seu papel estratégico na energia renovável. Durante a mesa em que participei, foi destacado que “o Brasil é capaz de plantar o alimento mais básico e fabricar aviões para todo o mundo”, sublinhando nossa capacidade de produção e inovação. O projeto Canindé Solar exemplifica isso ao demonstrar que, na pedagogia da seca, “o sol que castiga é o mesmo que gera vida”, conectando poeticamente e concretamente tecnologia, água e energia solar às comunidades rurais do Piauí.

Outro destaque da Citer foram as contribuições dos pesquisadores latino-americanos, que enfatizaram a necessidade de uma maior atenção regional por parte do Brasil. Isso inclui ampliar a cooperação bilateral na área nuclear com a Argentina e estratégias para o lítio, dado que o Triângulo do Lítio detém 60% das reservas globais dessa matéria-prima. Ficou evidente para mim, nas falas dos pesquisadores latino-americanos, que eles esperam do Brasil uma posição de iniciativa e condução do bloco.

A transição energética foi discutida em várias sessões como resposta às crises contemporâneas, focando na necessidade de uma transição energética justa e popular. Por pesquisar o tema, frequentemente me questionam sobre a transição energética ser uma espécie de importação de agendas político-econômicas dos países centrais (como o Green New Deal nos Estados Unidos e o European Green Deal), ou seja, algo no qual o Brasil não tem um papel relevante, uma vez que já possui uma matriz energética limpa.

É um fato que nossos problemas estruturais e históricos são de outra ordem. Contudo, sempre faço questão de lembrar que transições energéticas sempre aconteceram, seja por fatores internos ou externos. No nosso caso, basta lembrar a crise do petróleo em 1973, um fator externo que impulsionou uma resposta interna brasileira, fomentando o desenvolvimento de tecnologias para a produção e o uso de etanol, incluindo a criação de carros movidos a álcool, que hoje são destaques mundiais. Além disso, essa resposta ajudou a diversificar a matriz energética do Brasil e a estabilizar sua economia durante períodos de volatilidade nos preços do petróleo. Ou seja, naquele momento de crise, o Brasil fez a sua transição energética.

Neste momento, as coordenadas para a transição energética são moldadas pelas demandas econômicas, tecnológicas, geopolíticas e ambientais do presente. O caso da China é emblemático devido ao seu investimento massivo em tecnologias limpas. Segundo a Agência Internacional de Energia (IEA), os investimentos nesse setor aumentaram 70% no último ano, com três quartos desses investimentos vindo da China. Essa mudança está alterando significativamente as cadeias globais de energia, os padrões de investimento energético e aumentando a dependência de vários países em relação à China. Em resposta, os Estados Unidos impuseram tarifas protecionistas em setores-chave como veículos elétricos e tecnologias solares. Seguindo a mesma direção, recentemente a Comissão Europeia anunciou sua proposta de tarifas contra veículos elétricos chineses. Essas sanções protecionistas podem alterar as peças no tabuleiro dessas cadeias produtivas, das quais o Brasil também faz parte, seja exportando matéria-prima ou consumindo o que é produzido. Por isso, pensar o hidrogênio verde, como foi abordado na abertura da Citer, também pressupõe considerar nosso enquadramento nesse contexto.

Apesar de nossas inquietações e críticas, a transição energética já está em curso e revela uma crise sistêmica que já conhecemos. Como alguém que propõe uma “sociologia da energia“, vejo a necessidade de ir além da negação da realidade. Para entender o que está em jogo, sempre retomo o papel da filosofia na minha formação, ou seja, a negação da negação, como uma forma dialética de compreender e pavimentar um caminho para este país, que já não pode mais ignorar a sua importância energética, embora, por vezes, ainda tente mantê-la resumida ao aspecto técnico.

(*) Elaine Santos é pesquisadora do Instituto de Estudos Avançados (IEA) da USP.

Os artigos publicados com assinatura não traduzem a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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