Estão faltando adultos? A armadilha da infantilização na vida adulta
Vivemos em uma época onde o amadurecimento emocional parece, por vezes, estagnado. É comum ouvir comentários como “os jovens de hoje não querem crescer” ou “parece que ninguém quer assumir responsabilidades”. Mas o que realmente significa “faltar adultos”? E como a tendência de se manter infantilizado pode impactar vidas individuais e a sociedade como um todo?
A infantilização como tendência
A infantilização não se refere à idade biológica, mas à dificuldade de assumir responsabilidades, tomar decisões difíceis e enfrentar os desafios inevitáveis da vida com maturidade. Ela pode se manifestar de várias formas:
● Fuga de compromissos: dificuldade em sustentar relacionamentos, carreiras ou até mesmo obrigações básicas.
● Busca constante por validação externa: necessidade de aprovação dos outros para tomar decisões.
● Resistência ao desconforto: evitar situações desafiadoras ou emocionalmente difíceis, preferindo o conforto imediato.
● Expectativa de resgate: esperar que terceiros (pais, parceiros, amigos ou até o Estado) assumam responsabilidades que deveriam ser próprias.
Por que isso está acontecendo?
Diversos fatores contribuem para essa tendência:
Superproteção na infância: Pais que evitam que seus filhos enfrentem dificuldades podem criar adultos despreparados para lidar com frustrações.
Cultura do imediatismo: As redes sociais e o consumo digital reforçam a ideia de que a vida deve ser fácil, rápida e gratificante o tempo todo.
Demonização do sofrimento: Enfrentar dores ou dificuldades é frequentemente visto como algo a ser evitado, ao invés de parte do crescimento.
Falta de modelos de maturidade: Quando a sociedade exalta comportamentos impulsivos ou narcisistas, a ideia de “crescer” perde atratividade.
O Impacto na Vida Pessoal e Coletiva
A infantilização não afeta apenas o indivíduo; ela tem consequências para toda a sociedade. Quando as pessoas se recusam a amadurecer, enfrentamos:
● Relacionamentos frágeis: incapacidade de dialogar, resolver conflitos ou sustentar vínculos a longo prazo.
● Mercado de trabalho disfuncional: profissionais com dificuldade em assumir liderança ou lidar com críticas.
● Sobrecarregamento de terceiros: amigos, familiares ou colegas assumindo responsabilidades que não lhes cabem.
Como Romper com a Infantilização
Assuma responsabilidades: O amadurecimento começa quando encaramos nossas obrigações sem esperar que outros nos resgatem.
Aceite o desconforto: Crescer dói, mas essas dores fazem parte do processo de evolução.
Busque autonomia: Desenvolva habilidades que permitam a independência, emocional e prática.
Enfrente os erros: Reconheça suas falhas e aprenda com elas, em vez de culpar o mundo ao redor.
Inspire-se em modelos adultos: Procure referências de pessoas que enfrentam a vida com resiliência e maturidade.
Faltar adultos não é uma questão de idade, mas de postura diante da vida. A maturidade não se traduz apenas em pagar contas ou cumprir obrigações, mas em abraçar a responsabilidade como parte essencial de quem somos. Ser adulto é reconhecer que a vida tem desafios, incertezas e dores, e que fugir deles só nos aprisiona ainda mais em ciclos de insatisfação e imaturidade.
Não se trata de abandonar a leveza, o humor ou a criatividade que carregamos desde a infância, mas de aprender a equilibrar essas qualidades com a capacidade de enfrentar o desconforto, tomar decisões difíceis e sustentar nossas escolhas. Ser adulto é construir bases sólidas para si e, ao mesmo tempo, ser um pilar para quem está ao nosso redor, sem depender constantemente de validação ou resgates externos.
O mundo precisa de mais adultos que inspirem, que assumam responsabilidades sem transformar isso em um peso desnecessário, que saibam liderar com empatia e se comunicar com assertividade. É preciso resgatar o valor da maturidade como uma virtude que, longe de aprisionar, nos liberta para viver de forma plena, com propósito e significado.
A verdadeira questão não é apenas “quem está faltando?”, mas sim: “como cada um de nós pode se tornar o adulto que o mundo – e nossa própria vida – precisa?”. Afinal, amadurecer não é perder, mas ganhar a capacidade de transformar desafios em oportunidades de crescimento e evolução.
(*) Cristiane Lang é psicologa clínica
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