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Existe satisfação em reclamar? Por que insistimos em clamar de novo?

Por Cristiane lang (*) | 31/03/2025 07:50

Reclamar parece estar entranhado na nossa cultura cotidiana. Desde que o dia começa até a hora de dormir, encontramos motivos para nos queixar: o trânsito, o trabalho, o preço das coisas, a política, o clima e até mesmo as pequenas contrariedades da rotina. É como se o ato de reclamar fosse quase um hábito automático, uma válvula de escape que não resolve nada, mas proporciona um alívio momentâneo.

Mas você já parou para pensar no que realmente significa reclamar? A palavra vem do latim reclamare, que significa literalmente clamar de novo. Ou seja, é um clamor repetido, um grito insistente que não encontrou resposta da primeira vez — e talvez não encontre nunca. Diante disso, precisamos refletir: por que continuamos reclamando, mesmo quando sabemos que não adianta? Será que há uma satisfação oculta em repetir essa atitude?

O que esta por trás da reclamação?


Para compreender por que reclamamos tanto, é essencial entender o que está por trás desse comportamento. Reclamar não é apenas uma expressão de descontentamento, mas também um reflexo de nossas emoções e percepções. Aqui estão algumas razões pelas quais as pessoas parecem encontrar uma estranha satisfação em reclamar:

Válvula de escape emocional:

Reclamar pode ser um meio de desabafar emoções reprimidas. Quando estamos frustrados, irritados ou impotentes diante de uma situação, verbalizar nosso descontentamento parece aliviar a tensão acumulada. Mesmo que a reclamação não mude o contexto, ela libera um pouco da pressão interna.

Conexão social:

Curiosamente, reclamar também pode funcionar como um vínculo social. Já notou como algumas pessoas se aproximam ao compartilhar queixas? O ato de reclamar junto cria uma sensação de pertencimento, como se estivéssemos unidos contra um inimigo comum — seja ele o governo, o chefe ou o clima.

Busca de validação:

Ao reclamar, esperamos que alguém concorde conosco e valide nossos sentimentos. Isso nos faz sentir compreendidos e apoiados, como se nossa indignação fosse legítima e compartilhada. Essa confirmação externa alimenta um certo alívio emocional.

Resistência à aceitação:

Muitas vezes, reclamar é uma forma de resistência inconsciente à aceitação de uma realidade que não gostamos. Em vez de assumir que certas coisas estão fora do nosso controle, preferimos insistir no lamento, como se a repetição fosse capaz de alterar os fatos.

Hábito e condicionamento:

Com o tempo, reclamar pode se tornar um hábito. Nossa mente se condiciona a encontrar falhas e problemas em tudo, reforçando um padrão negativo que se torna automático. Sem perceber, nos tornamos especialistas em identificar motivos para nos queixar, mesmo nas situações mais corriqueiras.

O problema de clamar de novo: a Ilusão da Repetição

O ato de reclamar repetidamente traz à tona uma questão importante: se já clamamos uma vez e não adiantou, por que continuar? É como bater repetidamente na mesma tecla esperando que o resultado mude. A repetição gera desgaste emocional e não contribui para a resolução do problema.

Reclamar sem agir transforma a queixa em um círculo vicioso. Em vez de procurar soluções, ficamos presos na espiral do lamento, perpetuando a sensação de impotência e frustração. O problema continua lá, mas nossa energia e disposição diminuem cada vez mais.

A satisfação oculta: o papel do ego na reclamação

Diante da constatação de que reclamar raramente traz mudança, surge uma alternativa: agir ou aceitar. Algumas reflexões podem ajudar a quebrar o ciclo da reclamação:

1. Pergunte-se: Isso está sob meu controle?

- Se sim, que ações posso tomar para mudar a situação?

- Se não, como posso aceitar e lidar com isso da melhor forma possível?

2. Transforme a Reclamação em Reflexão

- Em vez de repetir o lamento, analise a origem do desconforto. O que exatamente te incomoda? Por que isso te afeta tanto?

3. Pratique a Comunicação Construtiva - Reclamar para quem não pode ajudar não faz sentido. Se algo te incomoda, direcione sua fala para quem realmente pode colaborar com uma solução.

4. Desenvolva a Gratidão Ativa - Agradecer pelas coisas boas da vida treina a mente a se concentrar no positivo, diminuindo o impulso automático de reclamar.

A sabedoria de escolher as batalhas

Reclamar é um hábito enraizado que muitas vezes mascara nossas frustrações e inseguranças. Apesar de parecer inofensivo ou até satisfatório em alguns momentos, o ato repetido de clamar sem agir nos aprisiona em um ciclo de negatividade.

Repensar nossas reclamações significa adotar uma postura mais consciente e responsável diante da vida. Em vez de simplesmente repetir o clamor e esperar por resultados diferentes, é preciso tomar atitudes que realmente façam a diferença ou, se não houver solução, aceitar com serenidade.

A verdadeira libertação vem quando entendemos que nem tudo precisa ser um motivo de queixa e que agir com sabedoria é muito mais produtivo do que se prender à reclamação contínua. Que possamos transformar o clamor repetido em reflexão e mudança, buscando soluções práticas ou cultivando a aceitação. Afinal, a vida é muito curta para gastar energia apenas reclamando.

(*) Cristiane Lang é psicóloga clínica.

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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