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Métodos estatísticos simples para a democratização da ciência

Por André Mundstock Xavier de Carvalho (*) | 04/01/2025 13:30

Muito se fala sobre a democratização da ciência, mas geralmente sem considerar que ela vai além de tornar o conhecimento científico acessível. Democratizar a ciência inclui tornar seus métodos mais acessíveis, capacitando as pessoas a utilizarem o método científico na resolução de problemas. De certa forma, isso também é empoderar as pessoas, pois as convida para serem protagonistas de novas descobertas, com os objetivos e visões de mundo que possuem. Não significa, no entanto, perder de vista o diálogo dos conhecimentos científicos gerados com outros saberes ou não entender as limitações da ciência.

Naturalmente, as instituições de ensino de níveis médio, técnico e superior são os ambientes mais propícios para estimular a prática de uso do método científico. Vale destacar que a compreensão e o uso do método científico são peças-chave para enfrentar o negacionismo científico. No entanto, muitas vezes o uso do método implica em obter dados quantitativos e analisá-los estatisticamente. E aqui aparece um obstáculo importante, pois a estatística é vista, frequentemente, como um complexo emaranhado de cálculos, scripts e regras exigidas para que uma pesquisa tenha “validade científica”.

Apesar da ciência valorizar a parcimônia metodológica, os pesquisadores nem sempre valorizam. Alguns são impelidos ao uso de métodos estatísticos complexos como “cortina de fumaça” para evitar críticas ou para criar uma “atmosfera de erudição” para impressionar financiadores, editores ou colegas. A complexidade desnecessária pode contribuir para afastar os estudantes do método científico e pode transformar-se em instrumento de elitização acadêmica. De certa forma, a complexidade desnecessária na estatística pode dificultar as pesquisas multidisciplinares, limitar a compreensão dos dados ou a objetividade da informação e até dificultar a autonomia de pesquisadores não estatísticos. Nas ciências jurídicas, por exemplo, a simplificação da linguagem jurídica excessiva tem sido cada vez mais apontada como uma estratégia para ajudar a democratizar o acesso à justiça.

Evidentemente, a quase totalidade dos cientistas necessita de adequados conhecimentos sobre estatística, com suas especificidades dentro de cada área. Os cientistas não estatísticos precisam ter autonomia para analisar os dados da maioria das suas pesquisas. Aparentemente temos um deficit de formação nesse sentido. É simplista, no entanto, considerar que para enfrentar esta questão devemos triplicar as cargas horárias de disciplinas de estatística dos graduandos e pós-graduandos não estatísticos. É irrealista, também, supor que bastaria que todo pesquisador tivesse sempre um "estatístico de tiracolo" para fazer suas análises, interpretar criticamente a enxurrada de novos artigos, avaliar as pesquisas em bancas de defesa ou participar como "correvisor" em processos de revisão.

Não se trata de negar que algum nível de complexidade é inerente à ciência ou aos fenômenos naturais. Trata-se de distinguir quando os métodos mais complexos são realmente necessários. Se lembrarmos que os métodos estatísticos são apenas aproximações da realidade, por mais modernos e rebuscados que sejam, ficará mais fácil compreender que, em geral, buscamos métodos válidos e não métodos exatos. E o ponto-chave da validade é o controle do erro tipo I real. Portanto, se o problema abordado por uma pesquisa está dentro do domínio de validade de um método estatístico relativamente simples, a opção por este método não deveria desqualificar esta pesquisa. Curiosamente, os apaixonados por métodos complexos nem sempre estão tão preocupados com a validade dos métodos, por vezes negligenciando graves problemas associados à multiplicidade do erro tipo I em pesquisas confirmatórias.

Por fim, vale considerar também que a formação multidisciplinar dos pesquisadores é cada vez mais importante para enfrentar adequadamente os desafios do mundo. E, nesse contexto, a objetividade e a parcimônia em cada área podem auxiliar o pesquisador a encontrar tempo para acessar melhor outras áreas do conhecimento, tão necessárias para uma definição mais holística e acertada de seus objetivos de pesquisa.


(*) André Mundstock Xavier de Carvalho é professor na Universidade Federal de Viçosa. Pesquisador do Grupo de Pesquisa em Rochagem UnB/CNPq. Doutor em solos.

 

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