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O agro em janeiro: os impactos do coronavírus

Por Marcos Fava Neves (*) | 27/02/2020 09:33

Janeiro trouxe uma enorme movimentação ao mundo e, consequentemente, ao agro. Aparentemente, temos tido uma grande surpresa por mês, se olharmos os últimos. Irã, acordo EUA-China, coronavírus, dentre outros que vão aparecendo e exigindo a nossa capacidade analítica para os prováveis impactos. Vamos a eles!

Foi divulgada a fase 1 do acordo EUA-China, estipulando no agro que as compras da China crescerão US$ 32 bilhões em dois anos ou US$ 16 bilhões em média ao ano (seriam US$ 12,5 bilhões neste e US$ 19,5 bilhões no próximo).

Isso, considerando as compras de US$ 24 bilhões anuais antes da crise, levaria o número a US$ 40 bi/ano. Caso a China siga a meta de importações do agro americano, poderá praticar discriminação comercial e ter problemas na OMC.

Além disso, muitas empresas chinesas de alimentos transformaram-se em multinacionais neste período, como exemplo a COFCO. Interferências governamentais na cadeia de suprimentos dessas empresas podem comprometer a competitividade num mundo onde a construção de margens é a lei.

Enfim, muitos artigos mostram ceticismo em relação a esse acordo, uma vez que os objetivos de cada país são muito mais estratégicos e de longo prazo. Para os esperados impactos negativos ao agro brasileiro a dimensão dos prejuízos pode ser bem menor que a imaginada.

Em relação à peste suína africana, seus danos seguem avançando. A produção de suínos na China, em 2019, foi a menor em 16 anos, com um total de 42,5 milhões de toneladas (21% menor que 2018). O pior é que foi detectado um caso de infecção de peste suína africana a 12 km da fronteira com a Alemanha, o maior produtor europeu de carne suína.

As questões importantes, hoje, nas proteínas são a velocidade de recuperação da produção chinesa de suínos, que deve levar pelo menos dois anos. E para complicar mais ainda o mês, foi registrado um caso de Influenza Aviária na província de Hunan, com abate considerável na quantidade de aves. Caso isso se espalhe, o quadro muda radicalmente para pior.

A crise com o Irã, que poderia resultar em guerra e aparentemente tumultuar os importantes negócios do Brasil no Oriente Médio, sumiu do radar com os problemas mais recentes do coronavírus, com o processo de impeachment nos EUA e, agora, com as eleições. Resultados no Iowa mostram que Bernie Sanders larga na frente.

Na minha humilde leitura, nada melhor para Trump do que enfrentar a polarização e Sanders é, aparentemente, o mais à esquerda dos Democratas. Aliás, o atual presidente americano não pode reclamar do Brasil. O saldo comercial a favor dos EUA pulou de US$ 7,7 bilhões para US$ 11,3 bilhões, considerando dados até novembro de 2019. Os EUA ocupam 17% da pauta importadora do Brasil e representamos 2,5% das exportações dos EUA.

No Brasil, o mais recente Boletim Focus traz que as projeções para o IPCA recuaram de 3,47% para 3,40% para este ano, e permaneceram em 3,75% para 2021, mesmo com a recente desvalorização do câmbio. Para o PIB, estimam 2,31% em 2020 e 2,50% no próximo.

A taxa de câmbio para dezembro aumentou de R$/US$ 4,05 para R$/US$ 4,10, e fica em R$/US$ 4,05 para 2021. Já a Selic deve cair ainda mais para 4,25% no final deste ano e 6,00% no final do próximo ano.

Foram muito bem em Davos o ministro Paulo Guedes e os representantes do Brasil, mostrando que estamos em outra direção e acelerando. Apenas desnecessários os escorregões na área ambiental, que mesmo sendo mal compreendidos fez estragos, e em sugerir impostos para açúcar e outros produtos.

Esse governo entrou para cortar gastos e impostos, e não o contrário. Importante também a criação de um conselho para a Amazônia e a presença do experiente vice-presidente neste time. Neste ano, nossa agenda mais importante, na qual aparentemente tudo joga a favor, é na questão ambiental, e aí está o maior risco.

O plano para combate às queimadas em 2020 deveria ser publicado e poder receber contribuições do mundo todo, num fórum digital. Não podemos repetir 2019.

A produção vem vindo muito bem. A nova estimativa da CONAB levou a safra 2019/20 de grãos para 248 milhões de toneladas, 2,5% maior que a anterior. Clima, crédito, área e produtividade são os quatro fatores apontados. A área chega a 64,2 milhões de hectares (1,5% maior) e produtividade média ficou 1% maior, em 3.864 kg/ha.

O milho deve ficar em 98,7 milhões de toneladas, 1,3% menor que a última safra. Espera-se redução de 3% na segunda safra, devido aos riscos climáticos. Algodão tem aumento de 1,1%, chegando a 2,8 milhões de toneladas de pluma. Não podemos ter problemas de clima na segunda safra!

Na carona destes números, a nova estimativa do Valor Bruto da Produção é de R$ 674,8 bilhões, 7% acima do ano passado, que foi de R$ 631 bilhões. Nas atividades agrícolas aumentou em R$ 23 bilhões, para R$ 430,1 bilhões, e nas atividades pecuárias R$ 244,7 bilhões, R$ 16,3 bilhões acima.

A expectativa de uma produção recorde de soja, chegando perto de 125 milhões de toneladas, pode atuar no sentido de pressionar os preços. Aparentemente, o Mato Grosso vai compensar a perda no Rio Grande do Sul devido ao clima. Hoje a soja brasileira continua mais atrativa na China, com a tarifa de 25% aplicada à americana.

Chegamos a praticamente 35% da produção mundial de soja e 50% do comércio, é incrível a história da soja. Estimativas apontam que o custo do transporte usando a melhoria logística já proporcionada no Brasil está entre 15 a 20% menor.

Ponto positivo em janeiro foi a missão do agro brasileiro na Índia. Em 2019, vendemos a este país US$ 676 milhões, liderados por óleo de soja, açúcar, algodão, feijão, pimenta, óleos essenciais, suco e milho.

Considerando o potencial deste mega mercado no futuro, é fundamental construir as pontes empresariais e melhorar o ambiente institucional para as trocas, e estimulá-los a fazer etanol e tirar açúcar do mercado mundial. Parabéns à ministra Tereza Cristina e ao time do MAPA e APEX.

Antes de fechar o artigo com os cinco fatos do agro de fevereiro, um deles, como não poderia deixar de ser, é o coronavírus, e este merece atenção especial.

Minha análise, agora no final de janeiro sobre os impactos do coronavírus no agro, resumo nos seis pontos a seguir:

Qual o tamanho da infecção? A SARS levou nove meses para ser controlada. Se por um lado hoje temos mais fluxos de pessoas, temos também mais tecnologia e o aprendizado com a crise anterior. A China demorou para comunicar e agir, mas depois entrou com força total. O mundo também aparentemente parece estar melhor preparado.

A menos que sejamos surpreendidos com algo novo na contaminação, acredito que ela poderá ser menor e controlada mais rapidamente.

Qual o tamanho da desaceleração econômica? Creio que vai depender muito das medidas do Governo da China para compensar a perda de negócios e fechamento temporário de atividades, que mais uma vez, dependem da primeira pergunta.Pacotes de estímulo já sendo desenhados.

Onde a desaceleração econômica impacta mais? A desaceleração impacta mais no setor de serviços, como turismo, transportes, entretenimento, restaurantes e outros. É o primeiro a ser limitado e a ser cortado, seguido de bens industriais, cuja compra pode ser postergada.

Quais os impactos nos alimentos? A alimentação é a última coisa a ser cortada por uma família com restrições de renda, e nesta, primeiro sofrem os produtos mais supérfluos, como sobremesas e outros, e por último os mais básicos, que é onde entra a pauta exportadora do Brasil.

Restrições aos fluxos de produtos na China podem atrapalhar suas cadeias de produção? Sim. Falta de ração ameaça a produção de frango em Hubei e outros locais. Depende também da pergunta 1. Chineses podem precisar importar mais devido a problemas de falta de ração e outras restrições, pois a prioridade é controlar o vírus, mesmo que tenha que se importar mais produtos congelados e seguros.

Pode haver impactos comportamentais com a crise? Sim, é preciso observar se com este problema, haverá alguma migração de consumo destes produtos mais exóticos (morcegos, cobras e outros) mais para produtos seguros, como são as carnes tradicionais de frango, bovinos e suínos. Pode haver também corrida para estoques destes e ações do governo em importações emergenciais para suprir a demanda.

Li muitas análises negativistas, posso estar enganado, mas colocando no balanço as 6 questões acima, minha leitura hoje é que o coronavírus pode acabar sendo uma oportunidade às exportações do Brasil, principalmente das carnes?

Os cinco fatos do agro para acompanhar agora diariamente em fevereiro são:

Os impactos do coronavírus nas exportações.

O andamento da nossa safra, das exportações e o comportamento do clima, principalmente na segunda safra de milho. Além da nossa, acompanhar o andamento da safra na Argentina, que é um pouco menor que a do ano passado, mas maior que última estimativa.

China e Ásia: seguir notícias dos impactos da peste suína africana na Ásia nos preços e quantidades de carnes importadas do Brasil.

Efetivação do acordo comercial China e EUA e pressão nos preços dos nossos produtos.
O andamento das reformas no Brasil, com a retomada o crescimento e seus impactos ao agro e ao câmbio.

(*) Marcos Fava Neves é professor das Faculdades de Administração da USP em Ribeirão Preto e da EAESP/FGV em São Paulo.

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