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O cenário atual do movimento estudantil brasileiro

Por Hector de Oliveira Vieira (*) | 28/05/2025 08:12

O movimento estudantil brasileiro tem sido um ator importante na história do país, participando ativamente de processos políticos, sociais e culturais desde o início do século XX. Sua atuação, marcada por momentos de ascensão e refluxo, reflete as complexidades e contradições da sociedade brasileira. Este texto analisa a trajetória do movimento estudantil, destacando sua importância histórica, suas transformações ao longo do tempo e os desafios contemporâneos.

O movimento estudantil não é homogêneo nem estático. Sua atuação sempre esteve circunscrita historicamente, assim sendo um fenômeno complexo e dinâmico, moldado a partir dos contextos sociais, políticos e culturais de sua época.

Muitas vezes, o imaginário social constituído sobre o movimento estudantil o representa como algo essencialmente contestatório, radicalizado e homogeneizado. Essa imagem, em parte, deriva de sua atuação emblemática em momentos-chave da história, como a resistência à ditadura militar em 1968, a luta por liberdades democráticas no final dos anos 1970 e a campanha pelo impeachment de Collor nos anos 1990.

O movimento passa por ciclos influenciados pelo contexto político e pela capacidade de mobilização. Por exemplo, em 1964, o golpe civil-militar fragilizou a organização estudantil, mas, a partir de 1966, ela ganhou novo fôlego, atingindo o auge em 1968. Com o AI-5 veio um período de arrefecimento, e os estudantes só retomaram às ruas em 1977, durante a luta pela abertura política.

Esses períodos de retração não significam o colapso do movimento; ele se reinventa, adotando novas estratégias. Durante os “anos de chumbo”, iniciativas culturais e educacionais permitiram ao movimento manter sua relevância, preparando o terreno para futuras mobilizações. É preciso, portanto, fugir de certa visão idealizada e saudosista e interpretar o movimento estudantil na sua complexidade.

Sendo assim, consideramos que os fatores conjunturais pressionam o horizonte de possibilidades dos grupos organizados e das entidades estudantis, moldando suas formulações e práticas políticas. Esses fatores também impactam a maneira como os estudantes, de modo geral, produzem e compartilham valores, expectativas e constroem redes de relações.

As interações e disputas entre os grupos no interior do movimento exercem também um papel significativo na definição de suas práticas, formas de organização e nas maneiras como expressam suas ideias e reivindicações. Essas dinâmicas internas, por sua vez, influenciam a forma como outros grupos sociais interpretam e respondem a suas ações.

Mas qual é o cenário da atualidade? Primeiro, é importante destacar que os movimentos sociais no Brasil enfrentam um período de defensiva, impulsionado pelo avanço do neoliberalismo e pela ascensão da extrema-direita. Na última década, a luta dos movimentos tem sido marcada por uma agenda reativa, centrada na resistência à retirada de direitos, o que impacta o ânimo e as perspectivas de futuro da população em geral.

O ideário neoliberal dissemina um conjunto de valores que reforçam o individualismo, a meritocracia, o descrédito na política e o desestímulo à organização social. Esses aspectos têm um impacto profundo na juventude, segmento majoritário no movimento estudantil, que, em um momento crucial de formação de sua identidade e visão de mundo, é particularmente sensível às inquietações sociais de seu tempo.

A estagnação econômica dos últimos anos tem influenciado a percepção sobre o ensino superior, que, transformado em símbolo de ascensão social durante os anos 2000, hoje se mostra insuficiente para combater as desigualdades sociais.

Mesmo com diploma, muitos jovens enfrentam dificuldades salariais e de empregabilidade em suas áreas de formação, enquanto para outros, o acesso ao ensino superior ainda é visto como um objetivo distante e inalcançável. Somado a isso, o discurso obscurantista e negacionista dos últimos anos estimulou o descrédito na educação e na universidade.

Também é preciso considerar a mudança no perfil das instituições de ensino superior no país. A popularização do ensino superior alterou significativamente o perfil social dos estudantes. Com a chegada de grupos populares, consolidou-se a figura do estudante-trabalhador, que, ao conciliar estudo e trabalho, tem menos tempo e disponibilidade para o engajamento no cotidiano acadêmico. 

Ainda que possa se reconhecer nas pautas debatidas no movimento estudantil, há um conjunto de dificuldades experimentadas na sua realidade, como, por exemplo, mobilidade urbana, instabilidade financeira, acesso à internet e aos equipamentos culturais, questões de ordem racial, gênero e sexualidade. Ainda assim, parte significativa da atual geração de ativistas estudantis denota esse perfil e reivindica um ensino superior capaz de responder às suas demandas.

Além disso, em 2023, metade das matrículas no ensino superior corresponde a cursos na modalidade de Ensino a Distância, segundo o Censo da Educação Superior. Essa mudança impacta diretamente na sociabilidade e nas redes de relações entre os estudantes, que passam a ser mediadas por plataformas digitais, alterando significativamente as estratégias e formas de atuação do movimento estudantil.

Apesar dos desafios, o movimento estudantil mantém sua influência. A União Nacional dos Estudantes (UNE) desempenha um papel crucial ao unificar a representação estudantil, contrapondo-se à fragmentação típica dos movimentos sociais.

Em 2019, a entidade foi responsável pelo “Tsunami da Educação”, uma série de manifestações que levaram milhões de estudantes às ruas, na primeira grande mobilização após as eleições presidenciais de 2018. A UNE tem buscado se conectar às demandas atuais, como o fim da escala 6×1, a regulamentação do ensino privado, além de propor uma reforma universitária que visa modernizar a estrutura acadêmica.

O movimento estudantil demonstra potencial de adaptação e resistência em um cenário de crescentes adversidades, reafirmando seu papel como um ator fundamental na luta por um Brasil mais justo e democrático.

(*) Hector de Oliveira Vieira, historiador e mestrando no Programa de Pós-graduação em História da UFRGS

 

Os artigos publicados com assinatura não traduzem necessariamente a opinião do portal. A publicação tem como propósito estimular o debate e provocar a reflexão sobre os problemas brasileiros.

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