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Os BRICS e a reunião do G20: heterogeneidade e divergências

Por João Paulo Nicolini e MarCel Artioli (*) | 10/07/2017 08:53

O recente encontro, sediado em Hamburgo, do G20 – grupo formado pelas 19 maiores economias do mundo mais a União Europeia – se apresentou com o lema "Construindo um Mundo Interconectado". Nada mais sugestivo para enunciar o momento paradoxal vivido pelos países participantes dos BRICS (Brasil, Rússia, Índia, China e África do Sul). Se por um lado os emergentes ocuparam espaço relevante na conduta mais ou menos coordenada em resposta às crises mundiais; por outro, as discrepâncias apresentadas nas situações internas e nos interesses internacionais dos cinco membros parecem distanciar movimentos de confluência no arranjo.

A conjuntura atual confirma o pressuposto de que a centralidade sobre as decisões internacionais deveria ser expandida do âmbito do restrito G-7 (grupo formado por países desenvolvidos) para um ambiente em que se incluíssem também as potências emergentes. O momento pelo qual o G-20 conquistou maior espaço na formulação de agendas internacionais, com a primeira reunião entre seus chefes de governo em 2008, é o mesmo pelo qual os BRICS alinharam posicionamentos a fim de reordenar os principais mecanismos internacionais. As condições econômicas positivas dos emergentes no imediato pós-crise de 2008, demonstradas por taxas de crescimento acima da média internacional, deram oportunidades para mudanças institucionais nas estruturas obsoletas do Fundo Monetário Internacional (FMI), por exemplo. Diante deste quadro, estava formada a percepção de que os BRICS detinham uma potencial capacidade de convergência nas decisões de governança global.

Certamente, pode-se argumentar que, passados quase dez anos, os BRICS ainda fomentam a continuidade de tratativas intuindo posições semelhantes nos debates internacionais através de cúpulas anuais e encontros informais realizados tradicionalmente às margens do G-20. Contudo, embora comprometidos em argumentos e nos comunicados oficiais em relação a interesses comuns nos temas econômicos do comércio e das atividades financeiras, bem como sobre mudanças climáticas, a multiplicidade dos cenários internos de cada um dos BRICS resulta numa visível discrepância de interesses, o que invariavelmente dificulta que se mantenha a ambiciosa agenda conjunta observada na década passada.

Em meio a tantos eventos disruptivos no mundo, como a postura desestabilizadora da política "America First" de Donald Trump, os testes de mísseis na Coreia do Norte, o conflito sírio no Oriente Médio e a questão do Qatar, ninguém duvida da importância em ter China, Rússia e, muitas vezes, a Índia nas mesas de negociação da atual (des)ordem mundial. Em contrapartida, África do Sul e, principalmente, o Brasil assistem ao momentâneo enfraquecimento de suas relevâncias nas tratativas internacionais. Assim como o líder sul-africano, o presidente Michel Temer chegou a Hamburgo com uma agenda tímida e com o pensamento voltado para os desdobramentos das investigações que afetam diretamente seu governo. Temer levou consigo a missão de mostrar ao mundo que seu governo está vivo e que é capaz de aprovar as reformas prometidas. Mas, da mesma maneira que a atuação nos últimos anos de Dilma Rousseff, as proporções e ambições que o Brasil apresenta na atual ordem mundial não têm sido traduzidas em seu engajamento internacional.

Do Plano de Ação de Nova Délhi de 2012, que formalizou a ação conjunta dos BRICS dentro do G-20, até o presente, pode-se dizer que a heterogeneidade entre esses países se fez maior do que os pontos de convergência. A reunião de Hamburgo comprova essa afirmação na medida em que as divergências apresentadas incentivam a sobreposição de influências. As agendas russa e chinesa no G-20 de 2017 se desenrolam de percepções e interesses nacionais, transvestidos de roupagem multilateral. Além disso, nesta cúpula a ideia de BRICS, como um "bloco", já se fazia enfraquecida, devido à desavença fronteiriça envolvendo China e Índia na região do Sikkim.

Do ponto de vista geoeconômico, os alinhamentos entre os BRICS diminuíram. Além da discrepância interna, as capacidades de ação externa que cada um desses países desenvolveu recentemente são variadas. Contudo, isso não significa que os BRICS perderam relevância. As oportunidades que esse arranjo propicia para seus participantes e principalmente para a superação dos desafios globais são imensas, particularmente devido à construção institucional do Novo Banco de Desenvolvimento. Cabe ao Brasil retomar um posicionamento ativo nas negociações internacionais ao passo que supere suas dificuldades internas. A consolidação de sua candidatura à OCDE é vista pelo governo brasileiro como um passo importante.

Em Hamburgo, os BRICS se apresentaram mais afastados, buscando seus próprios interesses. A proposta de reformulação da governança global do início do século XXI está longe de se solidificar. Seus diferentes cenários internos e as novas interações advindas de um contexto de incertezas e possíveis redefinições geopolíticas resultou no protagonismo de China, Rússia e Índia, e, também, na timidez sul-africana e brasileira. Sem a superação das tensões atuais, a próxima cúpula dos BRICS, que ocorrerá em setembro de 2017 na China, está inclinada a ser uma repetição da anterior – mais divergências do que convergências.

(*)João Paulo Nicolini Gabriel e Marcel Artioli são mestrandos do Programa de Pós-Graduação em Relações Internacionais San Tiago Dantas (PUC-SP, UNESP e UNICAMP).



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