Advogada teria pago 475 mil por aval de juízes para golpe de 5 milhões em idoso
Segundo a PF, Emmanuelle Alves teria comprado decisões do desembargador Julio Siqueira e do juiz Paulo Afonso
Investigação da Polícia Federal que originou a Operação Ultima Ratio, contra venda de sentenças, aponta que advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva teria pago R$ 475 mil a um juiz e a um desembargador para garantir sentença favorável e permitir o saque ilegal de R$ 5,3 milhões de um engenheiro aposentado do Rio de Janeiro.
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A Operação Última Ratio, deflagrada pela Polícia Federal, investiga um esquema de venda de sentenças no Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul, envolvendo a advogada Emmanuelle Alves Ferreira da Silva, que teria pago R$ 475 mil a um juiz e um desembargador para garantir uma decisão favorável que permitiu o saque ilegal de R$ 5,3 milhões de um engenheiro aposentado. O caso destaca a participação de magistrados, que ignoraram alertas sobre possíveis fraudes, e revela um "balcão de negócios" dentro do sistema judiciário, com evidências de corrupção passiva e manipulação de decisões judiciais para favorecer interesses pessoais.
No centro das acusações estão o desembargador aposentado Júlio Roberto Siqueira Cardoso, que atuava na 5ª Câmara Cível do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) e o juiz Paulo Afonso de Oliveira, da 2ª Vara Cível de Campo Grande, suspeitos de liberar uma transação fraudulenta mesmo alertados da possível falsificação dos documentos apresentados pela advogada.
O caso, até então, era considerado um dos maiores escândalos no judiciário sul-mato-grossense e envolve ainda a participação dos advogados Fábio Castro Leandro, filho do ex-presidente do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul), desembargador Paschoal Carmello Leandro, e Rodrigo Gonçalves Pimentel, filho do desembargador Sideni Soncini Pimentel, que assumiria a Corte no próximo ano.
Emmanuelle, que é esposa do juiz Aldo Ferreira da Silva Júnior – aposentado compulsoriamente por venda de sentença – já havia sido presa pelo Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) e condenada a três anos de prisão, mas foi absolvida pelo STJ (Superior Tribunal de Justiça) com a justificativa de que o crime de “golpe judicial” não está previsto no Código Penal.
De acordo com a PF, as irregularidades no julgamento foram alertadas à Justiça, mas o juiz Paulo Afonso teria ignorado as advertências e permitido o saque de milhões de reais para Emmanuelle. Além disso, o desembargador Júlio Siqueira, que atuou no caso em segunda instância, teria tomado conhecimento das suspeitas de falsificação e, ainda assim, não impediu o golpe.
Em um dos trechos do despacho, o ministro Francisco Falcão, do STJ, destacou o que chamou de “balcão de negócios” operando dentro do sistema judiciário: “Diante da alta inverossimilhança de tal contrato 'de gaveta' e seu aditivo, entendemos que tal a explicação aumenta as suspeitas de que Rodrigo Pimentel e Fabio Leandro possam ter intermediado a venda de decisões judiciais de Julio Cardoso e Paulo Afonso, que, cientes da alegação de falsificação, determinaram o pagamento de notas promissórias que totalizaram mais de R$ 5 milhões”.
Logo após a autorização judicial e o saque, Emmanuelle teria repassado o valor aos advogados Fábio Leandro e Rodrigo Pimentel. Segundo a Polícia Federal, houve uma compra de um terreno no valor de R$ 425 mil, em que R$ 300 mil foram pagos a Pimentel e R$ 125 mil a Fábio Leandro, confirmados como comissão de corretagem. O envolvimento de Fábio Leandro e Rodrigo Pimentel gerou questionamentos dentro da própria investigação.
A PF destacou em seu relatório: “Por qual motivo Fabio Leandro estava trabalhando como corretor se possui um grande escritório de advocacia? Por que Rodrigo Pimentel faz aditivo de um negócio fechado, dando desconto de R$ 25 mil para antecipar o pagamento de R$ 125 mil?”.
Em outro trecho do documento, a PF acrescenta que as atividades não tinham reconhecimento formal, como o registro de testemunhas: “Por que o contrato, que envolve um alto valor, não tem testemunhas nem reconhecimento de firma?”. A ausência desses elementos, segundo o inquérito, reforça a tese de que o pagamento foi uma forma de disfarçar a venda de sentenças. Ainda de acordo com a PF, o envolvimento dos magistrados foi evidente, uma vez que as decisões não foram fundamentadas em provas claras.
As investigações da PF detalharam o passo a passo das decisões judiciais que permitiram o golpe. No dia 15 de dezembro de 2016, foi apresentada a petição inicial na ação de execução. Posteriormente, o juiz Paulo Afonso julgou improcedentes os embargos apresentados pela defesa do engenheiro aposentado, mesmo com as declarações de falsificação de documentos.
Em maio de 2018, o desembargador Júlio Cardoso suspendeu o pagamento após um recurso de apelação do aposentado, mas voltou atrás em junho, revogando a suspensão e permitindo o impedimento do processo de execução. Apenas três dias depois, Paulo Afonso autorizou o saque de R$ 5,3 milhões por Emmanuelle.
Em 22 de junho de 2018, Emmanuelle enviou um e-mail ao advogado Fábio Leandro com documentos que comprovariam a obtenção do dinheiro. No entanto, logo em julho, foi presa pelo Gaeco e obrigada a devolver o valor ao aposentado.
Com o desdobramento das investigações, o CNJ (Conselho Nacional de Justiça) levou o juiz Aldo Ferreira da Silva Júnior, marido de Emmanuelle, do cargo. Posteriormente, o TJMS o aposentou compulsoriamente por corrupção e venda de sentença, e ele ainda responde a três processos na Justiça, atualmente na 4ª Vara Criminal de Campo Grande.
Embora o TJMS tenha promovido uma análise do caso, o juiz Paulo Afonso foi poupado de processos administrativos internos por um voto, o que gerou críticas e desconfiança pública sobre o alcance da impunidade. Segundo a PF, as decisões dos magistrados Paulo Afonso e Júlio Cardoso demonstram “tamanha falta de fundamentação que dificilmente se trata de meros erros de julgamento, mas sim de uma participação e ativa de um esquema de corrupção”.
Ao final, o relatório que deu origem a operação, a Polícia Federal expressou uma posição contundente sobre a gravidade do caso. “As atuações de tais magistrados nos processos denunciados são, a nosso ver, tão absurdas que dificilmente se trataram de erros, mas sim de atuações conscientes de que estavam participando de um estelionato de mais de R$ 5 milhões, apontando que 'venderam' suas decisões e que praticaram crime de corrupção passiva”, conclui o inquérito.
A reportagem não conseguiu contato com os investigados que são citados na investigação da Polícia Federal. O espaço segue aberto para manifestações.