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Cidades

Ameaças do PCC em MS colocavam juízes, promotores e até governador Doria na mira

Insatisfeitos com transferências, líderes de facção planejavam matar de policiais a governador

Anahi Zurutuza | 11/04/2022 18:46
Policiais penais durante a inauguração da segunda unidade no Complexo Penal da Gameleira; local conhecido como "Federalzinha" fica ao lado da "Supermáxima". (Foto: Paulo Francis/Arquivo)
Policiais penais durante a inauguração da segunda unidade no Complexo Penal da Gameleira; local conhecido como "Federalzinha" fica ao lado da "Supermáxima". (Foto: Paulo Francis/Arquivo)

A insatisfação com as transferências de líderes do PCC (Primeiro Comando da Capital) para presídios com regras mais rígidas, que dificultam o contato com o mundo externo, é o principal motivo para que a facção tramasse atentados contra policiais penais e outros servidores do sistema carcerário, além de promotores e juízes. Até o governador de São Paulo, João Doria (PSDB), estava na mira, conforme relatórios de inteligência que municiaram o Gaeco (Grupo de Atuação Especial e Combate ao Crime Organizado) em denúncia contra a chamada “Sintonia dos Gravatas” em Mato Grosso do Sul.

Os planejamentos de ataques ao político e também ao diretor do Deppen (Departamento de Polícia Penal) do Paraná, Francisco Alberto Caricati, tiveram contribuições de integrantes do PCC presos na Penitenciária Estadual Masculina de Regime Fechado da Gameleira, conhecida como Supermáxima.

De acordo com a investigação da inteligência da Agepen (Agência Estadual de Administração do Sistema Penitenciário de MS), a cobrança para a realização dos ataques partiu de detentos da Penitenciária Federal de Porto Velho (RO), mas Ed Carlos Rodrigues Dias, conhecido como “Heitor”, e Elson Pereira dos Santos, o “Gordinho”, ambos removidos de Rondônia para a unidade do sistema carcerário estadual, foram os responsáveis por difundir a ordem.

Parágrafo de relatório da inteligência da Agepen. (Foto: Reprodução)
Parágrafo de relatório da inteligência da Agepen. (Foto: Reprodução)

Dentre outros “projetos” do PCC interceptados pela Gisp (Gerência de Inteligência do Sistema Penitenciário), em abril de 2021, também estava a organização de fuga de detentos da Supermáxima – façanha inédita, se tivesse sido concretizada. A ação estaria sendo capitaneada por Edimar da Silva Santana, vulgo “Arqueiro”, que contou com a ajuda de “Heitor” para fazer a interlocução com presos do Estabelecimento Penal Jair Ferreira de Carvalho, o presídio de segurança máxima localizado na saída para Três Lagoas. “Arqueiro”, conforme as apurações, havia conseguido apoio de traficante para fornecer 159 armas, longas e curtas, a serem usadas nos atentados contra os agentes.

Para viabilizar o plano, a intenção era assassinar funcionários públicos com cargo de gestão na Penitenciária da Gameleira e policiais penais integrantes do Cope (Comando de Operações Penitenciárias). Bilhete encontrado na cela 25 do pavilhão 1 da Supermáxima, assinado por “Heitor”, traz lista com vários nomes e fala em “cortar árvores e colocar fogo” e contém a frase “todos já rastreados”, o que para o Gaeco indica que “foram feitos levantamentos a respeito da rotina desses servidores, a fim de que também fossem alvos de atentados”.

Pedaço de um dos bilhetes encontrados em cela da Supermáxima. (Foto: Reprodução)
Pedaço de um dos bilhetes encontrados em cela da Supermáxima. (Foto: Reprodução)

De MS para MG - Ed Carlos Rodrigues Dias, o “Heitor”, também é apontado nos relatórios que sustentam a investigação contra os “gravatas” como o autor de ordens para executar juízes da Vara de Tóxicos e Execução Penal de Belo Horizonte (MG) e promotora atuante na área. Outro manuscrito apreendido em cela contém as determinações de “Heitor” – preso que foi transferido para a Supermáxima em julho de 2020. Foi na cela em Mato Grosso do Sul que ele começou a colocar em prática o que planejava desde setembro de 2019, quando foi transferido da unidade do sistema carcerário de Minas Gerais para o Presídio Federal de Porto Velho.

O bilhete fala em colocar o plano em prática, “cortar” as autoridades porque “já deu”. Na mensagem, há ainda local e a lista de armas que serão disponibilizadas para as execuções.

Manuscrito assinado por "Heitor" interceptado em presídio da Capital. (Foto: Reprodução)
Manuscrito assinado por "Heitor" interceptado em presídio da Capital. (Foto: Reprodução)

Transferido para o Presídio Federal de Campo Grande, o detento passou a traçar plano para atentar contra o juiz Fernando Chemin Cury, responsável pela 1ª VEP (Vara de Execuções Penais) de Campo Grande. O preso diz se sentir “perseguido” pelo magistrado e promete “resposta à altura”, desta vez, em requerimento datado de 28 de junho de 2021, à Divisão de Segurança e Disciplina da unidade penal. “Não sou sozinho, tenho quem lute por mim na rua nos Estados de MS e MG”, completa o texto.

“Matar um promotor” - Ameaça de atentado também foi registrada contra Thalys Franklyn de Souza, promotor do Gaeco. Segundo a denúncia, a investida contra o promotor aconteceria caso Edimar da Silva Santana, o “Arqueiro”, fosse levado para o sistema penitenciário federal. O pedido do Gaeco foi em primeiro de julho e a transferência se concretizou em 2 de julho de 2021.

Local destinado aos visitantes e advogados na Supermáxima; conversa acontece através de vidro, sem a possibilidade de contato físico. (Foto: Reprodução)
Local destinado aos visitantes e advogados na Supermáxima; conversa acontece através de vidro, sem a possibilidade de contato físico. (Foto: Reprodução)

Parlatório – É neste momento que entram os principais alvos da Operação Courrier, desencadeada no dia 25 de março e que teve como alvo principal o núcleo do PCC responsável pela articulação dos planos da organização criminosa, fazendo o “leva e traz” de mensagens trocadas entre lideranças e contendo as tarefas direcionadas aos “missioneiros” – membros da facção que estão em liberdade.

Cooptar advogados para integrar a “Sintonia dos Gravatas” passou a ser indispensável com a inauguração da Supermáxima em Campo Grande, concluiu o Gaeco nas investigações. No presídio, presos não têm contato físico com os visitantes e defensores, o que dificulta a entrada ilegal de celulares. Além disso, não há energia nas celas, atrapalhando o uso clandestino dos telefones.

A comunicação fica restrita aos bilhetes cujas mensagens são receptadas pelos visitantes ou “gravatas” por meio do vidro dos parlatórios, para depois, serem levados aos destinatários.

A operação – A Courrier (do francês, correspondência) levou quatro advogados presos, três deles denunciados formalmente à Justiça – Bruno Ghizzi, que passou de delator a investigado e demonstrou, ao longo das apurações, ser um dos “gravatas” mais atuantes no esquema, e as advogadas Paula Tatiane Monezzi e Inaiza Herradon Ferreira, apontadas como as responsáveis por recepcionar e distribuir pelo menos uma das ordens de execução.

Trecho da denúncia do Gaeco contra advogados e detentos. (Foto: Reprodução)
Trecho da denúncia do Gaeco contra advogados e detentos. (Foto: Reprodução)


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