Comunidades terapêuticas não são vilãs, diz federação após mais uma interdição
Desde 2023, instituições de Campo Grande e cidades do interior vêm sendo fechadas após fiscalização

O Bairro Chácara dos Poderes, próximo à saída de Campo Grande, virou reduto de comunidades terapêuticas nas últimas décadas. A região fica no limite do perímetro urbano da cidade, quase não tem ruas asfaltadas e está isolada de comércios, residenciais e de pontos de ônibus.
RESUMO
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Comunidades terapêuticas em Campo Grande enfrentam desafios financeiros e de fiscalização. Nos últimos dois anos, pelo menos quatro instituições foram fechadas na capital sul-mato-grossense devido a irregularidades estruturais e assistenciais. A Federação de Comunidades Terapêuticas defende mais recursos e apoio governamental. As entidades, que atendem dependentes químicos e pessoas com transtornos mentais, recebem R$ 1,3 mil por acolhido da prefeitura, valor considerado insuficiente pelos gestores. O Estado não contribui financeiramente, e das 315 vagas sociais disponíveis na cidade, apenas 15 são destinadas ao público LGBT, distribuídas entre 11 comunidades.
Elas recebem um grupo que a maioria da população, num olhar segregador, quer ver distante da parte mais habitada da cidade: dependentes químicos e pessoas com transtornos mentais associados ao uso de álcool e drogas. Lá, eles podem morar por até um ano e têm direito a um tratamento para se livrar dos vícios baseado, principalmente, na convivência entre iguais. A entrada é voluntária. O funcionamento é financiado por convênios com o poder público.
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Desde 2023, instituições desse e de outros bairros vêm sendo fechadas na Capital por diferentes forças-tarefas feitas com integrantes do MPCT (Mecanismo Nacional de Prevenção e Combate à Tortura), Defensoria Pública Estadual, MPF (Ministério Público Federal), MPT (Ministério Público do Trabalho), MTE (Ministério do Trabalho e Emprego) e Vigilância Sanitária, entre outras instituições. A última interdição ocorreu há seis dias, em 18 de novembro.

Pelo menos quatro foram fechadas nos últimos dois anos em Campo Grande, além de uma em Dourados e duas em Fátima do Sul, conforme casos que o Campo Grande News já mostrou. Os motivos vão desde estrutura precária, ausência de profissionais de saúde, suspeita de superdosagem de medicamentos e atendimento a pessoas que deveriam estar em clínicas de reabilitação ou ocupando leitos psiquiátricos em hospitais habilitados.
Necessidade de mais recursos - Na vice-presidência do Esquadrão da Vida, uma comunidade terapêutica aberta há 26 anos na Capital, está o pastor e advogado Otoni César, que atualmente também é o presidente da Fesmact (Federação de Comunidades Terapêuticas de Mato Grosso do Sul). Com o pastor Samir Zayed, que é presidente do local e também já comandou a entidade estadual, ele falou nesta segunda-feira (24) sobre os fechamentos, sobre a necessidade de mais recursos e sobre a imagem negativa que afeta as unidades como um todo.
Otoni primeiro explica que as comunidades precisam seguir a RDC (Resolução da Diretoria Colegiada da Agência Nacional de Vigilância Sanitária) nº 29/2011 da Anvisa, e diz que a maioria cumpre, enquanto a minoria realmente comete falhas graves.
"A gente defende o trabalho de vistorias que está sendo feito. Agora, se foram encontradas irregularidades, é natural que as comunidades tenham uma contrapartida dos órgãos públicos, tenham direito à defesa e ao contraditório, um tempo para se readequarem", complementa.
A Federação não tem o papel de fiscalizar, mas presta orientação às instituições sobre os requisitos mínimos para funcionarem. Atualmente, são 11 as federadas no Estado, sendo a maioria de Campo Grande, todas elas conveniadas com a prefeitura.
Sobre a necessidade de mais recursos, o pastor Otoni dá como exemplo o caso do Esquadrão, que recebe R$ 1,3 mil por acolhido da Prefeitura de Campo Grande, mas só consegue se manter porque utiliza reservas de caixa e recebe doações de entidades como a Ceasa/MS (Centrais de Abastecimento de Mato Grosso do Sul) e o Sesc (Serviço Social do Comércio), por exemplo. A boa estrutura e organização que a comunidade tem hoje foram construídas em épocas mais favoráveis, segundo Samir, que é ex-usuário de drogas e seu fundador.
A expectativa para melhorar as finanças é o lançamento de um edital de financiamento que o Governo Federal está para lançar. A última oportunidade de subsídio da União foi encerrada em 2023, segundo acompanham Otoni e Samir. "Melhorias que conseguimos fazer e os recursos que guardamos vêm da época do último edital", acrescenta o presidente do Esquadrão.
Os pastores acreditam que não somente prefeituras e Governo Federal, mas também o Governo Estadual deveria contribuir com o financiamento. "Não dá um centavo. Poderia investir em projetos, no CAPS (Centro de Atenção Psicossocial) Álcool e Drogas, em criar uma casa de recuperação. Ele não investe", critica Otoni.
O número de vagas para acolhimento também está em descompasso com a quantidade de pessoas que precisam dessa assistência hoje nas cidades.
Se forem 3% de pessoas usuárias de álcool e drogas em uma cidade, a Campo Grande de quase 1 milhão de habitantes teria pelo menos 30 mil pessoas. Mas sabe quantas vagas sociais existem? 315 em Campo Grande, e são 315 repartidas em 11 comunidades terapêuticas, sendo que 15 vagas são para o público LGBT, e as demais divididas entre as outras 10 comunidades", detalha Samir.
O presidente da Fesmact acredita que o poder público não daria conta de gerir uma comunidade terapêutica com recursos tão escassos. "Se a nossa fosse pública, meu Deus, que valor seria? O que nós mantemos aqui, o Município gastaria aí pelo menos R$ 400 mil por mês. Tranquilamente", compara.
O Ministério Público também deveria atuar de forma mais incisiva, cobrando maior fiscalização e recursos para combater o abuso de drogas e álcool, acrescenta o pastor. Paralelamente a isso, o Estado precisa olhar para as vantagens econômicas de recuperar um usuário de drogas. "Deveria pensar que, pelo menos aquele cidadão ali, em vez de ficar roubando, matando, abusando, espancando a esposa, destratando os filhos e não trazendo nada para dentro de casa, pode se tornar um cidadão economicamente ativo. Ter um salário para ir a um comércio e estabelecer o círculo financeiro da sociedade, pagar INSS (Instituto Nacional de Seguridade Social) e ter FGTS (Fundo de Garantia do Tempo de Serviço)", afirma Otoni.
Imagem negativa - Quanto à imagem ruim que desvios de verbas e outras irregularidades estão produzindo nacionalmente sobre as comunidades terapêuticas, o pastor defende que as instituições regulares devem ser mantidas abertas e precisam ser mais apoiadas pelo poder público, porque não são vilãs e serão ainda mais necessárias com a descriminalização do porte de drogas.
"O que temos visto na sociedade são pessoas com transtornos mentais graves porque a maconha é a maior porta de entrada da esquizofrenia paranoica. A gente vê que essa estrutura está criando uma sociedade altamente doente, com transtornos mentais", opina Otoni.
A reportagem questionou a assessoria de imprensa do Governo de Mato Grosso do Sul sobre o investimento em comunidades terapêuticas e outras políticas de recuperação de dependentes químicos, mas não houve resposta até a publicação desta matéria. O espaço segue aberto.
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