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Cidades

Conflito de 20 anos é exibido em "rua chique" para cobrar indenização por terras

Já são duas décadas de briga por "Terras Buriti", com 17.200 hectares, sangue e muitos apelos à Justiça

Aline dos Santos | 20/05/2021 13:15
Outdoor na Rua Euclides da Cunha, em Campo Grande, lembra saga da Terra Buriti. (Foto: Marcos Maluf)
Outdoor na Rua Euclides da Cunha, em Campo Grande, lembra saga da Terra Buriti. (Foto: Marcos Maluf)

Com foto de um imóvel em chamas e a frase “Terras Buriti, há 20 anos esperando Justiça!”, outdoor trouxe o histórico conflito fundiário entre fazendeiros e indígenas de Sidrolândia para a Euclides da Cunha, uma das ruas “mais caras” de Campo Grande e bem perto da padaria por onde circulam os endinheirados de Mato Grosso do Sul.

A iniciativa de espalhar os cartazes foi dos proprietários rurais, expulsos das fazendas em ações chamadas pelos terena de retomada. No caso da Buriti, ação feita a preço de sangue de uma das lideranças indígena, morta a tiros no conflito.

Após tanto tempo e à espera de decisão judicial, fazendeiros ouvidos pela reportagem nem pensam mais em retomar a posse das terras, mas cobram que o governo federal pague indenização pelas áreas.

Sede da Fazenda Buriti foi incendiada em 2013. (Foto: Marcos Tomé/Região News)
Sede da Fazenda Buriti foi incendiada em 2013. (Foto: Marcos Tomé/Região News)

A batalha pelas “Terras Buriti” está longe do noticiário desde 2018, quando decisão do STJ (Superior Tribunal de Justiça) rejeitou ampliação de aldeia, com a posse para os fazendeiros. Agora, o processo está parado no STF (Supremo Tribunal Federal) e também aguada o julgamento de um processo sobre terra indígena com repercussão geral, válido para todo o Brasil.

Nós, os invadidos da região do Buriti, há 20 anos nesse imbróglio, estamos esperando uma decisão final. O recurso no Supremo está há dois anos sem decisão. Estamos indignados, a nossa Justiça parece esquecer que a sociedade depende dela”, afirma Ricardo Bacha.

Segundo ele, são 27 fazendas invadidas, mas Bacha, com larga carreira política – foi deputado estadual e disputou o governo em 1998 (tendo como cabo eleitoral até o apresentador Ratinho) – se tornou o “rosto” dos fazendeiros na imprensa.

O imóvel que aparece em chamas no outdoor é a sede  da fazenda Buriti, propriedade de Bacha. “Destruíram tudo, queimaram a minha propriedade, roubaram o meu gado. Se não tivesse outra propriedade, estaria pedindo emprego desde 2013, como muita gente lá ficou, teve que virar caminhoneiro, peão de fazenda. Desorganizaram a vida produtiva de uma série de famílias”, afirma Ricardo Bacha.

Roberto Bacha (à esquerda), ao lado de Ratinho durante campanha, virou "rosto" dos fazendeiros. 
Roberto Bacha (à esquerda), ao lado de Ratinho durante campanha, virou "rosto" dos fazendeiros.

O ex-deputado avalia que a sua fazenda também é a mais lembrada noticiário por ter sido lá a morte de um índio, atingido durante reintegração de posse liderada pela PF (Polícia Federal). “A PF foi recebida a bala pelos índios, revidou, acabou morrendo um na minha fazenda, passou a ter evidência”, diz.

O economista Júlio Cezar Araújo Garabini conta que sua fazenda, a Àgua Doce, foi o coração da invasão em Sidrolândia.  Há dez anos, desde 4 de julho de 2011, ele não pode colocar os pés na área de 620 hectares.

“Quero a indenização das terras”, cobra Garabini. De acordo com ele, os indígenas arrendaram parte da área para terceiros, que são atraídos pela qualidade do solo na região.

O sangue encontra a terra - O terena Oziel Gabriel, 35 anos, foi morto durante a reintegração de posse, ocorrida em 30 de maio de 2013, feriado de Corpus Christi.

Baleado no abdômen, ele foi levado até o hospital beneficente Elmíria Silvério Barbosa, em Sidrolândia. No meio do trajeto, o carro onde era transportado desgovernou e a vítima, inconsciente, foi levada de carona por um avicultor que passava pelo local. Ele morreu no hospital.

Caixão de Oziel, morto durante reintegração de posse liderada pela PF. (Foto: Simão Nogueira)
Caixão de Oziel, morto durante reintegração de posse liderada pela PF. (Foto: Simão Nogueira)

A Polícia Federal informou que três policiais ficaram feridos. No colete balístico de um deles foi encontrado um projétil. A morte de Oziel mobilizou o governo federal, a Justiça e a Segurança Pública. O primeiro enviou o ministro, a segunda um conciliador do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) e a terceira mandou 210 policiais da Força Nacional para pacificar os ânimos.

O mais próximo de um acordo foi quando a então presidente Dilma Rousseff (PT) autorizou a compra das fazendas, a chamada terra nua. Mas houve impasse sobre valores.

À espera da Justiça – Em março de 2018, decisão tomada pelo plenário do Superior Tribunal de Justiça manteve posicionamento de que área da Fazenda Buriti, entre Sidrolândia e Dois Irmãos do Buriti, não é terra indígena.  O Campo Grande News não conseguiu contato com o advogado Newley Amarilla, que representa os produtores rurais.

De acordo com o advogado Anderson Santos, do Cimi (Conselho Indigenista Missionário), há um recurso extraordinário para ser julgado pelo STF (Supremo Tribunal Federal), que esta suspenso por conta do processo sobre a repercussão geral.

Região da fazenda Buriti, em Sidrolândia, local de confronto em 2013. (Foto: João Garrigó/Arquivo)
Região da fazenda Buriti, em Sidrolândia, local de confronto em 2013. (Foto: João Garrigó/Arquivo)

Nove vezes maior – A Terra Indígena Buriti tinha 2.090 hectares, mas estudo da Funai (Fundação Nacional do Índio) apontou área quase nove vezes maior: 17.200 hectares. Há 20 anos, em 2001, fazendeiros pediram anulação dos laudos. Na sequência, perícia antropológica foi favorável à ampliação. Com decisões da Justiça oscilando entre fazendeiros e indígenas.

De acordo com Alberto Terena, coordenador do Conselho do Povo Terena de Mato Grosso do Sul, atulamente há cultivo de alimentos na Terra Buriti: feijão de corda, mandioca, banana, batata doce, quiabo. Ele nega o arrendamento de terras para terceiros

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