ACOMPANHE-NOS     Campo Grande News no Facebook Campo Grande News no X Campo Grande News no Instagram
NOVEMBRO, SEXTA  22    CAMPO GRANDE 28º

Cidades

Denúncia revela suposta negociata para beneficiar preso famoso em MS

Traficante internacional recebeu atestado da Agepen para ser levado para Ponta Porã, mas Justiça barrou transferência

Helio de Freitas, de Dourados, e Nyelder Rodrigues | 18/01/2021 08:57
Presídio de trânsito em Campo Grande, onde traficante internacional está há quase cinco anos (Foto: Divulgação)
Presídio de trânsito em Campo Grande, onde traficante internacional está há quase cinco anos (Foto: Divulgação)

Condenado a 40 anos de prisão por tráfico internacional de drogas, com pena a cumprir até 2037 e previsão de progressão para o regime semiaberto apenas em junho de 2029, Aldo José Marques de Souza, o “Sheik”, um dos bandidos mais famosos de Mato Grosso do Sul, está no epicentro de um escândalo envolvendo a cúpula do sistema penitenciário estadual.

Até agora mantido em sigilo, o caso envolve documentos internos da Agepen a favor da transferência dele para presídio da fronteira com o Paraguai, ignorando seu alto grau de periculosidade e a ligação que mantém com os cartéis da droga. Cobrada pelo Ministério Público e pelo Poder Judiciário, a Corregedoria da agência penitenciária investiga a história desde 2019.

Dossiê com farta documentação enviado de forma anônima ao Campo Grande News revela que Aldo José Marques de Souza estava sendo beneficiado pelo esquema ilegal para conseguir sua transferência do Presídio de Trânsito da Capital para a Unidade Penal Ricardo Brandão, em Ponta Porã, cidade separada apenas por uma rua do Paraguai e uma das principais bases do crime organizado na fronteira.

Oficialmente, o traficante argumentou que desejaria ficar mais perto da família, mas o real objetivo, segundo a denúncia, seria aproveitar a pouca segurança da cadeia e a proximidade com o território paraguaio para fugir.

Acusado de ser piloto do megatraficante colombiano Juan Carlos Ramírez Abadia e manter ligações com os também traficantes Fernandinho Beira-Mar e Irineu Domingos Soligo, o “Pingo”, além de negócios com o PCC (Primeiro Comando da Capital), Aldo José ficou famoso na década passada após ser acusado de ter tramado o assassinato do então juiz federal Odilon de Oliveira, que o havia condenado a quase três décadas de cadeia por tráfico.

“Bom moço” – Mesmo com a extensa ficha de “serviços prestados” a grandes traficantes da América do Sul, Aldo José Marques Brandão ganhou atestado de “bom moço” da Diretoria de Operações da Agepen e por muito pouco não conseguiu ser transferido para o presídio de segurança média de Ponta Porã.

Depois de ficar um tempo no Presídio Federal e passar pela penitenciária de Dourados, Aldo José Brandão está no Presídio de Trânsito de Campo Grande desde 3 de fevereiro de 2016.

No ano seguinte, a defesa entrou com pedido de transferência dele para o presídio de Ponta Porã. No dia 8 de janeiro de 2018, o diretor de Operações da Agepen, Acir Rodrigues, enviou ofício à 1ª Vara de Execução Penal da Capital afirmando que Aldo possuía “conduta disciplinar classificada como ótima” e não tinha “indicativos de envolvimento em assunto com facção criminosa, bem como não exerce liderança negativa”.

Juiz autorizou – Levando em conta o documento da Agepen, no dia 27 de março de 2018 o juiz Caio Márcio de Britto autorizou a transferência do traficante para Ponta Porã e permitiu que, se fosse necessário, fizesse a permuta com algum detento daquela cadeia interessado em ser removido para a Capital.

No início de abril de 2018 o juiz de Ponta Porã e a Diretoria de Operações a Agepen foram comunicados pela Vara de Execução Penal sobre a autorização. O caminho estava aberto para Aldo José Brandão conseguir ficar “perto da família”.

Foi por muito pouco. Já estava tudo pronto para o traficante ser levado para Ponta Porã, mas no dia 27 de abril de 2018, o então diretor do presídio da fronteira enviou ofício ao Poder Judiciário informando que “apesar da análise favorável da Gisp (Gerência de Inteligência do Sistema Penitenciário) e Diretoria de Operações da Agepen, não há interno interessado em permuta” e que devido à superlotação não havia vaga disponível na unidade.

Barão do tráfico – Em junho de 2018, diante de novo pedido de transferência de Aldo Brandão, dessa vez para o Instituto Penal de Campo Grande, a Gerência de Inteligência da Agepen deu parecer totalmente contrário ao documento enviado cinco meses antes.

No ofício encaminhado ao juiz Caio Márcio de Britto, o gerente de Inteligência da Agepen Pedro Paulo Prieto afirma ter feito “nova análise” no perfil, cita Aldo como “barão do tráfico internacional” e a ligação dele com narcotraficantes e com a facção PCC.

Por fim, Prieto não recomenda a transferência “considerando a grande quantidade de pena a cumprir pelo custodiado e seu envolvimento com organizações criminosas” e a fragilidade estrutural do Instituto Penal, assim como do presídio de Ponta Porã.

O assunto ficou adormecido até abril de 2019, quando Aldo José Brandão tentou de novo ser transferido para o presídio de Ponta Porã. Para surpresa geral, a Gerência de Inteligência da Agepen, que no ano anterior tinha apontado a ligação dele com o cartel da droga, deu outra versão sobre a vida criminosa do traficante.

Em comunicação interna sigilosa enviada em 10 de maio de 2019 à diretoria da Agência, o gerente de Inteligência Penitenciária Pedro Paulo Prieto afirmou:

"Em atenção à CI [comunicação interna], datada de 23 de abril de 2019, que versa sobre a transferência do interno Aldo José Marques Brandão para a Comarca de Ponta Porã, esta Gerência de Inteligência tem a informar que após consulta ao banco de dados, não foram encontrados dados capazes de indicar o envolvimento ou não do custodiado com organização criminosa”.

MP – A confusão chamou a atenção do Ministério Público. No dia 18 de julho de 2019, a promotora Paula da Silva Volpe cobrou providências da Agepen.

“Foi juntado novo parecer da Gisp, diferentemente de pareceres anteriores, que informou que não foram encontrados dados capazes de indicar o envolvimento ou não do custodiado com organizações criminosas”, cita a promotora. No documento, ela pediu a manutenção de Aldo José Brandão na Penitenciária de Segurança Máxima da Capital.

Também solicitou que o juiz da Vara de Execução Penal determinasse à Gerência de Inteligência atualização dos dados “para que não existam mais divergências entre os pareceres”. Aldo continua no Presídio de Trânsito da Capital, unidade que deveria abrigar apenas presos provisórios.

Unidade Penal Ricardo Brandão, para onde traficante tenta ser transferido (Foto: Divulgação)
Unidade Penal Ricardo Brandão, para onde traficante tenta ser transferido (Foto: Divulgação)

Outra parte - A reportagem do Campo Grande News conversou com o diretor-presidente da Agepen, Aud de Oliveira Chaves, que negou com veemência todas as acusações feitas no dossiê e ainda deu sua versão e explicação de item por item do que foi denunciado.

Segundo Aud, em nenhum momento os pareceres da Agepen foram favoráveis a transferência de Sheik para a fronteira. "O primeiro documento trata-se apenas de um atestado sobre o comportamento do interno no presídio, e nada mais que isso", frisa.

Contudo, o diretor explica que posteriormente o juiz Caio Márcio de Brito e o diretor do presídio de Ponta Porã, Justo Aquino Navarro, fizeram um erro de interpretação daquele documento, o tratando como um parecer da Gisp, sendo que na verdade era uma mera análise de conduta carcerária da Diretoria de Operações.

Logo depois do presídio de Ponta Porã negar vaga por superlotação, outro documento da própria Gisp, apresentado por Aud, referencia que nenhum parecer foi emitido pela gerência sobre o caso, sendo que o primeiro ofício não se tratou de um parecer, ao contrários dos demais, esses sim análises de perfil sobre Sheik.

O ofício data de 22 de maio de 2018 e reforça a boa conduta do interno, mas trata Aldo José como condenado com envolvimento com Abadia, usando inclusive material jornalístico como prova de tal periculosidade e que sua transferência para Ponta Porã era inadequada, o tratando como "Barão do Tráfico Internacional".

"Esse documento usou dados abertos, como chamamos aqueles que não estão em nosso sistema. Temos essa defasagem, algo pode estar na PF (Polícia Federal), mas aqui não temos nada oficialmente", destaca Aud, frisando que a defesa de Aldo recorreu do caso e assim os dados abertos tiveram que ser desconsiderados.

Mudança - Daí, de acordo o diretor da Agepen, a segunda análise de perfil feito pela Gisp, também assinado por Pedro Paulo, sofreu uma "mudança de procedimento" e acabou usando apenas os "dados oficiais" em sistema interno da Agepen. "Mas ali deixa a cargo da Diretoria de Operações opinar ou não pela transferência", reforça Oliveira.

Outro documento de 21 de novembro de 2019, por fim, dessa vez emitido por Acir, da Diretoria de Operações, acaba endossando manifestação ministerial, destacando que não é possível fazer a transferência de Aldo, indicando ainda Dourados como caminho para ele ficar mais próximo da família - ele pedia Ponta Porã ou Amambai.

No caso, a Agepen explica que a PED (Penitenciária Estadual de Dourados) é considerada mais adequada, até por se tratar de um presídio de segurança máxima, diferente do próprio PTran e do presídio ponta-poranense. Contudo, a transferência não ocorreu após o juiz determinar que Aldo permanecesse em Campo Grande.

"Já na época do trâmite houve outras denúncias e o Ministério Público encaminhou à Deco (Delegacia Especializada em Combate ao Crime Organizado) a questão, que foi arquivada. A inteligência da Sejusp (Secretaria de Estado de Justiça e Segurança Pública) também apurou e nada foi encontrado", revela o diretor da Agepen.

Corregedoria - Além disso, Aud revela que desde 2019 o caso é tratado na corregedoria e está sob apuração a pedido do juiz Mário José Esbalqueiro Júnior, que assumiu o caso da transferência no lugar do magistrado Caio Márcio.

"A Gisp respondeu ao juiz, mas atrasado, fora do prazo. Como a resposta não chegou, o juiz determinou essa abertura na corregedoria, mas a resposta foi entregue depois", diz Aud. Já sobre a transferência de Aldo, o diretor destaca que ele permanece no PTran por uma questão de segurança, já que corre risco na Máxima.

Em nota oficial, Aldo José Brandão se manifestou sobre o caso e negou ter feito negociata para conseguir a transferência. Leia a nota clicando aqui.

*Matéria alterada às 9h55 do dia 19/01/2021 para acréscimo do link da nota oficial com a posição de Aldo Brandão.

Nos siga no Google Notícias