Em pesquisa, promotor diz que desde 2017 nenhum homicídio ocorreu com arma legal
Estudo conduzida por Luciano Lara analisou mais de 580 denúncias do sistema do Ministério Público
Em Mato Grosso do Sul, nos últimos oito anos, nenhum homicídio foi cometido com arma de fogo legalizada. Todas eram irregulares segundo pesquisa inédita realizada pelo promotor de Justiça Criminal, representante do MPMS (Ministério Público de Mato Grosso do Sul) em Três Lagoas, Luciano Lara. No entanto, também são consideradas ilegais por ele, armas furtadas de pessoas com a situação regular, o que Luciano diz que ocorre em menor frequência em comparação com as trazidas do Paraguai, por exemplo.
RESUMO
Nossa ferramenta de IA resume a notícia para você!
Em Mato Grosso do Sul, pesquisa inédita realizada pelo promotor de Justiça Criminal Luciano Lara revela que nenhum homicídio foi cometido com arma de fogo legalizada nos últimos oito anos. O estudo analisou mais de 580 denúncias em processos digitais do Ministério Público estadual. O levantamento demonstra que as armas utilizadas em crimes são majoritariamente provenientes de contrabando pela fronteira, sendo em sua maioria estrangeiras ou falsificadas. O promotor está expandindo a pesquisa para outros estados brasileiros, com resultados previstos para este ano, buscando verificar se este padrão se repete em âmbito nacional.
Ele explica que mais de 580 denúncias provenientes de todo o Estado foram analisadas a partir de processos digitais do próprio sistema do MP. “Nós trabalhamos com processos digitais há 13 anos. Inicialmente, levantamos todas as denúncias envolvendo arma de fogo. Foi verificada uma a uma, para ver se havia registro do armamento. Nenhuma estava registrada em nome do proprietário”, pontua.
Ao Campo Grande News, o promotor conta que o levantamento foi realizado em 2024, após uma observação pessoal feita nos tribunais do júri em que atuou e continua atuando há 21 anos.
“Entre os crimes que passaram por mim, tenho mais de 10 mil inquéritos analisados e mais de 480 júris realizados envolvendo crimes dolosos contra a vida. Comecei a notar que não havia armas legais. E sempre ouvi que eram as armas legais que causavam esse tipo de crime”, relata.
No momento, o promotor está ampliando essa mesma pesquisa para as demais unidades federativas do Brasil, com a intenção de verificar se o que ocorre em Mato Grosso do Sul é realidade ou não em outros estados. Por ora, não há números desse trabalho para serem divulgados, mas o resultado deverá ser fechado ainda este ano.
Apesar disso, o promotor explica que os crimes cometidos com armas que estavam nas mãos de CACs (Colecionadores, Atiradores e Caçadores) são bem baixos no país. “Nós gostaríamos que esse número fosse zero. Mas, dentro de um universo de 1 milhão de CACs, quando analisados os anos de 2021 e 2022, o número de crimes praticados passou de 109 para 213”, esclarece.
O que é uma arma ilegal? - Luciano Lara explica o que a pesquisa considera ilegal do ponto de vista da legislação. “Se essa arma está registrada no nome de uma pessoa e ela é produto de furto ou roubo, a partir daí ela é uma arma ilegal. Se essa arma for utilizada, ela reforça o que estamos falando: uma arma ilegal sendo utilizada no crime”, destaca.
Esse é um exemplo, mas existem outras situações em que uma arma é considerada ilegal, como quando está com a numeração raspada, quando é de uso restrito sem autorização ou quando está em posse de pessoa sem registro ou com o registro vencido. “Arma legal é aquela comprada legalmente e registrada em nome da pessoa que está utilizando”, reforça Luciano.
Outra informação que o promotor enfatiza é que essas armas furtadas ou roubadas não representam o perfil das ilegais utilizadas em homicídios no Estado. “A arma que arma os criminosos vem de contrabando, pela fronteira. Em sua maioria, são armas estrangeiras, falsificadas, fabricadas com montagens de peças e colocadas com marcas de fabricantes internacionais. As armas do crime organizado não são acessíveis ao cidadão”, explica.
Além de não serem acessíveis ao cidadão comum, elas não passam pelo Sigma (Sistema de Gerenciamento Militar de Armas) e pelo Sinarm (Sistema Nacional de Armas). O primeiro é ligado ao Exército Brasileiro, e o segundo é gerenciado pela Polícia Federal.
Essas armas ilegais, segundo o promotor, são popularmente chamadas de “armas de rajada”. Em Mato Grosso do Sul, ele cita um crime praticado na fronteira com esse tipo de armamento. “Na execução de Rafael Rafaat foram usadas armas de rajada”, exemplifica.
Antes do trabalho levá-lo a lidar com casos envolvendo armas de fogo e, mais recentemente, a própria pesquisa, o promotor conta que, na vida pessoal, já tinha contato com armas. “Eu sou atirador, cresci em uma família de atiradores, então tenho interesse no tema e sou um entusiasta do assunto”, declara.
Quando chegou ao curso de Direito e, por fim, à Promotoria, ele relata que sempre ouviu que as armas legais eram responsáveis pelos crimes. Com a pesquisa em âmbito regional e nacional, o promotor quer mostrar os números reais.
“Não começou com essa intenção, mas a pesquisa está se mostrando necessária. Os dados estão mostrando que, na verdade, precisamos melhorar a forma de estruturação dos crimes, porque também apenas 4% das armas recuperadas e localizadas estão sendo comunicadas à Polícia Federal, que é quem tem o cadastro”, frisa.
Autor dos livros “Posse - A Propriedade das Armas de Fogo no Brasil”, “Papa Alpha - Porte de Arma para Defesa Pessoal” e “LDA - Legítima Defesa Armada”, Luciano realiza palestras sobre o tema em todo o Brasil e também ministra cursos.
Ainda não é possível estimar o impacto da pesquisa nacional, mas o promotor destaca: “O foco tem que ser na arma ilegal e estamos desviando disso. As políticas públicas que estão sendo implementadas estão desviando disso. Na segurança pública, o efeito da arma legal não é prejudicial, porque não é utilizada no crime”, conclui.
Receba as principais notícias do Estado pelo Whats. Clique aqui para acessar o canal do Campo Grande News e siga nossas redes sociais.