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Cidades

Na mala, pesquisadora leva PANCs de Naviraí para serem estudadas na Espanha

Plantas Alimentícias Não Convencionais do Cerrado, moringa e ora-pro-nóbis são objeto da pesquisa

Cassia Modena | 21/05/2023 13:25
Pesquisadora levou 4 quilos de PANCs do Cerrado para estudo na Europa (Foto: Acervo pessoal)
Pesquisadora levou 4 quilos de PANCs do Cerrado para estudo na Europa (Foto: Acervo pessoal)

Bertalha, beldroega, ora-pro-nóbis, folha da seriguela e moringa são alguns exemplos de PANCs (Plantas Alimentícias Não Convencionais) que volta e meia acabam sendo confundidas com "mato" ou combatidas como pragas em plantações, embora sejam altamente nutritivas e benéficas à saúde.

A sabedoria popular descobriu esses benefícios há milênios e a Ciência os atesta hoje. Silvia Benedetti entende disso pelos dois pontos de vista: o de quem foi criança e consumiu as plantas por recomendação dos mais velhos, e o de professora e pesquisadora do campus Naviraí da UEMS (Universidade Estadual de Mato Grosso do Sul) que estuda a fundo as PANCs do Cerrado.

Por saber que ainda há muito a ser descoberto sobre essas espécies, a pesquisadora colheu em Naviraí a moringa e a ora-pro-nóbis, e as carregou na mala para serem estudadas em seu pós-doutorado que está em andamento na Universitat Politècnica de Catalunya, com sede em Barcelona, na Espanha.

Silvia Benedetti ficará até março de 2024 naquele país, analisando o uso de uma tecnologia chamada crioconcentração para concentração de compostos bioativos – como são chamadas as substâncias benéficas à saúde do organismo presentes em alimentos funcionais – das duas PANCs que levou na bagagem.

Café - O processo emprega a mesma técnica utilizada no Brasil para a fabricação de cafés, especialmente os destinados à exportação.

"A crioconcentração é usada para concentrar produtos líquidos por congelamento e separação da água na forma de gelo. Nesta pesquisa, vou utilizar o sistema de crioconcentração em blocos, também conhecido como sistema de congelamento e descongelamento. A mesma técnica do café", descreve Silvia.

Assim, a mágica acontece: "O uso de baixas temperaturas no processo resulta em um líquido de alta qualidade nutricional e com preservação de aromas", resume.

À esquerda, as plantas; à direita, os líquidos extraídos (Fotos: Acervo pessoal)
À esquerda, as plantas; à direita, os líquidos extraídos (Fotos: Acervo pessoal)

No caso da obtenção dos extratos vegetais de PANCs do Cerrado, como é o caso, ela destaca que ainda não ocorre em nível industrial no Brasil. "No nosso país, não há nenhum grupo de pesquisa que tenha aplicado a técnica de crioconcentração assistida por centrifugação nessas plantas", confirma a pesquisadora. O trabalho na Espanha, portanto, poderá ser uma iniciativa importante para isso.

Aplicações - Os concentrados extraídos da moringa e a ora-pro-nóbis podem ter uso futuro na indústria alimentícia, farmacêutica, cosmética, dentre outros.

Isso será possível desde que a pesquisa passe por etapas obrigatórias, observa Benedetti. "Toda aplicação industrial, antes de mais nada, precisa ser pesquisada e validada a nível experimental dentro das universidades e centros de pesquisa", diz. Anos podem se passar até isso aconteça. "Daí a importância desse tipo de pesquisa ser realizada em outro país, visando aplicação futura no Brasil com as matérias-primas que temos",  comenta.

Fachada da universidade espanhola onde PANCs do Cerrado são estudadas (Foto: Acervo pessoal)
Fachada da universidade espanhola onde PANCs do Cerrado são estudadas (Foto: Acervo pessoal)

Sobre as vantagens de usar a técnica de crioconcentração, a pesquisadora destaca que as principais são ser um processo econômico e de baixa complexidade. "Esse é o método mais utilizado e pesquisado para a recuperação de solutos, por ser uma técnica que possui um sistema econômico e mais simples, em termos de procedimentos, construção e gerenciamento de equipamentos", ela explica.

A crioconcentração, inclusive, é uma alternativa viável aos tradicionais métodos de concentração adotados pela indústria de alimentos para concentração de produtos, compara a professora, pois demanda menor capital de investimento e menor custo operacional.

Na bagagem - Em viagens internacionais, não é permitido transportar vegetais na bagagem. Silvia precisou fazer o registro das amostras de PANCs do Brasil pelo SISGEN (Sistema Nacional de Gestão do Patrimônio Genético e do Conhecimento Tradicional Associado).

Um certificado autorizou o transporte das plantas para os estudos. "Tanto a UEMS quanto a universidade aqui na Espanha tiveram que assinar um instrumento jurídico explicando detalhadamente a finalidade das plantas, as quais seriam usadas para pesquisa. Além disso, a universidade espanhola também emitiu um documento extra para que eu trouxesse comigo", explica.

Silvia Benedetti ficará em Barcelona até março de 2014 (Foto: Acervo pessoal)
Silvia Benedetti ficará em Barcelona até março de 2014 (Foto: Acervo pessoal)

A pesquisadora também precisou entrar em contato com a companhia aérea para avisar que iria levar do Brasil 4 quilos de folhas desidratadas e trituradas na bagagem de mão. Precaução para evitar qualquer contratempo, caso houvesse extravio das malas despachadas.

E deu tudo certo. "Felizmente, ninguém me perguntou  nada sobre as amostras nem na saída do Brasil e nem aqui na imigração, ao chegar. Mas estava tudo identificado devidamente e com todos os documentos, se me fosse exigido algum", conta.

Uma curiosidade é que, por terem saído de Naviraí já preparadas para a pesquisa, foi até mais fácil. "Se fossem folhas verdes, o trâmite seria outro e bem mais burocrático", afirma Silvia.

Outras pesquisas - Professora do curso de Engenharia de Alimentos da UEMS, Silvia Benedetti conta que há muitas outras pesquisas sobre PANCs desenvolvidas na universidade sul-mato-grossense, como as que estudam seu potencial de combater bactérias e as que buscam desenvolver produtos alimentícios tendo-as como base. "É uma forma de valorização da flora regional, agregando valor e gerando renda", conclui.

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