Sem prova clara, MPF livra mulher e filha de PM de acusação por tráfico
Alegações finais em processo aberto no fim de 2018 mantém acusação por associação criminosa para o tráfico internacional de drogas
Um ano e dois meses depois da Operação “Laços de Família”, que prendeu 21 pessoas, apontadas como integrantes de quadrilha do tráfico de drogas chefiada pelo policial militar Sílvio Molina, a mulher e a filha do subtenente conseguiram se livrar da denúncia por tráfico de drogas, mas não da acusação de associação para o tráfico internacional, segundo as alegações finais do MPF (Ministério Público Federal) no processo contra as duas, aberto no fim de 2018. A peça foi anexada ao processo na semana passada e, agora, o caso aguarda a sentença do juiz Bruno César Teixeira, da 3ª Vara da Justiça Federal em Campo Grande.
Na denúncia, feita com base nas investigações da Operação “Laços de Família”, desencadeada em junho de 2018, Roseleia Teixeira Piovezan, 44 anos, esposa de Sílvio Molina, e Jéssica Piovezan Azevedo Molina, 25 anos, filha do casal, eram acusadas de crimes que poderiam render penas somadas de pelo menos 8 anos, além de multa. Com o pedido de absolvição do crime de tráfico, a punição possível cai para o mínimo de 3 anos.
A mudança equivale dizer que as duas mulheres sabiam do esquema, daviam apoio a ele de forma prática, mas não houve como comprovar envolvimento direto nas negociações de entorpecentes.
No início do processo, essa ligação era apontada a partir de flagrante de tráfico ocorrido em 14 de dezembro de 2016, quando o motorista Clodoaldo Lenzi “caiu” com 3 toneladas de maconha. Durante as apurações, foi descoberto que mãe e filha ficaram responsáveis por buscá-lo em um posto de gasolina, no dia anterior, para fazer o transporte.
Lenzi prestou depoimento no dia 19 de agosto deste ano, no processo principal da Operação Laços de Família e afirmou não conhecer as duas. “Embora Rose e Jéssica tenham buscado, voluntariamente, o motorista que seria o responsável pelo posterior transporte de drogas e, inclusive, soubessem de detalhes desse transporte, após a instrução criminal ficou delineado que o simples transporte do motorista não é suficiente para uma condenação pela prática de tráfico de drogas”, afirma a peça processual do MPF sobre as duas.
No entendimento do MPF, a participação das denunciadas no episódio “é muito lateral ao desenvolvimento do transporte da droga”. Não há, escreve o procurador, “como dizer que tenham realizado atos relevantes de colaboração para a consecução do transporte da droga".
Agravar pena – Ainda assim, o Ministério Público defende que a situação é suficiente para demonstrar o papel “ativo, consciente e voluntário de mãe e filha na associação criminosa dedicada ao tráfico internacional de drogas”.
Ao longo da peça processual, são apresentadas outras provas nesse sentido, entre elas uma interceptação telefônica em que, depois da apreensão de 5 toneladas de maconha, em setembro de 2016, Rose tenta ligar para o filho Jefferson Molina, assassinado em 2017, para avisar da perda do carregamento, e usa código cifrado. Na conversa, aparentemente orientada por outra pessoa, ela diz que " o corpo falou que essa dengue minha aqui deu bosta".
A acusação apresentada ao magistrado diz que Rose e Jéssica integraram grupo criminoso com estrutura hierarquizada. “É possível identificar que eles contavam até mesmo com o apoio da polícia da cidade de Mundo Novo”, afirma o texto. “Os integrantes utilizavam diversas manobras sofisticadas para tentar encobrir o seu envolvimento com o tráfico internacional de drogas, bem como a relação dos “operacionais” com os membros da família Molina", prossegue.
De acordo com o que a apuração permitiu ao MPF concluir, a associação criminosa era extremamente lucrativa, sobretudo para os integrantes mais próximos do líder, Sílvio Molina. A peça cita o valor de R$ 2 milhões de ganho a cada cinco toneladas de droga “comercializada” pelo grupo. A família vivia com luxo, incompatível com a renda de um subtenente da Polícia Militar.
Em relação à mulher de Sílvio Molina, o MPF também sugere que a pena seja agravada pelo histórico. “Rose já foi presa, em 2006, por atuar como “batedora” de carga de cigarros contrabandeados”, está anotado nas alegações finais.
O procurador quer, diante das informações levantadas, que mãe e filha tenham a pena base aumentada pelas circunstâncias reveladas. Além disso, elas são enquadradas no artigo que implica em aumento de até dois terços da pena, em caso de comprovada a transnacionalidade da infração criminal.
O levantamento policial atribui ao Paraguai a origem da droga. A quadrilha tinha sede em Mundo Novo, município vizinho ao país produtor de maconha.
Defesa – Quando ouvidas neste processo, no dia 9 de agosto, Jéssica e mãe disseram que apenas “faziam favores” aos outros apontados como integrantes da quadrilha, entre eles o ex-marido da jovem, Douglas Alves Rocha, o Bodinho, e o irmão dele, Jefferson Alves Rocha, conhecido como Bodão.
Conforme descrito no processo, ainda faziam parte do “alto escalão” da quadrilha, Jefferson Molina, o Jeffinho, assassinado em junho de 2017, e a namorada dele, Lizandra Mara Carvalho Ricas. Nos escalões mais baixos da organização criminosa, havia gerentes operacionais, pessoas definidas como “correrias”, “mulas” e ainda “laranjas”.
Depois da morte de Jefferson Molina, revelam as investigações, mãe e filha passaram a ter papel mais ativo na quadrilha. Foram responsáveis, por exemplo, por viagens a Natal, no Rio Grande do Norte, para cobrar devedores de Jefferson.
Jeffinho, segundo a defesa do policial militar, era quem chefia o grupo, apesar do trabalho investigativo, com base em escutas telefônicas e monitoramento de redes sociais, apontar Sílvio Molina como o chefão de tudo.
Acusação dividida – Com apenas duas rés, essa ação foi desmembrada da principal, que tem 19 réus e está ainda na fase de audiências para ouvir testemunhas. As duas mulheres aguardam o andamento do processo no presídio feminino Irmã Irma Zorzi, em Campo Grande.
Sílvio Molina, Douglas e Jefferson Rocha estão na penitenciária federal de segurança máxima de Mossoró, no Rio Grande do Norte. Os outros presos estão espalhados em unidades penais do Estado e de outras regiões do País.