A fuga de "Sandrinho", a morte de "Miguelão" e a Xeque Mate
Como a fuga de condenado por mandar matar ex-prefeito deu início a uma das maiores operações policiais de MS
“Puxar a capivara”, expressão dos meios policiais e jurídicos inspiradora do nome dessa coluna - além da simpatia ao carismático animal - é como bate-papo entre amigos. Na caça aos detalhes sobre determinada figura, assuntos vão se entrelaçando, atingindo outros e não se sabe onde vai dar. Nesta edição, a investigação jornalística começou por um tema, e acabou levando ao nome de Alessandro Vaz Lino, o “Sandrinho”, 43 anos, condenado por dois assassinatos no começo dos anos 2000, um deles a execução do ex-prefeito de Três Lagoas, Miguel Jorge Tabox, aos 68 anos, em janeiro de 2001.
“Sandrinho”, quando descoberto o envolvimento no crime, como mandante junto com a namorada Milena, mulher de Tabox, o "Miguelão", foi preso e levado para o 1º Distrito de Polícia Civil da cidade. De lá, escapou, de forma misteriosa, abrindo suspeita de ajuda de seus carcereiros. Só voltou a ser localizado em 2005, com nome falso, no estado de São Paulo. Voltou, foi julgado, condenado, cumpriu pena e até já voltou a se envolver em ilícitos.
Pesquisada pela “Capivara Criminal”, a vida de Alessandro Vaz Lino se embaraça com operação grandiosa desenvolvida em 2007, a Xeque Mate, contra a jogatina dos caça-níqueis, sob proteção de agentes públicos.
Porque - Foi a tentativa de investigação de possível corrupção policial presente no episódio da fuga o gatilho para o nascimento da operação gigantesca da Polícia Federal. Mais de cem pessoas foram alvo, até o irmão do ex-presidente Luis Inácio Lula da Silva, o “Vavá”, que faleceu em 2019, aos 79 anos, quando o petista estava preso em Curitiba (PR), graças à Lava Jato.
A autorização judicial para o ex-presidente ir ao velório só foi dada quando não havia mais tempo hábil. “Vavá” foi inocentado da suspeita de tráfico de influência em nome dos investigados por explorar o jogo de azar.
Provas ilícitas – No âmbito estadual, apareciam na lista nomes como o de Nilton Servo, morto em 2015 por causas naturais. Serevo foi deputado estadual pelo Paraná e candidato a prefeito de Campo Grande na década de 1990, além de ocupar suplência de deputado federal por Mato Grosso do Sul. Foram investigados ainda Jamil Name Filho, preso desde 2019 por chefiar milícia armada junto com o pai, Jamil Name, também encarcerado, e Sérgio Roberto de Carvalho, ex-major da Polícia Militar de Mato Grosso do Sul, conhecido hoje como megatraficante na Espanha, sob suspeita de tramar a própria morte e passar a viver com o nome de Paul Wouter.
Desencadeada no dia 4 de junho de 2007, a força-tarefa cumpriu num único dia 70 mandados de prisão. Aos poucos, foi se esvaindo, embora até hoje haja ações em curso.
O golpe na Xeque Mate veio da derrubada pela Justiça de escutas telefônicas consideradas peças-chave do trabalho policial. O entendimento é de que foram provas ilícitas, por terem se baseado “apenas em denúncia anônima”, condição vedada por lei.
Pois bem. Essas interceptações foram solicitadas em processo relacionado à execução do pai de “Sandrinho”, o advogado José Batista Ferreira Lino, vítima de 12 tiros de pistola aos 53 anos, quando aguardava pelo júri por ter participado do plano de morte de Miguel Tabox.
Verifica-se que o Ministério Público ingressou com o pedido de interceptação telefônica em 14/09/2006, sendo o pedido deferido pelo juízo da 2ª Vara Criminal da Comarca de Três Lagoas em decisão fundamentada prolatada em 18/09/2006, a qual determinou que a condução da interceptação telefônica fosse realizada pela Polícia Federal”, informa texto de despacho da 1ª Câmaral Crimina do TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) que trancou ação contra policiais civis lotados em Três Lagoas, por serem derivadas das interceptações da Xeque Mate.
Essa decisão, de 2016, cita entendimentos anteriores, que colocaram as provas como ilícitas, análise estendida também a outras ações sucedâneas da operação. O STJ (Superior Tribunal de Justiça) confirmou esse entendimento.
Diante disso, assim como outras apurações de grande porte afundadas por decisões judiciais contrárias, a pedido das defesas, a Xeque Mate transformou-se, de certa forma, em sinônimo de frustração quanto a resultados de punição aos envolvidos.
Como se sabe, os personagens citados seguiram se envolvendo em atividades ilegais ao longo dos anos seguintes.
Há processos que sobreviveram, como o que acusa de enriquecimento ilícito o ex-comandante da Polícia Militar e ex-deputado estadual, coronel José Ivan de Almeida, um delegado aposentado da Polícia Civil, Fernando Augusto Soares Martins, e mais 13 pessoas. Para esse andamento, a base está em captação autorizada, na qual é citado o oferecimento de R$ 10 mil em propina à autoridade policial para fazer vistas grossas à exploração de jogos.
Não há previsão de quanto haverá decisão da 2ª Vara de Direitos Difusos, Coletivos e Individuais Homogêneos sobre o caso. Os acusados negam haver provas contra eles.
Na esfera federal, em decisão recente, foi declarada a extinção da punibilidade de denunciados pela Xeque Mate, parte em consequência da anulação das escutas.
A morte do ex-prefeito – Voltando ao assunto que abriu esse texto, o acontecimento foi marcante na pequena Três Lagoas e no Estado, capaz de chamar atenção até do programa policial nacional Linha Direta, famoso por divulgar crimes à procura de fugitivos. É compreensível o interesse: envolvia político de família tradicional, sua esposa bem mais jovem, Milena, 23 anos, o novo namorado dela, “Sandrinho”, também de 23 anos, o pai do rapaz, o advogado advogado José Batista Ferreira Lino, e dois pistoleiros.
A trama desvendada culpou todos pela execução, a troco de o casal ficar em paz para vendar a casa doada pelo falecido à mulher, no valor de R$ 200 mil. Apenas dois dos envolvidos não cumpriram pena. Morreram antes.
São eles Jesuel Apolinário dos Reis, pistoleiro morto seis meses depois da execução de Miguel Tabox, e o advogado José Batista Ferreira Lino. Ele foi vítima no dia seguinte ao crime. Durante as investigações, abriu-se a suspeita em relação aos policiais, mas ela nunca foi levada a termo. O inquérito foi arquivado em 2009, por volta de indícios de culpado.
“Sandrinho” cumpriu a pena por mandar matar Tabox e ainda um outro homem, no ano de 2000, em uma dívida de droga. No momento, é um cidadão livre, mas responde a processo criminal por receptação de uma camionete furtada. O veículo valia R$ 100 mil, mas foi comprado por ele por R$ 80 mil.
Em audiência judicial, Alessandro diz que ignorava que o veículo foi produto de ato criminoso e alegou ter feito a negociação para poder pagar uma dívida de dinheiro emprestado.
(*) Marta Ferreira, que assina a coluna “Capivara Criminal”, é jornalista formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), chefe de reportagem no Campo Grande News. Esse espaço semanal divulga informações sobre investigações criminais, seus personagens principais, e seu andamento na Justiça.
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