MS tem o seu "André do Rap" e ele está foragido há 6 meses
Trata-se de Gerson Palermo, narcotraficante que conseguiu decisão para colocar tornozeleira em abril e nunca mais apareceu
O Brasil falou muito nos últimos tempos sobre "André do Rap", traficante ligado ao PCC foragido após ter a liberdade concedida pelo ministro Marco Aurélio Melo, do STF (Supremo Tribunal), atendendo argumento da defesa de que não foi feita análise trimestral da necessidade de manter André preso, regra recente na lei da execução penal. A decisão foi revertida pelo presidente da Corte Suprema, Luiz Fux, e pelo restante dos ministros no plenário, mas já não tinha jeito: o criminoso "evaporou-se", virando assunto nacional e até motivo de crise interna no Supremo, o órgão mais poderoso do Judiciário.
Pois Mato Grosso do Sul tem o seu "André do Rap" e ele está sumido desde o dia 22 de abril deste ano, ou seja, há mais de meio ano. Para operadores do Direito ouvidos pela "Capivara Criminal", o caso de Mato Grosso do Sul é ainda mais grave, a começar pela pena do foragido, mais de quatro vezes superior.
O assunto do dia da coluna é Gerson Palermo, 62 anos, um homem igualmente condenado como chefe do narcotráfico de cocaína vinda da Bolívia. Da mesma forma que o criminoso liberado pelo ministro Marco Aurélio, saiu tranquilamente do presídio onde estava, graças a liminar do desembargador Divoncir Schreiner Maran, concedida no plantão do feriado de 21 de abril, sob alegação de o preso correr risco de contrair a covid-19 se ficasse encarcerado.
Fugiu no mesmo dia - O condenado ganhou então, o direito de ir para casa, em Campo Grande, e ser vigiado por tornozeleira eletrônica. Quebrou e abandonou o equipamento oito horas depois de ser colocado. Sumiu no mundo. Seu último sinal para as autoridades é um alerta vermelho na tela do sistema que cuida de quem fica monitorado à distância.
Palermo, 62 anos, tem mais estrada na vida e no crime do que André de Oliveira Macedo, de 43 anos, cuja punição a pagar é de 25 anos de prisão. "Pigmeu", como é conhecido, tem penas de reclusão a cumprir de mais um século, por agressões à lei que vão do comando de esquema pesado de narcotráfico de cocaína vinda da Bolívia, por ar e terra, até o sequestro de avião, na década de 2000.
Velho conhecido - O narcotraficante tem histórico longo. Sua ficha no processo de execução penal, agora suspenso em razão de estar desaparecido, tem cinco páginas corridas. A primeira dívida com a Justiça é de 1989, mais de três décadas atrás.
Com passagens policiais no Rio de Janeiro, em São Paulo, Goiás, Paraná, Mato Grosso e Mato Grosso do Sul, Palermo é um "hóspede" antigo do sistema prisional estadual. Já ficou em Campo Grande e Dourados, em mais de meia duzia de cadeias.
Na antiga Colônia Penal Agrícola, na saída para Sidrolândia, teve no mesmo ano duas anotações de fuga, em 2007. Nos presídios do complexo penal na saída para Três Lagoas, em Campo Grande, passou pelo Instituto Penal, pelo Presídio de Trânsito e, desde 2017, estava no EPJFC (Estabeleciemtno Penal Jair Ferreira de Carvalho), de segurança máxima.
Foi de lá que ele saiu no dia 22 de abril, depois de sua defesa conseguir a prisão domiciliar com uso de tornozeleira eletrônica no plantão do Dia de Tiradentes. Foi lá que foi visto pela derradeira vez.
Diante da rapidez com que tratou de escapar, a suspeita é de ter havido organização prévia, planejamento, para dar entrada nesse dia ao pedido de liberdade. Já havia um sistema de fuga do País preparado, desconfiam as autoridades.
Investigações da Polícia Federal sobre a organização da qual Palermo é apontado como liderança mostram diálogos nos quais ele se revela preocupado em antever ações das forças de segurança, tanto para evitar a própria prisão quanto as perdas de cargas de droga, transportadas em aviões e carretas.
A decisão polêmica do desembargador Divoncir Scheirener Maran que o favoreceu teve como embasamento resolução do CNJ (Conselho Nacional de Justiça) recomendando a liberação de presos do grupo de risco para contágio do novo coronavírus. Quando o expediente voltou, no dia 23 de novembor, o desembargador Jonas Hass derrubou a liminar, mas o destino havia sido o mesmo que "André do Rap" tomou: o rumo ignorado.
Sob investigação - Logo que o caso veio à tona, o Conselho abriu investigação sobre a soltura de Palermo. O desembargador e o TJMS (Tribunal de Justiça de Mato Grosso do Sul) prestaram informações, defendendo a legalidade do despacho, com base na orientação do próprio órgão, em resumo, e em outras legislações.
Em outra resolução, baixada em setembro, o CNJ vetou a soltura de traficantes por causa da covid-19.
O procedimento está aguardando análise da corregedora-geral que Maria Thereza Rocha de Assis Moura, no cargo desde setembro. À abertura do próprio Conselho somou-se reclamação do juiz de Três Lagoas Rodrigo Pedrini. Ele juntou ao processo um dossiê para apontar irregularidades na concessão da liberdade vigiada ao traficante Gerson Palermo.
Coincidência - Em 2018, após ser preso um ano antes pela Polícia Federal, durante a Operação All In, que atribuiu a Palermo carga de quase uma tonelada de cocaína apreendida, a defesa foi ao STF tentando habeas corpus pedindo a liberdade. O argumento básico foi o constrangimento ilegal.
O relator foi o ministro Luiz Roberto Barroso e, por maioria, foi negado o pedido. Dos ministros que votaram, só Marco Aurélio de Melo entendeu que Palermo deveria ser liberado. Sim, o mesmo magistrado envolvido na barulhenta soltura de "André do Rap".
Gerson Palermo não tem mais decisão em seu favor. Quando foi julgado por colegiado de desembargadores, foi mantida a decisão que derrubou a liminar concedida no plantão. A defesa dele não recorreu.
O advogado é Rodney do Nascimento, de Minas Gerais. Ele representa o narcotraficante nas ações que correm tanto na esfera estadual quanto nas instâncias federais e nos tribunais superiores.
Te peço desculpas, mas como o processo dele ainda está em andamento, tenho por costume não falar a respeito, pois acredito na sua inocência que certamente sera demonstrada perante o TRF3", respondeu Rodney ao ser indagado pela "Capivara Criminal" sobre a situação do cliente.
TRF3 é o Tribunal Regional da 3ª Região, sediado em São Paulo, onde tramitam os processos da Justiça Federal de Mato Grosso do Sul em segundo grau.
(*) Marta Ferreira, que assina a coluna “Capivara Criminal”, é jornalista formada pela UFMS (Universidade Federal de Mato Grosso do Sul), chefe de reportagem no Campo Grande News. Esse espaço semanal divulgar informações sobre investigações criminais, seus personagens principais, e seu andamento na Justiça.
Entenda o nome: Esta seção se chama assim em alusão à expressão "puxar a capivara", que usa o nome do animal visto frequentemente em Mato Grosso do Sul para designar o acesso à ficha corrida de alguém envolvido com o crime.
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