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Cidades

“Máfia do Cigarro” pagava propinas de até R$ 100 mil para policiais, diz Gaeco

Denúncia do Gaeco à Justiça enxerga patrimônio incompatível entre oficiais e cabo da PM e destaca que acusação teve a participação de policiais indignados com tais fatos

Humberto Marques | 22/05/2018 19:45
Operação investiga 20 policiais por colaboração com contrabandistas de cigarros. (Foto: Marina Pacheco/Arquivo)
Operação investiga 20 policiais por colaboração com contrabandistas de cigarros. (Foto: Marina Pacheco/Arquivo)

Os 20 policiais militares investigados durante a Operação Oiketicus foram cooptados pela “Máfia do Cigarro” graças a pagamentos de propinas que variavam de R$ 2 mil mensais a R$ 100 mil, segundo relatório do Gaeco (Grupo de Atuação Especial de Combate ao Crime Organizado) que fundamentou a ação. Os valores de pagamentos foram verificados ao longo de apurações iniciadas em abril de 2017 e de meses de interceptações telefônicas, sendo fundamentados graças à evolução patrimonial de alguns dos suspeitos.

Conforme o Gaeco, policiais de várias patentes e regiões do Estado atuariam associados de forma estável e em dois núcleos principais, ao longo da região de fronteira do Paraguai, de forma a permitir que o contrabando de cigarros ocorre sem fiscalização –ou repressão. Alguns acusados, inclusive, já haviam sido alvos de apurações anteriores por suposta relação com o mesmo crime.

A cooptação teria chegado a oficiais da PM e comandos de pelotões, de forma a abrir caminho para a passagem dos veículos com os produtos ilícitos. E, graças a “altas quantias a título de propina”, levariam agentes de patente mais elevada a agir, movimentando equipes para longe do contrabando ou mesmo repassando informações sigilosas sobre operações, fiscalizações, veículos da Inteligência e escalas de trabalho.

Foram citados pelo Gaeco pagamentos de R$ 30 mil a R$ 100 mil a oficiais e os “cabeças” de um dos núcleos, enquanto outros suspeitos relatavam, no passado, pagamentos entre R$ 500 e R$ 600 por semana ou “mensalinhos” que, apesar do nome, envolviam pagamentos semanais de R$ 3 mil.

Presos foram trazidos para a Corregedoria da PM, em Campo Grande. (Foto: Fernando Antunes/Arquivo)
Presos foram trazidos para a Corregedoria da PM, em Campo Grande. (Foto: Fernando Antunes/Arquivo)

Frentes – As apurações dividiram o esquema em duas frentes criminosas. A primeira agia na região de Bela Vista, Bonito, Guia Lopes da Laguna e Jardim, incluindo unidades no distritos de Alto Caracol e Boqueirão –pontos estratégicos para a circulação de carretas e onde investigados no esquema usariam das patentes maiores para pressionar soldados e cabos a liberarem cargas de cigarros –nem sempre com resultado positivo, frisa a acusação.

Tal núcleo teria entre seus comandantes, conforme o inquérito, os tenentes-coronéis Admilson Cristaldo Barbosa e Luciano Espíndola da Silva e o major Oscar Leite Ribeiro. O primeiro foi apontado como dono de um padrão de vida que não condizia com a renda advinda da PM, reforçando suspeitas sobre sua atuação. Outros dez policiais de menor patente foram citados pelo Gaeco como integrantes do esquema na região.

“Mensalinho” – O segundo núcleo abrangia as cidades de Dourados, Maracaju, Mundo Novo, Naviraí, Iguatemi, Japorã e Eldorado, onde as ações criminosas envolviam o pagamento de “mensalinhos” que, de R$ 15 mil, recuaram para R$ 3 mil semanais aos policiais participantes –nesta região são citados policiais de patentes mais baixas (terceiro-sargentos, cabos e soldados).

O Gaeco fez especial menção ao cabo PM Aparecido Cristiano Fialho, que, graças às operações criminosas, teria acumulado patrimônio de quase R$ 7 milhões –valor considerado incompatível com seu rendimento na Polícia Militar. Dinheiro do esquema seria “lavado” em uma revenda de automóveis de Naviraí. Além disso, ele foi relacionado como dono de mais de dez imóveis.

Apreensão de cigarros pelo DOF, em dezembro de 2017, ocorreu na região de Vista Alegre. (Foto: DOF/Divulgação)
Apreensão de cigarros pelo DOF, em dezembro de 2017, ocorreu na região de Vista Alegre. (Foto: DOF/Divulgação)

Enquanto as apurações envolvendo a frente de Bela Vista apontava que as ações ilegais favoreciam diferentes grupos de cigarreiros; a operação com base em Dourados e Naviraí seria focada em “um único grupo criminoso” e teriam um ex-PM expulso da corporação como elo –cooptando policiais e servindo de ligação entre gerentes da operação com os policiais.

Este trecho ainda abrange locais pelos quais, desde o fim de 2017, a PRF (Polícia Rodoviária Federal) e o DOF (Departamento de Operações de Fronteira) relataram terem passado alguns dos maiores carregamentos de cigarros apreendidos neste ano –o distrito maracajuense de Vista Alegre, onde há uma base da Polícia Rodoviária Estadual. Só a ação do DOF, em 6 de dezembro passado, resultou em prejuízo estimado em R$ 15 milhões com a retirada de oito carretas carregadas de cigarros de circulação.

Negócio bilionário – Em seu relatório, os promotores do Gaeco salientaram que a situação chegou ao ponto de a Oiketicus ter entre seus colaboradores muitos agentes públicos “honrados, indignados com o rumo atual da situação” e com o descrédito levado à PM por permitir que Mato Grosso do Sul seguisse como corredor do contrabando de cigarros –cujos produtos ilegais corresponderam, em 2017, a 48% de todos os produtos vendidos no Brasil, conforme dados anexados ao inquérito, movimentando R$ 7 bilhões.

O documento ainda aponta o fato de serem raras as grandes ações contra o contrabando de cigarros por parte da PM Estadual –citando a Fumus Malis e à Gato de Botas, ocorridas há mais de sete anos. Em paralelo, também contesta-se o fato de não haver punições, “salvos aos presos e processados em grandes operações”, com penalidades envolvendo, no máximo, remanejamentos.

Ao sustentar o pedido de prisão cautelar, os promotores ressaltaram que o país já paga, hoje, um alto preço “com várias autoridades públicas investigadas, processadas e condenadas em esquemas de corrupção, minando a confiança na regra da lei e na democracia”.

“É por isso que nos casos de corrupção sistêmica e profunda, impõe-se a prisão preventiva para debelá-la, sob pena de agravamento progressivo do quadro criminoso”, prossegue o pedido, acatado pela Justiça, que ainda pontuou o fato de que policiais militares, como outros agentes públicos, devem ter “vida pública irrepreensível durante toda a sua vida profissional”, não se tratando as acusações de falta profissional ou crime menor, e sim “participação em grandiosa organização criminosa”.

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