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Capital

Antropólogo indígena avalia proibição de cirurgia como caso isolado

Natalia Yahn | 23/01/2016 14:45
O simpático "indiozinho" no colo da irmã Jaqueline, na Santa Casa de Campo Grande, seu lar desde outubro de 2015. (Foto: Marcos Ermínio)
O simpático "indiozinho" no colo da irmã Jaqueline, na Santa Casa de Campo Grande, seu lar desde outubro de 2015. (Foto: Marcos Ermínio)

A proibição do pai do “indiozinho” Edemar Gonçalves da Silva, 4 anos, que impediu a realização da cirurgia cardíaca na criança em 2013, é um caso isolado. A avaliação é do doutor em antropologia social pela UFRJ (Universidade Federal do Rio de Janeiro) e índio guarani-caiuá, Tonico Benites. Ele é da Aldeia Jaguapiré, em Tacuru, a 407 quilômetros de Campo Grande, e estuda os povos indígenas há 15 anos.

“O caso do Edemar é específico. A maioria dos indígenas, especialmente da etnia guarani-caiuá aceitam o atendimento médico, remédios. Não existe proibição cultural para realizar uma cirurgia. Os índios sempre aceitam se sabem que vai ser o meio de salvar a vida. Não podemos generalizar por causa do pai do menino, que não deixou fazer a cirurgia nele”, afirmou.

Em relação ao fato de nenhuma autoridade ou representante indígena saber sobre a situação de Edemar – que vive, desde dezembro de 2014, em hospitais de Mato Grosso do Sul –, ele acredita em falhas no atendimento do menino.

“As equipes da Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena) fazem o acompanhamento e encaminham casos de índios que tem endereço fixo na aldeia. Hoje tem muitas famílias fora da aldeia, que pode ter sido o caso da família do Edemar. Aí não tem atendimento, gera muito problema e é uma situação cheia de burocracia para acompanhar nesta situação”, afirmou Tonico.

Um das coisas mais marcantes da cultura indígena é o cuidado de todos os membros da família, uns com os outros. Outra situação que pode contribuir para a falta de assistência familiar do “indiozinho”, já que a mãe foi morta (crime que teria sido cometido pelo pai de Edemar) e a criança esta sob o cuidado de outros familiares.

“A família é desestruturada. A uma família indígena tradicional é composta por três gerações ou mais. Os avós e pais organizam tudo e a criança é protegida. Todos se envolvem caso alguém fica doente, os demais ajudam, existe um cuidado. Mas no caso dele, talvez pela família ser urbanizada teve a questão da violência e pode ter ocorrido outros problemas com o álcool e as drogas, por exemplo”, opinou o antropólogo.

A coordenadora da Casai de Campo Grande, Eliete Maggioni mostra a carta escrita pelo pai de Edemar, proibindo a cirurgia. (Foto: Gerson Walber)
A coordenadora da Casai de Campo Grande, Eliete Maggioni mostra a carta escrita pelo pai de Edemar, proibindo a cirurgia. (Foto: Gerson Walber)

O pai de Edemar registrou em uma carta o desejo de que o menino não fosse submetido à cirurgia cardíaca. O documento foi provavelmente escrito em 2013 pelo pai do garotinho, Roberto Gomes da Silva, e está guardado junto com outras documentações de Edemar, na Casai (Casa de Apoio àSaúde do Índio), na Capital.

A coordenadora da Casai, Eliete Domingues Rios Maggioni, foi até agora a única pessoa – entre representantes indígenas – que conhece e acompanha o caso de Edemar. O Campo Grande Newsprocurou informações sobre ele junto à Funai (Fundação Nacional do Índio), Funasa (Fundação Nacional de Saúde), Sesai (Secretaria Especial de Saúde Indígena), na Capital, em Dourados e também na sede dos órgãos (Funai e Sesai) em Brasília (DF), mas nenhum local tinha conhecimento da situação do “indiozinho”, como foi apelidado Edemar por funcionários da Santa Casa – onde esta internado desde outubro do ano passado.

No documento escrito a próprio punho, a dificuldade em relação à língua e de comunicação do pai fica evidente. "Cirurgia muito perigosa operar na coração. Faz favor. Não pode mandar entrar cirurgia. Aquele coração sagrado vida ainda izima da terra. Se perder aquele mia filha, depois vai pagar nós. Ele não é ainda quajo. Tem ainda pai dele” (sic), suplicou.

Nas poucas palavras, ele afirma que não quer a realização da cirurgia, e ameaça a médica responsável por Edemar na época, caso alguma coisa acontecesse.

Eliete relata que Roberto falava pouco e não entedia o português. “Era uma situação muito delicada. E foi o pai que não autorizou a cirurgia. Nós tentamos, explicamos, mas no fim a mãe entregou a carta que deixa clara a vontade do pai, que escreveu do jeito dele”.

Edemar nasceu no dia 23 de dezembro de 2011, no Hospital Regional de Amambai. Entre os dias 10 e 12 de dezembro de 2012 ficou internado no HU (Hospital Universitário) de Dourados. Depois disso, só existe um registro de alta da Santa Casa de Campo Grande, do dia 7 de janeiro de 2013.

Após a morte da mãe (que teria sido assassinada por Roberto), outros três filhos dela foram viver com o avô materno em Amambai.

Somente no dia 4 de dezembro de 2014 o garotinho retornou para o HU de Dourados, levado pela irmã Jaqueline Lopes, 23 anos – que atualmente o acompanha. O hospital informou que o menino foi internado com pneumonia. Na Santa Casa de Campo Grande ele só deu entrada dez meses depois (no dia 28 de outubro de 2015), de acordo com a cardiopediatra que atende o menino, Cláudia Piovesan Farias, por conta do quadro de saúde delicado.

Doença – Edemar tem um grave problema no coração, conhecido como anomalia de Ebstein. Ele nasceu com a doença rara que provoca insuficiência cardíaca por conta de uma má formação.

O problema no coração não impede que a criança viva fora do hospital, ele poderia aguardar a cirurgia em casa. Porém, a “internação social” na Santa Casa é o único meio encontrado para garantir que ele receba o tratamento necessário.

“Ele corre risco de morte. É preciso manter ele no hospital pela questão cultural, pois como é indígena, pode não voltar para o tratamento. Antes de fazer a cirurgia cardíaca ele precisa passar por um procedimento. Ambos são cobertos pelo SUS (Sistema Único de Saúde), mas que não fornece todos os materiais. Solicitamos judicialmente e estamos aguardando”, afirmou a cardiopediatra que atende o menino, Cláudia Piovesan Farias.

Ele recebeu o diagnóstico da doença também na Santa Casa de Campo Grande. Na época os pais foram informados sobre a gravidade do caso, mas não permitiram que o filho fosse submetido aos procedimentos.

Após a divulgação do caso pelo Campo Grande News a SES (Secretaria de Estado de Sáude) afirmou que o procedimento de Edemar está agendado e deve acontecer em uma semana. O custo total é de R$ 20.760,00, valor que inclui o procedimento pré-operatório, material, cirurgia e os honorários médicos.

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